Direito Civil Atual

Segurança jurídica na era digital: validade e exequibilidade das assinaturas eletrônicas

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  • é estagiária do Ayres Britto Consultoria Jurídica.

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  • é sócio do escritório Vicente Monteiro Advogados graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitana Unidas (FMU) especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD) MBA em Gestão e Business Law pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV).

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14 de abril de 2025, 13h25

A dinâmica da celebração dos contratos vem sofrendo significativas alterações ao longo dos últimos anos, especialmente em virtude da evolução tecnológica que proporcionou novas ferramentas aptas a garantir a confiabilidade dos negócios jurídicos, sem a necessidade de interação presencial ou logística para coleta de assinaturas.

Esse cenário apenas tornou-se possível graças à assinatura eletrônica, disciplinada no Brasil inicialmente pela Medida Provisória nº 2.200-2/01, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que consiste na cadeia hierárquica de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão [1].

Logo, certificados digitais emitidos por empresas credenciadas na ICP-Brasil passaram a ser amplamente utilizados e aceitos pelo mercado em geral e contando com o respaldo do Poder Judiciário, especialmente em matéria contratual, reforçando não só a sua validade, como também a exequibilidade do título.

Ocorre que nem sempre as relações contratuais serão entabuladas por entidades que possuem certificados digitais no padrão ICP-Brasil, o que acaba ensejando questionamentos acerca da possibilidade das empresas e cidadãos utilizarem com segurança jurídica outras ferramentas disponíveis no mercado, que não são certificadas na ICP-Brasil.

Fabiano Menke [2] explica a importância de existir uma Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP-Brasil, visto que é necessária uma estrutura de fiscalização que pode oferecer uma segurança, assim como ocorre em países como a Alemanha, a qual também possui um órgão regulador, Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (RegTP), responsável por auditar as empresas que emitem certificados digitais. Nos Estados Unidos, por outro lado, não havia uma infraestrutura parecida, vez que a autonomia dos estados fazia com que a regulação fosse mais difícil, dessa forma, sem um órgão responsável por fiscalizar as assinaturas, ocorre uma grande insegurança jurídica.

A própria Medida Provisória nº 2.200-2/01 responde essa dúvida ao garantir, em seu artigo 10, § 2º [3], a possibilidade de utilização de outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos eletrônicos, ainda que mediante a utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, ressalvando a necessidade de admissão pelas partes acerca da validade desse tipo de assinatura.

Logo, é possível afirmar que os documentos firmados por meio de outras formas de certificação são válidos, sendo recomendável às partes salvar os respectivos comprovantes aptos a demonstrar a legitimidade das assinaturas, o que poderá ocorrer de diversas formas (verificação por e-mail, WhatsApp, biometria facial, registro de IP etc.).

ConJur

A despeito da sua validade como meio de contrair direitos e obrigações, a jurisprudência é oscilante quando o assunto é a exequibilidade dos contratos firmados fora da ICP-Brasil.

Evolução e validade das assinaturas segundo o STJ

Em 24 de setembro de 2024, foi julgado o REsp nº 2.150.278/PR, no qual o Superior Tribunal de Justiça analisou a exequibilidade de cédula de crédito bancário assinada eletronicamente por meio de plataforma não cadastrada no ICP-Brasil, o que supostamente coloca em xeque a autenticidade documental. No caso em tela, a plataforma privada possuía login, senha, especificação de IP, carimbos de hora e código hash para fins de comprovar a integridade das assinaturas.

Após ampla e esclarecedora explanação acerca da evolução histórica das assinaturas eletrônicas, a relatora ministra Nancy Andrighi aduz conclusivamente que o reconhecimento da validade jurídica e da força probante dos documentos e das assinaturas emitidos em meio eletrônico, quando aliados ao uso de ferramentas tecnológicas que permitem inferir (ou auditar) de forma confiável a autoria e a autenticidade da firma ou do documento, está, na evolução dos precedentes desta Corte Superior, em franca harmonia com o espírito do legislador.

Na linha do posicionamento do STJ, a assinatura eletrônica em contratos privado é válida independentemente do grau de robustez do método de autenticação. Tal conclusão decorre do nível de checagem disponibilizado pelas diversas plataformas existentes, o qual pode variar, inclusive, de acordo com o plano de assinatura contratado, que pode ser até mesmo gratuito, bastando um simples cadastro.

Nota-se que o referido julgado analisou o tema com profundidade ímpar e à luz da realidade empresarial moderna, cuja dinâmica das relações exige confiabilidade e agilidade na conclusão dos negócios, sendo que as assinaturas eletrônicas foram introduzidas no nosso ordenamento jurídico, justamente para disciplinar essa necessidade.

Além de analisar a validade das assinaturas eletrônicas, a decisão do STJ debruçou-se especialmente sobre a sua executividade no âmbito de uma cédula de crédito bancário que se utilizou da assinatura efetuada por meio de plataforma não credenciada junto ao ICP-Brasil. No caso, a corte também reconheceu a possibilidade de a instituição financeira ingressar com ação de execução, visto que as partes signatárias concordaram com tal modalidade de assinatura.

De acordo com Antônio Junqueira de Azevedo [4], os negócios jurídicos, além de passar pelo plano da existência e da eficácia, também têm que passar pelo plano da validade. Considerando que os contratos são uma espécie de negócio jurídico, é possível considerar, não há dúvida de que o contrato com assinatura digital sem o certificado reconhecido pelo ICP-Brasil pode ser considerado válido.

Nos termos do acórdão mencionado, eles também são exigíveis, inclusive por meio da ação chamada execução de título extrajudicial, mesmo com a insegurança causada possibilidade de fraudes na assinatura, as quais podem ser questionadas pela parte prejudicada em eventual fraude.

Nesse sentido, o julgado aludido se adapta às novas tecnologias e à necessidade de resposta rápida, com contratos que são diariamente assinados por meio de plataformas digitais mesmo sem a assinatura com certificado aceito pelo ICP-Brasil.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).

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[1] https://www.gov.br/iti/pt-br/assuntos/icp-brasil

[2] MENKE, Fabiano. Assinaturas digitais, certificados digitais, infra-estrutura de chaves públicas brasileira e a ICP alemã. Revista de Direito do Consumidor. Vol. 48 out-dez 2003. p. 132-148.

[3] Art. 10.  Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. (…)

§2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

[4] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. p. 23-24

Autores

  • é advogada no escritório Vicente Monteiro Advogados, com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université Jean Monnet Saint-Etienne.

  • é sócio do escritório Vicente Monteiro Advogados, graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitana Unidas (FMU), especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD), especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), MBA em Gestão e Business Law pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV).

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