Limitações dos poderes do curador no contexto da participação societária de interditados
11 de abril de 2025, 17h18
O ordenamento jurídico brasileiro, em seu artigo 972 do Código Civil, estabelece que a capacidade civil plena é requisito para o exercício da atividade empresarial. Entretanto, a lei e a doutrina contemplam situações em que indivíduos incapazes podem participar de empreendimentos, notadamente no âmbito societário.
Como bem pontua André Santa Cruz, a figura do sócio não se confunde com a do empresário, de modo que a incapacidade de um sócio não impede, necessariamente, sua permanência na sociedade. Nesses casos, a pessoa jurídica assume o papel de empresário, exigindo-se apenas que o incapaz não exerça funções de administração, tenha seu capital social totalmente integralizado e seja devidamente assistido ou representado, de acordo com o grau de sua incapacidade.
Nesse cenário, a curatela surge como instituto fundamental para a proteção dos interesses do sócio interditado.
Este artigo se propõe a analisar as limitações dos poderes do curador nesse contexto específico, buscando o equilíbrio entre a proteção dos direitos do incapaz e a preservação de sua autonomia, bem como a garantia da estabilidade e do regular funcionamento da sociedade empresária.
Curatela e proteção do incapaz: princípios e limites
A curatela, instituto de Direito Civil amplamente regulamentado pelo Código Civil e pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), tem como objetivo precípuo a proteção do incapaz, buscando preservar, na medida do possível, sua autonomia e seus direitos. No contexto da participação societária, essa proteção se torna ainda mais delicada, exigindo uma análise cuidadosa dos poderes do curador.
Um dos pilares da atuação do curador é o dever de agir sempre no melhor interesse do interditado. Essa premissa basilar impede que o curador pratique atos que prejudiquem o incapaz, seja por dolo ou culpa.
A doutrina e a jurisprudência têm reiteradamente destacado a natureza excepcional e proporcional da curatela, conforme ressalta Salles (2021). Desse modo, qualquer decisão que contrarie os interesses do interditado poderá ser objeto de questionamento judicial, visando à sua anulação.

Obrigação de prestar contas e controle judicial
A materialização do dever de agir no melhor interesse do interditado se concretiza, em grande medida, por meio da obrigação de prestar contas. O curador deve comprovar detalhadamente os gastos realizados em nome do interditado, especialmente aqueles relacionados à gestão de sua participação societária.
A prestação de contas deve ser apresentada no prazo determinado pelo juiz, geralmente anual, em procedimento específico distribuído por prevenção ao juízo que decretou a curatela, conforme orienta a Cartilha de Orientação aos Curadores (MPDFT, 2019).
Esse controle judicial é essencial para prevenir desvios e assegurar que os recursos sejam utilizados em benefício direto do incapaz, garantindo a continuidade de sua participação social e mantendo a supervisão judicial sobre os atos praticados pelo curador.
Restrições ao uso de recursos financeiros e à disposição patrimonial
No exercício da administração dos bens do curatelado, que incluem a participação em sociedades empresárias, as restrições ao uso de recursos financeiros assumem especial relevância na interpretação dos poderes do curador.
A legislação busca, primordialmente, evitar abusos e má gestão, protegendo o patrimônio do incapaz e assegurando sua sustentabilidade financeira.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “o curador possui poderes para exercer os direitos de acionista/quotista decorrentes da participação social do curatelado nas empresas, desde que não importem em disposição de seu patrimônio” (REsp nº 2.141.970, ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe 20/8/2024).
Para além disso, a legislação exige autorização judicial para a prática de atos que envolvam a administração do patrimônio e da renda do curatelado, tais como: pagamento de dívidas que não sejam mensais e ordinárias, transação ou celebração de acordos, venda de bens móveis e imóveis, sendo vedado contrair empréstimos ou dívidas em nome do curatelado (Cartilha de Orientação aos Curadores, MPDFT, 2019).
É importante ressaltar que, embora existam limitações relevantes aos atos comuns da atividade empresarial quando analisados sob a perspectiva da curatela, não se vislumbra uma interferência negativa nas operações da sociedade.
O objetivo principal é evitar a dilapidação do patrimônio do incapaz, garantindo sua segurança financeira e a continuidade de sua participação societária.
Conclusão
A participação de um curatelado como sócio em uma sociedade empresária é uma situação complexa que exige uma análise cuidadosa e equilibrada. A aplicação da curatela de forma proporcional e restrita, abrangendo apenas os aspectos necessários para proteger o incapaz sem comprometer sua autonomia ou o funcionamento da empresa, pode viabilizar a manutenção do sócio interditado na sociedade, fortalecendo os princípios de inclusão, igualdade e cidadania.
A atuação do curador, nesse contexto, deve ser pautada pela diligência, pela transparência e pela busca constante do melhor interesse do curatelado, em consonância com os princípios e as normas que regem o Direito Empresarial e o Direito Civil brasileiro.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Cartilha de Orientação aos Curadores, 2ª ed., 2019.
SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A responsabilidade civil das pessoas com deficiência e dos curadores após a lei brasileira de inclusão. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 4, n.1, jan./abr. 2021.
SANTA CRUZ, André. Direito Empresarial, 8ª ed, São Paulo: Método, 2018.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp n. 2.141.970, Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe 20/08/2024.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!