Direitos Fundamentais

Meio ambiente equilibrado e imprescritibilidade da execução de título de dano ambiental

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11 de abril de 2025, 8h00

A responsabilidade civil decorrente do dano ambiental — como já abordado em colunas anteriores — é regida por um regime jurídico especial e robusto, com base normativa constitucional e infraconstitucional, que considera as particularidades desse tipo de dano para coibir de forma eficaz as ações e omissões ilícitas do Estado e de particulares no âmbito do meio ambiente. Dentre as características desse regime, podem ser citadas a responsabilidade objetiva, a aplicação da teoria do risco integral, a responsabilidade solidária, um conceito ampliado de dano e de poluidor, bem como, dentre outras especificidades, a relativização gradual da regra da prescritibilidade das demandas objetivando indenização/compensação por danos ambientais, seja pelo STJ, seja pelo STF, cuja jurisprudência aqui está no foco da atenção.

Numa primeira rodada, o STF, em abril de 2020, possibilitou significativo avanço para a efetiva responsabilização dos autores de dano ambiental, ao julgar o RE nº 654.833/AC e fixar o Tema de Repercussão Geral nº 999, que consolidou a tese, já vigente no STJ, de que “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental” [1]. Nesse contexto, decidiu-se em prol do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição, para criar exceção à regra da prescritibilidade, que tem como função garantir a estabilidade das relações jurídicas no tempo, ou seja, a segurança jurídica, que também possui base constitucional na própria concepção de Estado Democrático de Direito, prevista no artigo 1º da Constituição.

A decisão contribuiu para reforçar a responsabilidade civil como forma de concretização do dever estatal de proteção ao meio ambiente, tendo em vista que nos casos de dano ambiental, são enfrentadas situações em que impera incerteza a respeito da própria dimensão do dano. São os casos, por exemplo, da poluição histórica decorrente da emissão de gases do efeito estufa, por vezes inofensivas quando individualmente consideradas, e que, reiteradas ao longo do tempo, provocam significativo dano à estabilidade climática do planeta. Ademais, estabeleceu-se que os danos ambientais se distinguem dos demais ilícitos civis pela natureza de seu objeto, afinal, o meio ambiente equilibrado é pressuposto para o exercício pleno de todos os demais direitos fundamentais.

Nesse mesmo ímpeto, o STF, em recente decisão, publicada em 1º de setembro de 2023, no bojo do RE 1.427.694/SC, por unanimidade, fixou a seguinte tese, que consiste no Tema de Repercussão Geral nº 1.268 do tribunal: “É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado” [2]. Assim, decidiu-se que o caráter ambiental de tal usurpação de bem público excepciona a regra da prescrição, uma vez que o ilícito não se dá meramente em prejuízo econômico para a União, mas lesa a coletividade em seu direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.

Ainda que não tenha sido a primeira vez que o STF decide pela imprescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário decorrentes de danos específicos [3], é importante observar a o tendencial reforço, também no âmbito da Suprema Corte brasileira, de um microssistema reforçado de responsabilidade civil por danos ambientais, atendendo aos reclamos de princípios de matriz constitucional — igualmente assim já considerados pelo STF – tais como, entre outros, os do in dubio pro natura, do poluidor-pagador e da precaução e prevenção.

Mais recentemente, precisamente em 27/3/2025, no ARE 1.352.872, relatoria do ministro Cristiano Zanin, o STF, novamente se debruçou sobre a matéria, desta feita tratando da prescritibilidade de título executivo judicial decorrente de condenação penal que estabelece a obrigação de reparação de dano ambiental, posteriormente convertida em indenização por perdas e danos.

No seu voto, o relator, que foi acompanhado por todos os Ministros que participaram do julgamento, ressaltou “que a reparação dos danos ambientais, que visa restaurar o equilíbrio ecológico e responsabilizar aqueles que causam dano ambiental, é fundamental para a tutela efetiva do meio ambiente. Com efeito, a imperatividade constitucional da reparação ambiental e a natureza do bem jurídico protegido, de caráter transindividual, transgeracional e indisponível, submetem a responsabilidade civil ambiental a regime jurídico próprio”.

Spacca

O relator também, além de citar os precedentes acima referidos da própria Suprema Corte, bem destacou as especificidades do caso, em especial o fato de se tratar de prescrição no que diz respeito à execução de título executivo judicial que reconhece a obrigação de indenizar o dano ambiental e não a pretensão reparatória propriamente dita.

Importa sublinhar, outrossim, que no voto-relator ficou consignado, a exemplo do que se deu em casos anteriores, que o dano ambiental não corresponde a um mero ilícito civil, dada a dimensão transindividual da proteção ambiental, que deve ser orientada pelos princípios constitucionais aplicáveis. A ausência de regramento específico – constitucional e/ou legal – sobre a matéria apreciada não pode constituir obstáculo para um adequado enfrentamento do tema.

Em passagem digna de ser sublinhada, o ministro Cristiano Zanin bem sintetiza a questão:

“(…) Como se vê, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece-se não haver diferença, para a determinação da prescrição em casos de danos ambientais coletivos, entre a pretensão relativa à obrigação de fazer (reparar o dano ambiental) e a que se refere à obrigação de dar (indenizar em razão do dano ambiental). No meu entender, não há motivo para afastar a tese da imprescritibilidade, fixada no Tema 999, do caso aqui debatido, tendo em vista que os fundamentos ali delineados são igualmente aplicáveis à questão jurídica colocada em questão. O fato de o caso estar em fase de execução ou de a obrigação de reparar o dano ter sido convertida em perdas e danos não mudam o caráter transindividual, transgeracional e indisponível do direito fundamental protegido, que fundamenta a imprescritibilidade (…).”

“(…) Ademais, o prazo prescricional na execução, seja da prescrição da pretensão executória ou da prescrição intercorrente na execução, é o mesmo daquele aplicável à pretensão reparatória ou ressarcitória. Isso, inclusive, é o que estipula a Súmula 150 do STF: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Assim, se a pretensão de reparação ou de indenização pelo dano ambiental é imprescritível, a pretensão executória também há de ser, além de não ser admissível a prescrição intercorrente na execução (…).”

Ao final, o ministro Cristiano Zanin propôs a fixação da seguinte tese para o julgamento do Tema 1.194:

“É imprescritível a pretensão executória e inaplicável a prescrição intercorrente na execução de reparação de dano ambiental ainda que posteriormente convertida em indenização por perdas e danos”.

Razões para otimismo

À vista do exposto, resulta evidente que, ao menos até o presente momento, o STF segue atuando em ritmo progressivo no que diz respeito ao fortalecimento do regime jurídico-constitucional de proteção ambiental, revelando estar ciente e consciente de sua imensa responsabilidade também nesta seara, vinculado que está, assim como se dá com os demais órgãos estatais, ao dever de proteção constitucionalmente imposto no artigo 225, caput, da Constituição, assim como em outros dispositivos do mesmo artigo, em especial — mas não só — os que versam sobre a responsabilização de agentes públicos e privados, por danos causados ao meio ambiente, designadamente, os §§ 2º e 3º.

Além disso, ressalta que também na visão do STF, a responsabilidade civil ambiental consiste em um microssistema especializado e altamente constitucionalizado, que, a exemplo do que já tem de há muito decidido o STJ, não se confunde com a responsabilidade civil tal como regrada no Código Civil, mas sim, sobre ela prevalecendo ou dela aproveitando aquilo que precisamente homenageia a devida eficácia e efetividade do direito fundamental a um meio ambiente sadio e equilibrado, os respectivos deveres de proteção e os princípios internacionais e constitucionais ambientais.

Como última nota a ser aqui lançada, há razões — pelo menos para os que acreditam na bondade da causa ambiental — para otimismo, pelo menos no que toca ao posicionamento, em termos majoritários, do STF nessa seara, o que se infere não apenas da sua práxis decisória das últimas décadas, mas também em função da circunstância de que nos próximos anos a composição da Corte em nada, ou eventualmente em muito pouco, será alterada.

 


[1] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 654.833/AC. Rel. Min. Alexandre de Moraes, 2020.

[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral no Recurso Extraordinário 1.427.694/Santa

Catarina. Rel. Min. Rosa Weber. Data de publicação: 01/09/2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15360808802&ext=.pdf. Acesso em: 16 set. 2023.

[3] Vide: RE 852.475/SP, Tema 897, Red. p/ acórdão min. Edson Fachin, Data de publicação: 25/03/2019.

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