Ambiente Jurídico

Os princípios de Direito Climático no plano internacional

Autor

  • Gabriel Wedy

    é juiz federal professor nos programas de pós-graduação e na Escola de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) pós-doutor doutor e mestre em Direito Ambiental membro do Grupo de Trabalho "Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas" do Conselho Nacional de Justiça visiting scholar pela Columbia Law School (Sabin Center for Climate Change Law) e pela Universität Heidelberg (Institut für deutsches und europäisches Verwaltungsrecht) autor de diversos artigos na área do Direito Ambiental no Brasil e no exterior e dos livros O desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas: um direito fundamental e Litígios Climáticos: de acordo com o Direito Brasileiro Norte-Americano e Alemão e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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28 de setembro de 2024, 10h44

Beck refere que os problemas do meio ambiente somente poderão resolver-se mediante discussões e acordos internacionais, e o caminho que leva a isso são os pactos entre as nações [1]. E, no direito climático internacional, positivado e costumeiro, existe uma plêiade de princípios. Podem ser elencados quatro princípios principais que servem de referência para aplicação e a interpretação do sistema de valores, regras e normas internacionais. São estes: o princípio da precaução, o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e o princípio da equidade ou solidariedade intergeracional [2].

Em 1976, a Convenção de Barcelona, sobre a proteção do nordeste do Oceano Atlântico, previu que “as partes apliquem o princípio da precaução”. No ano de 1979, o princípio foi consagrado a fim de combater a poluição atmosférica na Convenção sobre Poluição Atmosférica de Longa Distância, realizada em Genebra, pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa. Sadeleer refere que “o segundo protocolo dessa convenção reconhece explicitamente o princípio da precaução” [3].

No ano de 1982, o princípio da precaução restou expresso na Comunidade Europeia pela Carta Mundial da Natureza, no sentido de que “as atividades que podem trazer um risco significativo à natureza não deveriam continuar quando os efeitos adversos e potenciais não são completamente compreendidos”. A Convenção de Viena, de 1985, e o Protocolo de Montreal, em 1987, referem que “devem ser adotadas medidas de precaução quando da emissão de poluentes que possam afetar a camada de ozônio”.

Em 1987, a Comissão Brundtland divulgou relatório denominado “Nosso Futuro Comum” e conceituou a base do desenvolvimento sustentável como “[…] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer os estoques ambientais para as futuras gerações”. Posteriormente, pode-se registrar a Declaração Ministerial da Segunda Conferência do Mar do Norte (London Declaration, 1987). No artigo 7º da referida conferência, consta que, de modo a proteger o Mar do Norte de efeitos possivelmente danosos das substâncias mais perigosas, é necessária uma abordagem precautória, “o que pode requerer o controle da entrada de tais substâncias mesmo antes de uma relação causal ter sido estabelecida por evidências científicas absolutamente claras”.

Rio 92, Convenção-Quadro e tratados

O princípio da precaução, tal como é entendido hoje, tem como marco no direito ambiental a Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a chamada Rio 92. O princípio 15 desta conferência ficou estabelecido de maneira a afastar aquela máxima utilizada pelos grandes grupos empresariais de que os fatos e atividades que não forem cabalmente demonstradas como nocivas ao meio ambiente devem ser permitidas.

Está previsto no princípio 15:

“Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”

Como referido por Sadeleer, o princípio da precaução, tal como conceituado na Declaração da Rio 92, foi consagrado como princípio de direito consuetudinário pela Corte Internacional de Justiça no caso Gabcikovo-Nagymaros [4].

Spacca

No ano de 1992, ainda ocorreu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, em Nova York, em que foi acordado, no artigo 3º, que os países signatários deveriam adotar “medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas de mudanças climáticas quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis” e que “a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas”, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível.

O Tratado de Maastricht emendou o artigo 130 r (2) do Tratado da Comunidade Europeia, de modo que a ação da Comunidade, no meio ambiente, fosse “baseada no princípio da precaução”, e o Tratado de Amsterdã, de 1997, posteriormente, emendou o Tratado da Comunidade Europeia para aplicar o princípio à política da Comunidade no meio ambiente. A Comissão Europeia publicou um comunicado sobre o princípio da precaução que resume o enfoque da Comissão a respeito do uso do princípio, estabelece normas de procedimento para sua aplicação e tem como propósito desenvolver a compreensão sobre levantamentos, avaliação e manejo de risco quando não há certeza científica.

No ano de 2004, passou a vigorar a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes em que ficou estabelecido, já em seu artigo 1º, que a ideia de precaução é o fundamento das preocupações de todos os países participantes no intuito de proteger a saúde humana e o meio ambiente dos poluentes orgânicos persistentes. O princípio da precaução vem previsto, também, no artigo 5º da La Charte de L’Environment, redigida na França, no ano de 2005.

Observa-se que, nessas declarações, tratados e convenções, restou bem delimitado que a incerteza científica é motivo para a aplicação do princípio da precaução sempre que a atividade a ser exercida puder gerar riscos de danos à saúde pública e ao meio ambiente. Infere-se, portanto, que o princípio está voltado para a sua aplicação, no plano internacional, na seara do Direito Ambiental e do Direito Climático.

Os relatórios Limites do Crescimento e Nosso Futuro Comum

A importância de se antecipar ao dano, evitando as suas consequências muitas vezes irreversíveis, foi bem percebida pela comunidade internacional e traduzida nos referidos documentos que consagram o princípio da precaução. Neste sentido, de precaver-se contra o risco de dano ao meio ambiente e à saúde pública, em virtude de eventos climáticos extremos, mediante a adoção do princípio da precaução, é que está posicionada firmemente a comunidade internacional.

O princípio da precaução é um dos princípios que regem o Direito Climático no âmbito internacional, podendo ser aplicado pelas Cortes Internacionais, e deve ser observado pelos governos em suas relações internacionais, com o objetivo de atingir as metas previstas no Acordo de Paris e, para além de evitar desastres com causas antrópicas, minorar as suas consequências, estando presente o binômio: incerteza científica e o risco de dano.

Indiscutivelmente, o princípio do desenvolvimento sustentável é um dos princípios norteadores do Direito Climático Internacional e não vem de hoje. A deterioração ambiental foi o principal foco do chamado Clube de Roma, na década de 1970. O grupo, liderado por Dennis Meadows, elaborou um documento de impacto na comunidade internacional chamado Os Limites do Crescimento.

Em síntese, a conclusão do documento foi de que a taxa de crescimento demográfico, os padrões de consumo e a atividade industrial eram incompatíveis com os recursos naturais. A solução para esse impasse seria a estabilização econômica, populacional e ecológica. O texto gerou grande polêmica e foi atacado pelos setores defensores do desenvolvimento econômico tradicional. Todavia, foi defendido por ambientalistas no sentido da busca de um desenvolvimento sustentável e compatível com a proteção do meio ambiente.

O conceito de direito ao desenvolvimento sustentável restou moldado conjuntamente, entretanto, pela Declaração de Estocolmo (1972), pela Estratégia Mundial de Conservação (1980), pela Carta Mundial da Natureza (1982) e, finalmente, pelo Relatório Brundtland [5] (1987), em torno do conceito de sustentabilidade.

A Comissão Brundtland divulgou relatório denominado Nosso Futuro Comum e conceituou a base do desenvolvimento sustentável como sendo “[…] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer os estoques ambientais para as futuras gerações”. Daí se extraem dois elementos éticos que são essenciais para a ideia de desenvolvimento sustentável: preocupação para com as necessidades das gerações atuais (justiça ou equidade intrageracional) e preocupação para com as necessidades das gerações futuras (justiça ou equidade intergeracional).

Responsabilidade comum, mas diferenciada

O Acordo de Paris, ao seu turno, propõe uma “ação urgente” para lidar com as mudanças climáticas, aliás, prevista igualmente pelo Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 13 inserido na Agenda 2030 da ONU. O princípio do desenvolvimento sustentável é um dos vetores do Direito Climático internacional – calcado nos pilares da inclusão social, da tutela ambiental, do desenvolvimento econômico e da boa governança – na medida que está inserido em perspectivas intrageracional e intergeracional. É direcionado para a tutela da vida não apenas das presentes gerações, mas também das futuras que tem a perspectiva de viverem em comunidade, com saúde e qualidade de vida e, especialmente, seguras de eventos climáticos extremos causados por fatores antrópicos.

O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas norteia o Direito Climático Internacional e consiste em atribuir responsabilidades de corte de emissões menos pesadas para as nações que ainda não alcançaram o seu desenvolvimento econômico e, igualmente, consagra a responsabilidades das nações desenvolvidas transferirem tecnologia e recursos para as nações em desenvolvimento realizarem corte de emissões e implantarem medidas de adaptação e de resiliência.  O princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, foi estabelecido pela Rio/92, nos seguintes termos:

“Princípio 7. Os Estados devem em um espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global, e das tecnologias e recursos financeiros que controlam.”

Tal princípio tem a sua fonte na máxima aristotélica de justiça segundo a qual os diferentes devem ser tratados de modo desigual, nos termos das suas desigualdades. Todavia, apresenta o problema, se aplicado na sua versão forte, de postergar exageradamente medidas de tutela ambiental, como ocorreu no protocolo de Kyoto em que os Estados Unidos negaram-se em implementar o acordo sob a alegação de prejuízos econômicos em face da perda de competitividade de sua economia no cenário internacional, uma vez que países como a China não estariam vinculados a estas obrigações. Posner e Weisbach, há época, afirmavam que “as nações ricas estavam atentas às emissões de gases de efeito estufa e expressavam a disposição de reduzi-las”. Em sentido oposto, referiam que “países em desenvolvimento avaliavam a redução das emissões como uma prioridade relativamente baixa” [6].

No Acordo de Paris superou-se em parte o obstáculo imposto pelo princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas uma vez que as nações desenvolvidas e em desenvolvimento passaram a comprometer-se em promover a redução das emissões em igual proporção. Como referido, durante muito tempo, países em desenvolvimento defenderam um maior prazo e uma maior cota para a emissão de gases de efeito estufa a fim de que pudessem atingir níveis de desenvolvimento similares aos países desenvolvidos, responsáveis por um passado de emissões intensas, causadoras de poluição atmosférica.

Todas as nações, ricas e pobres, comprometeram-se com o corte das emissões com iguais objetivos e com o mesmo prazo final (2100). De fato, todos os países devem diminuir as suas emissões, pois elas aumentam as temperaturas globalmente e causam catástrofes e danos ambientais transfronteiriços. De outro lado, é evidente, como reconhecido na COP21, que os países ricos devem contribuir com a grande maioria dos recursos financeiros e tecnológicos necessários para a diminuição das emissões e a adoção de medidas de adaptação e resiliência pelas nações em desenvolvimento.

O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas foi adotado, portanto, em uma versão soft pela COP21. Ao tempo em que refere que os Estados Unidos e União Europeia devem prover com recursos fundos verdes para o financiamento de medidas de resiliência e adaptação a serem adotadas pelos países em desenvolvimento, por outro lado prevê que todas as nações, ricas e pobres, devem buscar alcançar igualmente a redução das emissões e a decorrente diminuição das temperaturas. O documento não torna o compromisso de corte nas emissões obrigatório e verificável, tampouco traça metas percentuais de transição e periódicas de corte nas emissões até que se atinja o aumento de temperatura final almejado no ano de 2100.

Mais recentemente, no ano de 2016, durante a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 22), em Marrocos, foi reconhecido que o clima está aquecendo a uma taxa alarmante e sem precedentes, sendo dever da humanidade responder com urgência. Foram reafirmados os princípios do Acordo de Paris, com suas metas ambiciosas, sua natureza inclusiva e sua reflexão baseada na equidade e responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

Justiça intergeracional

O princípio da equidade intergeracional norteia o direito climático internacional. Os limites de resiliência do planeta, dentro dos quais a humanidade pode se desenvolver e prosperar para as gerações presentes e futuras estão, um a um, sendo ultrapassados. Os limites relacionados à integridade da biosfera, ao fluxo biogeoquímico, à alteração do funcionamento do solo e às mudanças climáticas já foram superados ou estão seriamente ameaçados.

A justiça intergeracional, assim, reconhece que todas as gerações humanas – do passado, presente e futuro – possuem igual posição normativa em relação ao sistema natural, e as gerações presentes têm o dever de proteger o ambiente para os ainda não nascidos [7]. O aquecimento global de causas antrópicas e as suas externalidades negativas colocam em risco não apenas a qualidade de vida dos seres humanos, mas a própria condição de sobrevivência na Terra das gerações vindouras.

Em suma, o princípio da precaução, o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e o princípio da equidade ou solidariedade intergeracional são os mais aceitos pela doutrina do direito climático internacional por possuírem base normativa e aplicação pelas Cortes Internacionais [8].

 


[1]   BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: Hacia una Nueva Modernidad. Barcelona: Surcos, 2006 p. 67.

[2]     Sobre o tema, ver de modo mais aprofundado in: SARLET, Ingo; WEDY, Gabriel; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de direito climático. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023.

[3]   SADELEER, Nicolas de. O estatuto do princípio da precaução no direito internacional. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 53.

[4]   SADELEER, Nicolas de. O estatuto do princípio da precaução no direito internacional. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 47.

[6] POSNER, Eric A.; WEISBACH, David. Climate Change Justice. Princeton: Princeton University Press, 2010. p. 189.

[7] WEISS, Edith Brown. O Direito da Biodiversidade no interesse das gerações presentes e futures. Revista CEJ, Brasília, v. 3, n. 8, maio/ago. 1999. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/194/356>. Acesso em: 21 jun. 2022.

[8] CARLARNE, Cinnamon; GRAY, Kevin; TARASOFSKY, Richard (Ed.) The Oxford Handbook of International Climate Change Law.  New York: Oxford University Press, 2016; BODANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; RAJAMANI, Lavanya. International Climate Change Law. New York: Oxford University Press, 2017; DANISH, Kyle. The international Climate Change. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody; BURGER, Michael (Ed.). Global Climate Change and U.S. Law. Chicago: American Bar Association, 2023. p.39; VERHEYEN, Roda; ZENGERLING, Cathrin. International Climate Change Cases. In: RUPPEL, Oliver; ROSCHMANN, Christian; SCHLITCHTING- RUPPEL, Katharina (Ed.) Climate Change: International Law and Global Governance. Baden-Baden: NomosVerlagsgesellschaft, 2013, v. 1. p. 759-803.

 

 

Autores

  • é juiz federal, professor do PPG em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pós-doutor, doutor e mestre em Direito, visiting scholar pela Columbia Law School e pela Universität Heidelberg, integrante da IUCN World Comission on Environmental Law (WCEL), do European Law Institute (ELI), vice-presidente nacional do Instituto O Direito Por um Planeta Verde (IDPV) e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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