Contrabando legislativo

Flávio Dino restabelece compartilhamento de torres de telecomunicação

 

28 de setembro de 2024, 13h45

A mudança radical promovida no setor de telecomunicações, por meio de “emenda jabuti”, pode ter ocorrido com prejuízo ao processo legislativo e ao princípio democrático, contrariando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Torre de telefonia, torres de telecomunicação

Compartilhamento de torres é incentivado por política nacional, anotou Dino

Com base nesse entendimento, o ministro Flávio Dino, do STF, concedeu liminar ordenando o restabelecimento da norma que obriga empresas de telecomunicação a compartilhar torres transmissoras dentro um raio de 500 metros.

Proposta pela Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel), a ação questiona o inciso II do artigo 12 da Lei 14.173/2021, resultante da conversão em lei da Medida Provisória 1.018/2020, que revogou o regime de compartilhamento de infraestruturas de telecomunicações anteriormente previsto no artigo 10 da Lei 11.934/2009.

Na ação, a entidade alegou que o compartilhamento de torres entre as empresas constitui elemento estrutural da organização dos serviços de telecomunicações no Brasil desde a abertura desse mercado. Por isso, segundo a Abrintel, a revogação do compartilhamento seria prejudicial ao desenvolvimento nacional, à política de desenvolvimento urbano e ao meio ambiente.

Além disso, a revogação seria inconstitucional por resultar de emenda parlamentar inserida em projeto de conversão de medida provisória em lei por meio de um “contrabando legislativo”.

Editada pelo governo federal, a MP 1.018 buscava reduzir a carga de impostos sobre as conexões de satélites para usuários finais de telecomunicações. Para a Abrintel, porém, no momento de conversão da MP, foi incluído um “contrabando legislativo” (o chamado “jabuti”) totalmente desconectado da intenção da medida.

Esse “jabuti”, prosseguiu a entidade, revogou o artigo 10 da Lei 11.934/2009, que obrigava o compartilhamento de infraestrutura de suporte exclusivamente do tipo torres em um raio de 500 metros. A justificativa apresentada para a emenda foi a de que a regra dos 500 metros seria um obstáculo à implantação da tecnologia 5G no Brasil. Por fim, a associação sustentou que tal matéria não pode ser regulamentada por meio de medida provisória.

Grave retrocesso

Ao analisar o pedido, o ministro explicou que, embora seja permitido aos congressistas emendar os projetos de conversão de medida provisória em lei, é vedada a prática de inserir emendas sobre assuntos que não guardem relação de pertinência temática com o texto original.

“A jurisprudência desta corte reputa esse costume incompatível com o princípio democrático e com o devido processo legislativo, na medida em que prejudica a transparência no debate público”, escreveu Flávio Dino. “A edição de medidas provisórias somente se justifica por razões de urgência e relevância.”

Segundo o ministro, originalmente a Medida Provisória 1.018/2020 tratava da desoneração tributária dos serviços de banda larga por satélite no Brasil, para ampliar o acesso à internet, principalmente de moradores de cidades afastadas dos grandes centros urbanos. Já a emenda parlamentar, além de não dispor sobre tributação, modificou “profundamente o modelo de exploração dos serviços de telecomunicações, vigente há muitos anos”.

“Desse modo, considerando que o compartilhamento de infraestruturas traduz assunto de máximo relevo para os sistemas de telecomunicações, entendo plausível que a radical modificação operada no setor das telecomunicações, mediante aparente ‘emenda jabuti’, tenha ocorrido com possível prejuízo ao devido processo legislativo e ao princípio democrático, nos termos da jurisprudência desta Casa”, disse Dino.

Ele acrescentou que a revogação da norma por medida provisória convertida em lei feriu o artigo 21, XI, da Constituição, que dispõe sobre as normas gerais das telecomunicações. Por fim, Dino considerou que a norma suprimiu um regime de compartilhamento incentivado por política nacional, além de acarretar grave retrocesso socioambiental, já que tende a multiplicar as infraestruturas de solo.

Clique aqui para ler a decisão
ADI 7.708

 

 

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