Punição cruel e incomum

Condenado à morte é executado nos EUA apesar da oposição de promotores

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28 de setembro de 2024, 9h50

O estado de Missouri, nos EUA, executou na terça-feira (24/9), com injeções letais, um homem negro que foi condenado à pena de morte em 2001 por homicídio, apesar da oposição de promotores, incluindo o promotor que pediu a condenação, da família da vítima e até mesmo de jurados arrependidos — por presunção de inocência.

Condenado à morte é executado nos EUA apesar da oposição de promotores e da família da vítima

Marcellus Williams, 55, foi acusado de matar a facadas, em 1998, Felicia Gayle, ex-repórter do St. Louis Post-Dispatch. Provas forenses na cena do crime incluíam impressões digitais, rastros de sangue deixados pelos sapatos do assassino, fios de cabelo e DNA em uma “faca de açougueiro”.

O tamanho dos rastros de sangue não correspondia ao do sapato de Williams. O cabelo também não era dele. As impressões digitais foram perdidas, de alguma forma, segundo a polícia. Exames de DNA encontrado na faca, ainda no corpo da vítima, apontaram para dois outros homens. O DNA na faca não era de Williams, o que foi confirmado por outros peritos forenses.

Mais tarde, a polícia declarou que os dois outros homens eram um de seus investigadores e um promotor que pegaram na faca sem usar luvas — e, portanto, contaminaram a prova de DNA, destruindo qualquer valor probatório do exame.

Sem provas

Sem provas contundentes, a polícia sugeriu ao marido da vítima oferecer uma recompensa a quem testemunhasse contra Williams. Ele ofereceu US$ 10 mil dólares, e a primeira testemunha apareceu: um “informante de cadeia”. Ele prometeu testemunhar depois de receber o dinheiro.

Seu testemunho não foi mais do que estava nos jornais e na boca do povo. Mas ele forneceu o nome de uma mulher, Laura Asaro, que teve conexões com Williams no passado. Pelo dinheiro e pela ameaça da polícia de processá-la como cúmplice do crime, ela testemunhou contra Williams.

No julgamento, o júri foi formado por 11 homens brancos e um negro. Recentemente, o promotor que conseguiu a condenação de Williams admitiu que, na seleção dos jurados, ele eliminou peremptoriamente (ou “por recusa imotivada”) seis homens negros que estavam entre os candidatos a jurados, por motivação racial.

O promotor admitiu ainda que a contaminação das provas de DNA obtidas no cabo da faca violou os direitos constitucionais do réu. Diante disso, o então governador de Missouri, Eric Greitens, determinou, em 2017, a suspensão temporária da pena (reprieve), horas antes da execução. E criou uma comissão para investigar o caso e examinar uma possível comutação da pena para prisão perpétua — em vez de pena de morte.

Mas o novo governador do estado, Mike Parson, que assumiu o cargo em 2023, e seu procurador-geral Andrew Bailey extinguiram a comissão, antes de ela divulgar o resultado final de suas investigações. O governador declarou que já era tempo de ir em frente com a execução.

Acordo bloqueado

Separadamente, a Promotoria do Condado de St. Louis propôs uma medida para compensar a contaminação das provas de DNA. Ofereceu a Williams um acordo chamado de “alford plea” para, pelo menos, viabilizar a comutação da pena.

De acordo com o site Legal Information Institutealford plea é um acordo semelhante ao da admissão de culpa, mas que o réu pode manter sua inocência (como Williams sempre fez). Em suma, ele pode optar por fazer um acordo com os promotores para evitar o julgamento — e o risco de pegar uma pena maior.

Nesse tipo de acordo, o réu admite que a promotoria tem um caso suficientemente forte para obter um veredicto de culpado em um julgamento. E, no caso de Williams, a melhor prova da defesa, a do DNA, foi “destruída”.

Porém, o governador Parson e o procurador-geral Bailey, ambos republicanos, bloquearam o acordo. Posteriormente, o governador rejeitou um pedido de clemência de Williams.

Na terça, antes da execução, a Suprema Corte dos EUA também rejeitou um pedido da advogada de Williams, Tricia Bushnell, de suspender a execução, até que o caso fosse reexaminado.

A decisão foi tomada pelos seis ministros conservadores-republicanos da corte, contra os votos das três ministras liberais-democratas, que se declararam a favor do pedido do réu.

Tragédia americana

Para o jornal The Hill, a execução de Marcellus Williams é uma “tragédia”, como outras tantas que tem ocorrido no país, porque “não há um mecanismo para impedir que réus com provas de inocência percam suas liberdades ou mesmo suas vidas nas mãos do governo”.

De acordo com o Death Penalty Information Center, pelo menos 200 pessoas, que passaram anos no corredor da morte, desde 1973, foram libertadas mais tarde, depois de apresentadas novas perícias forenses, como exames de DNA, comprovadas má conduta de investigadores da polícia ou de promotores ou defesa ineficiente, descobertos falsos testemunhos ou avaliados por um júri diferente.

Por um júri diferente se entende, muitas vezes, aquele que não está contaminado por preconceitos raciais e que tem a tendência de condenar mais réus negros do que brancos. De acordo com o National Registry of Exonerations, a probabilidade de condenação de réus negros inocentes é sete vezes maior do que a de réus brancos.

A esperança de acabar com a pena de morte e de interromper a condenação – e execução – de pessoas inocentes é pequena nos EUA, segundo o The Hill. Apesar da Oitava Emenda da Constituição proibir “punição cruel e incomum”, a Suprema Corte decidiu, em 1976 (Gregg v. Georgia), que a pena de morte não se qualifica como “cruel e incomum” e, portanto, é constitucional.

Dos 50 estados dos EUA, 21 (todos republicanos) têm pena de morte, 6 têm penas de morte que foram formalmente suspensas e 23 não têm pena de morte. O Texas lidera em número de execuções: 590 (desde 1976).

Para 2024, 48 execuções foram programadas em 11 estados, 16 das quais já foram cumpridas, segundo o Death Penalty Information Center. Com informações do The Washington Post, The Hill, People, Al Jazeera, Democracy Now e Legal Information Institute.

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