Licitações e Contratos

Licitação e aplicação de sanções: entre a prerrogativa e a obrigatoriedade

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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27 de setembro de 2024, 11h17

A aplicação de sanções pela Administração Pública ao licitante ou contratado encontra-se prevista em exaustivo rol constante nos incisos do artigo 155, da Lei nº 14.133/2021. Todas elas, a depender da gravidade e de outros fatores, tendem a gerar alguma das penalizações que se encontram previstas no subsequente artigo 156, sem qualquer contundente novidade em relação à legislação anterior.

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Logo, a advertência, a multa, o impedimento de licitar e contratar, como também a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar serão aplicadas seguindo os parâmetros previstos no § 1º do artigo 156. Neste ponto — cumpre antecipar-se — paira uma dose mínima de discricionariedade por parte da Administração Pública.

De tal modo, a interpretação inicial sempre segue no sentido de que a aplicação de sanções não é prerrogativa da Administração, mas dever, razão pela qual a redação do inciso IV do artigo 104 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos pode induzir a pueril erro, porquanto contempla como conveniência a aplicação de penalidades.

Tipificado o fato, em uma ou mais das previsões contidas no artigo 155, é dever da Administração proceder, independentemente do resultado, à abertura do processo sancionatório. Significa dizer que a abertura do processo não é prerrogativa, tanto quanto haja, por parte do gestor, uma clara convicção de que alguma falta foi cometida pelo licitante ou contratado.

A margem de discricionariedade para a Administração — a suposta prerrogativa — tem início no exato instante do estabelecimento da sanção a ser aplicada, tanto quanto haja a avaliação da conduta e sua gravidade. Consequentemente, a específica sanção dependerá, concomitantemente, da formação do juízo valorativo por parte de quem apena e da linha de defesa utilizada pelo licitante ou contratado a quem é destinada a sanção.

Isso porque, mesmo que haja indicação de uma pena mais gravosa quando da abertura do processo sancionatório, a tipificação singularizada do fato ilícito não necessariamente inibe uma ponderação posterior por parte do agente administrativo que aplica a sanção. Mais uma vez, trata-se de prerrogativa.

Avaliação dos fatos

Assim sendo, a prerrogativa tem lugar na avaliação dos fatos, levando em consideração i) a natureza e a gravidade da infração cometida; ii) as peculiaridades do caso concreto; iii) as circunstâncias agravantes ou atenuantes; iv) os danos que provierem para a Administração Pública e a v) a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.

Ponderando todos esses aspectos previstos no § 1º do artigo 156, ainda assim a liberdade de quem aplica a penalidade é mitigada e circunscrita a um mínimo de coesão entre os elementos, bem assim a decisões anteriores, que integram um costume administrativo de validade a ser respeitada.

Por consequência, se naturalmente semelhantes duas condutas típicas, não pode a Administração Pública que penaliza exercer atribuições distintivas, sob pena de fustigar o princípio da isonomia e, mais que isso, protagonizar insegurança jurídica, espalhando, aos privados — que com o Poder Público firmam relações jurídicas contratuais — receio quanto à desconhecida penalidade que poderá ser aplicada.

Sob todos os ângulos, a prerrogativa a que se refere o artigo 104 não guarda qualquer relação com liberdade ou faculdade, mas, necessariamente, com atribuição, típico exercício de uma competência administrativa singularmente vinculada ao cumprimento de uma obrigação legal.

Por outro lado — segundo já mencionado —, não significa dizer que a Administração deva, necessariamente, aplicar uma particular penalidade, se convencida de que, embora existente, o fato – se analisado isoladamente — não tem o potencial de incutir no licitante ou contratado qualquer marca pejorativa.

Falhas procedimentais, retraídas por um mínimo sinal que aponte dolo ou culpa, podem ser repensadas no curso do processo, privilegiando o exercício do contraditório, da ampla defesa e do processo legal devido.

Deflagrar o processo quase sempre não é uma prerrogativa. Porém, avaliar a aplicação da pontual penalidade flerta com a discricionariedade do gestor, exercente da função administrativa, que, conhecendo a realidade dos fatos e o cenário que pode emanar da sanção aplicada, delibera — nos limites do exercício da discricionariedade — a melhor tomada de decisão, motivando as consequências práticas e os efeitos de quaisquer dos atos.

Definitivamente, a motivação da imposição de penalidade ou a não aplicação de qualquer sanção é o marco divisor entre a prerrogativa e a obrigatoriedade, cujas costuras — com justificativas razoáveis e plausíveis — têm a potencialidade de amainar a incisão do controle externo.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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