Prática Trabalhista

O que é assédio eleitoral e quais os impactos nas relações de trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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26 de setembro de 2024, 11h26

No último dia 20, a Justiça do Trabalho lançou oficialmente uma pioneira ferramenta que identifica casos que envolvam a discussão em torno do assédio eleitoral [1]. Este novo recurso possibilitará o mapeamento no Judiciário Laboral para constatar quais são os Estados onde tal prática ilegal se manifesta com mais recorrência, bem como averiguar a própria quantidade de ações judiciais que foram ajuizadas sobre o tema.

Além disso, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) divulgou também uma campanha de combate ao assédio eleitoral no meio ambiente laboral, que será promovida por todos os Tribunais do Trabalho em todo o país [2].

Por certo, considerando a proximidade das eleições municipais, assim como as diversas polêmicas que o assunto cria no ambiente corporativo, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [3], razão pela qual agradecemos o contato.

Configuração do assédio eleitoral

Segundo a redação do artigo 2º da Resolução CSJT n.º 355, de 28 de abril de 2023 [4], “considera-se assédio eleitoral toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão”. Aliás, o parágrafo único da referida normativa dispõe que “configura, igualmente, assédio eleitoral a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho”.

E para este mês de setembro, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o MPT (Ministério Público do Trabalho) renovaram o acordo de cooperação técnica entre as instituições para combater o assédio eleitoral no trabalho em razão da chegada das eleições de 2024 [5]. A propósito, foi recentemente publicada uma cartilha para melhor compreensão do assunto [6].

Spacca

A título de exemplo, situações em que o empregador promete certa benesse no trabalho em razão do resultado das eleições; ou, então, fomenta eventuais ameaças de demissão caso um determinado candidato não seja eleito; ou, ainda, exige a presença de trabalhadores para participarem de campanhas políticas a pretexto de beneficiar a empresa, tudo, enfim, são apenas algumas situações práticas que podem configurar assédio eleitoral.

Dados estatísticos

Segundo o Ministério Público do Trabalho de Alagoas, até o dia 19 de setembro de 2024 foram registradas 12 denúncias de assédio eleitoral naquela federação [7]. Contudo, os dados nacionais do Ministério Público indicam juntos a existência de mais de 300 denúncias em todo o país, de modo que o número já supera em quatro vezes o total do ano de 2022 [8].

Frise-se que as denúncias sobre o assédio eleitoral foram constatadas no âmbito de empresas privadas e também de repartições públicas, como prefeituras e secretarias. Aliás, há relatos de assédio em igrejas [9].

Spacca

A título de nota, uma certa empresa de Santa Catarina foi denunciada por assédio moral eleitoral, após a divulgação de mensagens enviadas aos empregados solicitando votos a um determinado partido, assim como para que fossem distribuídos adesivos pelos trabalhadores [10]. Este, a propósito, foi o primeiro caso no Estado em que foi firmado um termo de ajuste de conduta.

Legislação

Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado, o Código Eleitoral define nos seus artigos 299 [11] e 301 [12] a prática de assédio eleitoral como crime, podendo, inclusive, resultar em pena de reclusão de até quatro anos. Lado outro, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 [13], estabelece as normas para as eleições, de modo que a referida legislação define o que é autorizado ou não em se tratando de propaganda eleitoral.

Conceito de assédio eleitoral à luz do TST

O Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de sorte que para além de manter a condenação de uma empresa por assédio eleitoral, ainda teceu alguns esclarecimentos sobre o conceito de assédio eleitoral [14]. Em seu voto, o ministro relator, ponderou:

“O assédio eleitoral nas relações de trabalho representa a tentativa de captura do voto do trabalhador pelo empregador, que busca impor-lhe suas preferências e convicções políticas, mediante a utilização de mecanismos da estrutura empresarial no condicionamento. Trata-se de espécie do gênero ‘assédio moral’, e por assim o ser, a ele não se reduz. Configura-se quando ‘um empregador oferece vantagens ou faz ameaças para, direta ou indiretamente, coagir um empregado a votar ou não em um determinado candidato’. Representa violência moral e psíquica à integridade do sujeito trabalhador e ao livre exercício de sua cidadania. Pode ser intencional ou não, bem como pode ter ocorrido a partir de única ou reiterada conduta. Pode ser intencional ou não, bem como pode ter ocorrido a partir de única ou reiterada conduta. Isto é, os danos são de natureza psicológica, física ou econômica, os quais serão medidos a partir dos efeitos causados na vítima (Convenção nº 190 da OIT11). Essa modalidade de assédio, que abarca constrangimentos eleitorais de qualquer natureza, pode ser praticada antes, durante ou após as eleições, desde que esteja relacionado a quaisquer circunstâncias do pleito eleitoral. Incluem-se na ideia de “constrangimentos eleitorais” todos os atos de pressão, discriminatórios, coativos e outros análogos realizados de forma direta ou indireta no mundo do trabalho, em interpretação combinada do artigo 297 do Código Eleitoral c/c Convenções 111, 155, 187 e 190 da OIT.”

Consequências

À vista disso, impende destacar que uma vez constatada a prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho, além das sanções administrativas como a imposição de multa, o trabalhador poderá buscar a rescisão indireta do seu contrato de trabalho e o pagamento de uma indenização por danos morais. Além disso, considerando que tal conduta é considerada uma infração penal, o empregador poderá ainda ser responsabilizado, criminalmente.

Prevenção

Não há dúvidas de que a adoção de medidas preventivas, assim como a promoção de campanhas educativas e a criação de políticas internas, são os melhores caminhos para a solução da problemática, razão pela qual a empresa poderá igualmente estabelecer um canal de denúncia eficaz para que os trabalhadores possam relatar este tipo de assédio.

Por isso ser fundamental que exista uma efetiva mudança da gestão, sobretudo com a real adoção de investimento em treinamentos e boas práticas comportamentais nas lideranças das empresas.

Conclusão

Em arremate, por certo que as denúncias podem ser feitas junto ao Poder Judiciário, ao MPT, aos TRE e ao TSE. E a partir do momento em que o empregador tenha indiscutível ciência de tal fato, é crucial que a questão seja realmente investigada, a fim de garantir um meio ambiente do trabalho sem assédio, cujas autoridades deverão, se for caso, aplicar as medidas disciplinares cabíveis aos infratores, de acordo com a legislação vigente.

 


[1] Disponível em https://tst.jus.br/en/-/justi%C3%A7a-do-trabalho-lan%C3%A7a-rob%C3%B4-que-identifica-casos-de-ass%C3%A9dio-eleitoral-em-a%C3%A7%C3%B5es-trabalhistas. Acesso em 23.09.2024.

[2] Disponível em https://tst.jus.br/en/-/justi%C3%A7a-do-trabalho-lan%C3%A7a-campanha-de-combate-ao-ass%C3%A9dio-eleitoral-no-trabalho. Acesso em 23.09.2024.

[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[4] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/215819/2023_res0355_csjt_rep01.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em 23.09.2024.

[5] Disponível em https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Setembro/como-denunciar-o-assedio-eleitoral-praticado-no-ambiente-de-trabalho. Acesso em 23.09.2024.

[6] Disponível em https://mpt.mp.br/pgt/noticias/cartilhassedioeleitoral-2.pdf  .Acesso em 23.09.2024.

[7] Disponível em https://www.cadaminuto.com.br/noticia/2024/09/21/al-tem-12-denuncias-de-assedio-eleitoral-pode-ocorrer-no-trabalho-durante-a-prestacao-de-servicos-descanso-e-alojamentos-alerta-procurador-do-mpt. Acesso em 23.09.2024.

[8] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-09/mpt-ja-registra-mais-de-300-denuncias-de-assedio-eleitoral. Acesso em 23.09.2024.

[9] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/luisa-martins/eleicoes/denuncias-de-assedio-eleitoral-atingem-empresas-prefeituras-e-igrejas/. Acesso em 23.09.2024.

[10] Disponível em https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2024/09/18/assedio-eleitoral-empresa-denunciada-tac-mpt-santa-catarina.ghtml . Acesso em 23.09.2024.

[11] Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

[12] Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

[13] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em 23.09.2024.

[14] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=0000195&digitoTst=85&anoTst=2020&orgaoTst=5&tribunalTst=12&varaTst=0046&submit=Consultar. Acesso em 23.09.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

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