Seguros Contemporâneos

O acesso à justiça recursal trabalhista e o seguro garantia

Autor

  • Flávia Amaral Sette

    é professora universitária advogada revisora com experiência em contencioso e consultivo trabalhista graduada em Direito pelo Mackenzie especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Ibmec pesquisadora bolsista integral pela Capes de 2017 até 2019 mestre em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Uerj premiada no III e IV Concurso Estadual de Redação da OAB-RJ. (2022 e 2023) no 9º e 2º lugar respectivamente pós-graduanda em Direito Digital pela Uerj autora de livros e de artigos acadêmicos em Direito e oratória debatedora do programa Explicando o direito da rádio 967 fm da Rede Plus FM e podcaster no Falando direito o Direito (Spotify).

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26 de setembro de 2024, 8h00

O acesso à justiça trabalhista em seu viés recursal está ligado à possibilidade de que as partes possam recorrer das decisões judiciais que lhe foram prejudiciais.

Na Justiça do Trabalho, o devedor é obrigado, em caso de condenação pecuniária, a garantir o juízo. Isso significa que deve depositar o valor de cada depósito recursal até atingir o limite correspondente ao valor total da condenação estabelecida pela decisão judicial. Conforme esclarece a jurisprudência em destaque:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL. DEPÓSITO RECURSAL PELA METADE. O depósito recursal tem como limite o valor da condenação. No caso da condenação ser superior ao valor do teto legal fixado pelo TST (Ato SEGJUD.GP Nº 430, de 12 de julho de 2022), a parte deverá depositar o valor correspondente ao referido teto, sendo que o depósito recursal é obrigatório a cada novo recurso oposto. (…)” (TRT-11, 00005438220225110007, relator: LAIRTO JOSE VELOSO, 2ª Turma). (Grifo do colunista)

Geralmente, efetuar a garantia do juízo é encargo da parte que não teve o pedido de gratuidade de justiça deferido — que, na maioria dos casos, é uma incumbência do empregador ou réu.

Seguro garantia

Com o CPC de 2015, o artigo 835, §2°, passou a permitir a substituição da penhora, equiparando o seguro garantia judicial ao dinheiro, desde que o valor não seja inferior ao do débito (valor da condenação) acrescido de 30%. De forma semelhante, a CLT também passou a prever expressamente essa possibilidade em seu artigo 882, que estabelece:

“O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da quantia correspondente, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou apresentação de seguro-garantia judicial.”

A previsão da substituição da penhora em dinheiro ou bens pelo seguro garantia judicial representou um avanço significativo na seara trabalhista, uma vez que essa área tem uma forte preocupação com o pagamento das verbas salariais e remuneratórias decorrentes de condenações judiciais, em sua maioria envolvendo empregadores como devedores.

No processo do trabalho, o salário é considerado uma verba de natureza alimentar, e o princípio da proteção ao trabalhador é amplamente aplicado.

A circular da Susep 662 de 2022, que dispõe sobre o seguro garantia, enuncia:

“Art. 3º O Seguro Garantia destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas.
Parágrafo único. Pelo contrato de Seguro Garantia, a seguradora obriga-se ao pagamento da indenização, nos termos do art. 21, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida, (…).
Art. 7º O prazo de vigência da apólice deverá ser igual ao prazo de vigência da obrigação garantida. (…) Art. 27. Deverão constar em cada modalidade as cláusulas e definições específicas, (…) III – vigência da apólice (…).”

Confiabilidade

A utilização do seguro garantia no processo judicial com o intuito de garantir o juízo é algo que atrai lisura e confiabilidade ao processo, ao credor e à Justiça, já que a utilização desse tipo de seguro pelo devedor já demonstra por si só a sua própria idoneidade e ao mesmo tempo uma boa-fé quanto ao pagamento da dívida.

Sua utilização é vantajosa ao processo como um todo, mas principalmente para garantir os interesses do credor, vez que há muito rigor e controle da seguradora sobre o segurado e a garantia de que não haverá riscos de inadimplemento por parte dele, vez que a seguradora faz um processo minucioso de análise das condições para emitir uma apólice em favor do segurado. Havendo relevante possibilidade de ocorrência do sinistro, o seguro garantia não é nem sequer firmado pela seguradora. Sobre a temática, contribui Ilan Goldberg:

A seguradora, ao examinar os dados financeiros e econômicos do tomador, deverá ser extremamente cautelosa, empregando os seus melhores esforços a fim de que possa ter plena assertividade quanto à não ocorrência de mora/inadimplemento, isto é, expectativa de sinistro ou sinistros, propriamente ditos [1].

Obrigações e penalidades

Atualmente, os procedimentos para a utilização do seguro garantia no processo do trabalho estão estipulados no Ato Conjunto do TST nº 1 de 2019, que cria as seguintes obrigações e penalidades para o devedor que deseje utilizá-lo para garantir o juízo.

“Art. 3º A aceitação do seguro garantia judicial (…) fica condicionada à observância dos seguintes requisitos, que deverão estar expressos nas cláusulas da respectiva apólice: (…); II – no seguro garantia para substituição de depósito recursal, o valor segurado inicial deverá ser igual ao montante da condenação, acrescido de, no mínimo 30%, (…);Art. 5º Por ocasião do oferecimento da garantia, o tomador deverá apresentar a seguinte documentação: I – apólice do seguro garantia; II – comprovação de registro da apólice na SUSEP; III – certidão de regularidade da sociedade seguradora perante a SUSEP. §1º A idoneidade a que alude o caput do art. 3º será presumida mediante a apresentação da certidão da SUSEP referida (…). Ao receber a apólice, deverá o juízo conferir a sua validade mediante cotejo com o registro constante do sítio eletrônico da SUSEP (…) § 3º Considerar-se-á garantido o juízo somente quando o valor da apólice satisfizer os requisitos previstos no art. 3º, incs. I e II, deste Ato Conjunto, conforme o caso.

Art. 6º A apresentação de apólice sem a observância do disposto nos arts. 3º, 4º e 5º implicará: II – no caso de seguro garantia judicial para substituição a depósito recursal, o não processamento ou não conhecimento do recurso, por deserção.

Visão dos especialistas

Sobre a plausibilidade da utilização do referido seguro garantia no processo trabalhista, mencionam Thais Dias David e Thiago Junqueira:

“Portanto, depreende-se que, na legislação trabalhista em vigor, não há qualquer impedimento para a aceitação do seguro garantia judicial para fins de caucionar a execução ou o depósito recursal do processo, na hipótese de terem sido os requisitos do ato devidamente cumpridos. (…) O seguro cuja apólice possua prazo de duração determinado é garantia que cabe ser aceita pelo Juízo; entretanto, faz-se necessário observar tal prazo, pois, antes da data de vencimento, impõe-se renovar ou substituir a garantia” [2].

Os referidos autores destacam a importância do seguro garantia para a transparência dos processos. Esse contrato não apenas oferece segurança ao credor, geralmente o trabalhador, ao assegurar o juízo, mas também impulsiona a economia e contribui para o bom funcionamento das atividades empresariais. Ele evita o congelamento de ativos e facilita o cumprimento das obrigações empresariais, trabalhistas e tributárias [3].

Jurisprudência e perspectivas

O seguro garantia tem enfrentado desafios, mas também tem avançado quanto a sua aplicação na Justiça do Trabalho, no que tange ao depósito recursal. Anteriormente, ele não era amplamente aceito quando possuía um prazo de validade pré-fixado, pois a jurisprudência considerava isso um limitador, dado que os processos judiciais não têm um prazo de validade definido. Essa situação gerava um risco para o reclamante de não receber os valores devidos após o término da validade da apólice.

A jurisprudência tem evoluído para considerar mais viável a existência de um prazo de até 3 anos para garantir as obrigações estabelecidas na apólice [4]. No entanto, atualmente, essa mesma jurisprudência está se encaminhando para a determinação de que o prazo seja indeterminado ou renovável automaticamente [5]. Conforme demonstra-se a seguir:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO. GARANTIA DO JUÍZO. SEGURO GARANTIA JUDICIAL COM PRAZO DE VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. (…) Destaca-se que a garantia do Juízo deve ser concreta e efetiva, sendo, assim, incompatível com a fixação de prazo de vigência da apólice do seguro garantia judicial. Com efeito, na hipótese dos autos, da forma como firmada, a garantia se extinguirá em 20/6/2023. Caso a execução se prolongue para além” (TRT18, ROPS – 0010502-52.2019.5.18.0051, Rel. GERALDO RODRIGUES DO NASCIMENTO, TRIBUNAL PLENO, 15/07/2019). (Grifo Nosso).

As perspectivas de utilização do seguro garantia na Justiça do Trabalho são extremamente promissoras, dado o dinamismo que ele confere ao processo, beneficiando empresários, empregadores, empregados e o próprio sistema de justiça. No entanto, os obstáculos à sua plena e eficaz aplicação deverão ser gradualmente superados à medida que a jurisprudência evolua e compreenda melhor sua importância.

Nesse contexto, é fundamental monitorar as implicações do uso do seguro garantia pelos réus em processos judiciais, especialmente após a recente decisão da Superintendência de Seguros Privados (Susep) de descontinuar o fornecimento das certidões de regularidade, conforme a Circular 691 de 2023.

De acordo com a nova regulamentação, as certidões de regularidade devem ser substituídas por duas novas certidões: a de Licenciamentos e a de Apontamentos. É recomendável que as empresas anexem essas certidões, pois elas são consideradas documentos obrigatórios para garantir o juízo recursal nos casos em que se utiliza o seguro garantia, segundo o Ato Conjunto nº 1 do TST (Susep, 2024).

A modificação realizada pela Susep pode gerar impactos negativos no acesso à Justiça recursal, uma vez que a Certidão de Regularidade, que não será mais emitida pelo órgão, foi substituída pela Certidão de Apontamentos e de Licenciamentos. Além disso, o Ato Conjunto nº 1 do TST, que regulamenta a utilização do seguro garantia na Justiça do Trabalho, prevê a Certidão de Regularidade como um documento obrigatório a ser apresentado pelos réus que utilizam o seguro garantia para garantir o juízo.

Atualmente, a jurisprudência dos TRTs e do TST tem sido rigorosa na aplicação do referido Ato Conjunto nº 1 do TST, proferindo decisões de deserção recursal em relação aos recursos que não apresentam as Certidões de Regularidade.

Na maioria dos casos, não é concedido nem mesmo prazo para a regularização do depósito recursal, sob o fundamento de que é dever da parte cumprir todos os requisitos do citado ato no momento do prazo recursal.

Como exemplo, pode-se citar a 6ª e a 8ª Turma do TST, que adotam uma jurisprudência defensiva quanto à utilização do seguro garantia, determinando que deve ser considerado deserto o recurso que não cumpriu os requisitos estabelecidos no Ato Conjunto nº 1 do TST, especificamente a juntada da Certidão de Regularidade.

Em contrapartida, a 5ª e a 7ª Turmas defendem a possibilidade de concessão de prazo para que a parte regularize o depósito recursal do seguro garantia, conforme revela a jurisprudência a seguir:

“AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMADA. DESERÇÃO DO RECURSO DE REVISTA. APÓLICE DE SEGURO GARANTIA APRESENTADA APÓS A VIGÊNCIA DO ATO CONJUNTO TST.CSJT.CGJT Nº 1, DE 16/10/2019. AUSÊNCIA DE JUNTADA DA CERTIDÃO DE REGULARIDADE DA SEGURADORA NA SUSEP. 1 – (..). 3 – No caso dos autos, o recurso de revista foi interposto na vigência do Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1, de 16/10/2019, em 11/08/2020, porém a apólice de seguro garantia judicial foi juntada aos autos desacompanhada da certidão de regularidade da seguradora perante a Susep. 4 – Consoante destacado na decisão monocrática, à ausência de juntada da certidão de regularidade da seguradora não se aplica o disposto no art. 12 do Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1, de 16/10/2019, não sendo devida a concessão de prazo para regularização, pois o depósito recursal deve ser feito e comprovado no prazo alusivo ao recurso a que se refere (Súmula nº 245 do TST). 5 – Agravo a que se nega provimento.” (TST – Ag-RR: 00105930720185150102, Relator: Katia Magalhaes Arruda, Data de Julgamento: 29/03/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 31/03/2023).

Diante disso, é necessário que a jurisprudência busque relativizar a aplicação rigorosa do Ato Conjunto nº 1 do TST, de 2019, que exige a apresentação dessas certidões pelos réus, ou até mesmo que esse ato seja reeditado.

Isso evitaria que o acesso à justiça recursal nos tribunais e no TST seja obstaculizado, prevenindo violações aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição e do acesso à justiça trabalhista. Além disso, é crucial que a jurisprudência dos TRTs e do TST seja mais uniforme, proporcionando maior segurança jurídica aos jurisdicionados. É igualmente importante garantir a aplicação do princípio processual trabalhista da execução menos onerosa ao credor.

É possível afirmar que o acesso material à Justiça do Trabalho, no que diz respeito à utilização do seguro garantia judicial, tem avançado continuamente, demonstrando tanto a superação de desafios quanto o surgimento de novos obstáculos ao longo do tempo.

No entanto, em relação à obrigatoriedade da apresentação das certidões de regularidade para a plena eficácia do uso do seguro garantia, a jurisprudência deve adotar uma postura pautada pelo bom senso. Isso é fundamental para assegurar o acesso à justiça, especialmente no âmbito recursal.

*esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.

 


[1] GOLDBERG, Ilan. Reflexões a respeito do seguro garantia e da nova lei de licitações. In: Revista IBERC, v.5, n 2, p 61-88, maio/ agosto de 2022. Disponível em:< https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/220>. Acesso em 24.08.2024.

[2] DAVID, Thais Dias; JUNQUEIRA, Thiago. Seguro garantia judicial: uma ferramenta econômica oportuna em tempos de covid-19 – Parte 1: Disponível em< https://www.migalhas.com.br/depeso/328355/seguro-garantia-judicial–uma-ferramenta-economica-oportuna-em-tempos-de-covid-19—parte-1>. Acesso em 24.08.2024.

[3] Ibid.

[4] Sobre a desburocratização do processo de emissão da apólice e o afastamento da deserção pelo Tribunal Superior do Trabalho. Cf: AGUIAR, Adriana. Turmas do TST simplificam a burocracia para aceitar seguro garantia. Disponível em:< https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/turmas-do-tst-simplificam-burocracia-para-aceitar-seguro-garantia>. Acesso em 19.09.2024.

[5] ‘‘A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por unanimidade, que, para fins de comprovação de registro na (…) (Susep), a indicação do número de registro e dos demais dados constantes do cabeçalho da apólice é suficiente, pois o correto fornecimento desses dados já permite ao Julgador conferir a validade do registro (TST-AIRR-21568-90.2015.5.04.0202, DEJT de 25/04/2022)’’. Disponível em: https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/noticias/detalhe/trabalhista/-geral/tst-compete-ao-julgador-consultar-validade-de-apolice-de-seguro-garantia-judicial/. Acesso em:31.08.2024.

Autores

  • é professora universitária, advogada revisora, com experiência em contencioso e consultivo trabalhista, graduada em Direito pelo Mackenzie, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Ibmec, pesquisadora bolsista integral pela Capes de 2017 até 2019, mestre em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Uerj, premiada no III e IV Concurso Estadual de Redação da OAB-RJ. (2022 e 2023), no 9º e 2º lugar, respectivamente, pós-graduanda em Direito Digital pela Uerj, autora de livros e de artigos acadêmicos em Direito e oratória, debatedora do programa Explicando o direito, da rádio 96,7 fm da Rede Plus FM e podcaster no Falando direito o Direito (Spotify).

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