DECISÃO DO POVO

Anular absolvição por quesito genérico viola soberania do júri, diz Gilmar

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26 de setembro de 2024, 18h48

Anular absolvições por quesito genérico viola a soberania dos vereditos, ainda que a decisão do tribunal do júri supostamente contrarie as provas dos autos, salvo quando constatado que os jurados se basearam na tese da legítima defesa da honra.

Ministros do STF discutem limite da soberania do Júri em absolvições por quesito genérico em contrariedade à prova dos autos

O entendimento é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em julgamento que decide se a segunda instância do Judiciário pode determinar novo júri em caso de absolvição assentada em quesito genérico, em contrariedade às provas dos autos.

A discussão sobre a possibilidade de anulação está empatada em 2 a 2. A análise será retomada na próxima quarta-feira (2/10).

O julgamento, de repercussão geral (Tema 1.087), envolve caso em que o conselho de sentença reconheceu a materialidade e a autoria envolvendo tentativa de homicídio, mas decidiu pela absolvição por clemência porque a vítima teria sido responsável por matar o enteado do acusado.

A apelação do Ministério Público foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A corte entendeu que o princípio da soberania do júri impede a cassação da decisão.

De acordo com o TJ-MG, o sistema de íntima convicção, adotado nos julgamentos feitos pelo júri popular, admite a absolvição por quesitos genéricos, tais como clemência, piedade ou compaixão.

O MP-MG entrou com recurso no STF sustentando que a absolvição por clemência não é permitida no ordenamento jurídico e que ela significa a autorização para o restabelecimento da vingança e da justiça com as próprias mãos.

A análise do caso começou no Plenário Virtual em 2020, mas recomeçou presencialmente após pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes.

Voto do relator

Gilmar manteve nesta quinta-feira (26/9) o voto apresentado no Plenário Virtual. Segundo ele, a Constituição prevê a soberania dos vereditos, ao passo que o Código de Processo Penal possibilita a absolvição por qualquer motivo a partir do quesito genérico.

Ele foi acompanhado por Celso de Mello, hoje aposentado, quando o caso era julgado virtualmente. Os votos de ministros aposentados são mantidos mesmo depois de pedidos de destaque. Assim, Nunes Marques não vota e seguirá valendo o posicionamento de Celso de Mello seguindo Gilmar.

“Cumpre ressaltar que não há aqui qualquer favorecimento à impunidade de crimes graves. Na verdade, por um lado, trata-se de opção constitucional pela soberania dos veredictos. Por outro, de opção do legislador infraconstitucional pela estruturação no CPP de um sistema de julgamento por jurados sem qualquer necessidade de motivação da decisão tomada pelos leigos”, disse o ministro.

Ele discordou do argumento da Procuradoria-Geral da República de que é preciso respeitar o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso para a acusação, nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos. Segundo ele, a convenção prevê os direitos como sendo de titularidade da defesa, e não do órgão acusatório contra decisão absolutória.

“O direito ao recurso, nos termos convencionais, é de titularidade da defesa. Utilizar esse argumento para consolidar direito contra o réu caracteriza o que costuma se denominar de ‘efeito bumerangue’ de direito fundamental: casos em que os tribunais utilizam garantias do imputado para proferir uma sentença que lhe coloca em uma situação processual pior do que a anterior”, disse.

Gilmar, no entanto, afirmou que ficam ressalvados os casos em que for constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, considerada inconstitucional pelo Supremo em agosto de 2023.

O ministro propôs a seguinte tese:

“Viola a soberania dos veredictos a determinação, por tribunal de 2º grau, de novo júri, em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos (artigo 593, III, d, CPP), de modo que, nessa hipótese, não é cabível apelação acusatória com base em tal fundamento. Ficam ressalvadas as hipóteses de absolvição em casos de feminicídio, quando, de algum modo, seja constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra (ADPF 779)”.

Divergência

O ministro Edson Fachin abriu divergência quando o caso era analisado no Plenário Virtual. O posicionamento também foi mantido. Fachin foi acompanhado por Alexandre de Moraes no sentido de que a anulação de decisões absolutórias não fere a soberania dos vereditos quando a decisão for tomada em contrariedade às provas dos autos.

Para Fachin, pode haver controle judicial mínimo sobre as decisões do júri. Segundo o ministro, embora o júri possa absolver com base em clemência, a decisão não pode contrariar princípios constitucionais que são insuscetíveis de graça, anistia ou perdão, como os crimes hediondos.

“Não se podendo identificar a causa de exculpação ou então não havendo qualquer indício probatório que justifique plausivelmente uma das possibilidades de absolvição, ou ainda sendo aplicada a clemência a um caso insuscetível de graça ou anistia, pode o Tribunal ad quem, provendo o recurso da acusação, determinar a realização de novo júri”, disse Fachin.

Ainda segundo o ministro, se os crimes hediondos são insuscetíveis de graça ou anistia, conforme a Constituição, os tribunais de segunda instância podem, sim, examinar se a decisão absolutória é compatível com o ordenamento constitucional.

“Como se observa da leitura dos fundamentos acolhidos, o recurso de apelação foi denegado, ante o reconhecimento da possibilidade de se conceder clemência ao acusado. Ocorre, no entanto, que a clemência que se reconheceu como sendo a causa de absolvição do júri recaiu sobre crime hediondo”, prosseguiu o ministro.

Ele propôs a seguinte tese:

“É compatível com a garantia da soberania dos vereditos do tribunal do júri a decisão do Tribunal de Justiça que anula a absolvição fundada em quesito genérico, desde que inexistam provas que corroborem a tese da defesa ou desde que seja concedida clemência a casos que, por ordem constitucional, são insuscetíveis de graça ou anistia.”

Apesar de ter votado em sentido semelhante ao de Fachin, Alexandre propôs uma tese diferente:

“É cabível recurso de apelação, nas hipóteses em que decisão do tribunal do júri, amparada em quesito genéricos, revelar-se manifestamente contraria à prova dos autos”.

ARE 1.225.185

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