Opinião

A banalidade da loucura

Autor

26 de setembro de 2024, 15h18

Hannah Arendt, filósofa política, cunhou o termo “banalidade do mal” em sua obra “Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal”. A alemã argumenta que o mal pode ser praticado por indivíduos banais, sem uma natureza intrinsecamente perversa, apenas pela incapacidade de pensar e questionar as consequências de suas ações.

Pedro Dias/Pixabay

O conceito é relevante em vários contextos além do nazismo, podendo ser aplicado a outras situações em que pessoas ou instituições perpetuam injustiças sem questionar as normas vigentes ou o sistema em que estão inseridas.

Em síntese, como resultado da massificação da sociedade, se criou uma multidão incapaz de fazer julgamentos, razão por que aceitam e cumprem ordens sem questionar.

O que estamos presenciando nas últimas eleições no Brasil eleva e transforma esse conceito, aprofundando a ideia de “banalidade do mal” e a transformando na “banalidade da loucura”. Essa loucura nas eleições brasileiras pode ser abordada a partir da perspectiva do comportamento político, da comunicação e da percepção da sociedade sobre temas considerados irracionais ou fora da norma democrática.

Nas eleições recentes tem-se notado uma crescente normalização de discursos e atitudes que, em outras épocas, seriam vistas como “loucas” ou extremas. Isso pode ser atribuído à polarização política e ao uso das redes sociais, onde narrativas radicais e teorias conspiratórias ganham destaque e parecem conquistar seguidores com facilidade. Essa banalização da loucura se reflete na forma como figuras públicas utilizam retóricas inflamadas, frequentemente baseadas em desinformação, para ganhar atenção e votos.

Circo de horrores

Nas atuais eleições municipais, temos o caso de São Paulo, onde presenciamos um circo de horrores com trocas de acusações do mais baixo nível, que teve seu ápice com o episódio conhecido como “cadeirada”, no qual um candidato agrediu outro após ser violentamente provocado, durante debate, com mentiras sobre sua vida.

Em Curitiba temos uma candidata a vice-prefeita que tem no seu currículo ser esposa de ex-juiz. Ela se elegeu deputada federal por São Paulo sem nunca ter residido por lá. Já no início do exercício do seu mandato, retornou com seu título de eleitora para a capital paranaense e hoje, 20 meses após tomar posse como deputada federal em São Paulo, se candidatou em Curitiba a vice, fazendo promessas à cidade. Tudo isso com a autorização da Justiça Eleitoral.

Spacca

Em Foz do Iguaçu, um dos candidatos alugou um apartamento na cidade, mesmo residindo com a família em endereço certo e sabido em Brasília, e se lançou candidato a prefeito.

Usa como plataforma de campanha várias “fake news”, dentre elas ele afirma que existia corrupção na Usina de Itaipu antes de ele ser diretor e que, depois que assumiu, acabou a corrupção. Ocorre que, durante sua gestão na usina, não foi instalado nenhum procedimento para apurar corrupção ou desvio de dinheiro, ninguém foi demitido por corrupção, não houve uma notícia encaminhada ao Ministério Público para ser apurado. Enfim, nada foi apurado.

Ao contrário, somente se identificou que durante sua gestão foram pagas verbas supostamente ilegais. no valor de R$ 1,3 milhão, que eram devidos aos empregados da empresa e foram destinadas aos seus diretores.

A loucura, nesse caso, pode ser entendida não como uma patologia clínica, mas como o rompimento com a lógica e a racionalidade no debate político. Candidatos e partidos como esses podem se valer de promessas e discursos que desafiam a realidade, seja ignorando dados científicos, minimizando problemas sociais graves, ou atacando instituições democráticas com inverdades sem fundamento.

Atrás de discurso chocante

Essa normalização da irracionalidade nos discursos políticos também é alimentada pela busca incessante por engajamento nas redes sociais. Quanto mais chocante ou “louco” for o discurso, mais visibilidade ele pode obter, independentemente de sua veracidade ou coerência. Isso cria um ciclo vicioso em que propostas absurdas, que deveriam ser descartadas, acabam sendo debatidas seriamente e, em alguns casos, implementadas.

Por fim, a banalidade da loucura nas eleições brasileiras reflete uma crise de confiança nas instituições e no processo democrático. Quando os eleitores perdem a fé na política tradicional, ideias extremas e desconectadas da realidade parecem soluções aceitáveis para problemas complexos, exacerbando o clima de instabilidade.

Essa tendência pode ter consequências preocupantes para a democracia, uma vez que a banalização de ideias extremas enfraquece o debate racional, mina a confiança nas instituições e promove soluções simplistas para questões complexas, muitas vezes alimentando o caos político.

Precisamos despertar o nosso país para o risco que corremos novamente.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!