Opinião

Cisne verde, direito financeiro e vinculação de receita pública a fundo especial

Autor

  • Marcelo Cheli de Lima

    é advogado do Senado mestrando em Direito Financeiro e Econômico pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD-USP) e pós-graduado pela Unicamp (Direito e Economia) PUC-MG (Direito Tributário e Aduaneiro e Direito Público) e IBMEC/Damásio (Direito e Processo Previdenciário).

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25 de setembro de 2024, 7h01

A teoria do “cisne negro” é normalmente associada ao mercado financeiro e refere-se a eventos imprevisíveis capazes de gerar danos incalculáveis à economia de um país e à sociedade.

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Nesse diapasão, surgiu o “cisne verde”, expressão desenvolvida pelo BIS (Bank for International Settlements) [1]. A grosso modo, trata-se de fenômeno climático imprevisível capaz de impactar drasticamente a sociedade, pois, a depender da intensidade do evento climático, pode causar sérios danos à economia e à vida das pessoas.

Não há dúvidas — quiçá para negacionistas climáticos — que fenômenos como o efeito estufa e o aquecimento global, agravados pela ação humana, são perniciosos para humanidade e para os demais habitantes do nosso planeta, pois é capaz de acarretar diversas anomalias climáticas.

No Brasil, não seria diferente. Basta olhar para o Rio Grande do Sul, que, recentemente, foi devastado por fortes chuvas. No caso do estado da região Sul, é possível sustentar que o “cisne verde” se manifestou. Inclusive, tal conclusão é corroborada pela rede de cientistas World Weather Attribution (WWA), responsáveis por pesquisar a relação entre mudanças climáticas e eventos extremos.

Esse grupo de cientistas afirmou que as mudanças climáticas produzidas pela ação do homem no planeta tiveram uma grande contribuição nas chuvas extremas registradas entre o fim de abril e o início de maio no estado.[2]

Direito para tender às necessidades públicas

Na presença destes eventos climáticos de consequências imprevisíveis, como o direito, especificamente o direito financeiro, pode contribuir para reduzir seus impactos?

O direito financeiro é o ramo do direito público destinado a disciplinar a atividade financeira do Estado. Esta se destina a prover o Estado com recursos financeiros suficientes para atender às necessidades públicas. A atividade financeira compreende a arrecadação, a gestão e a aplicação dos recursos públicos.[3]

Spacca

Para compreensão do aspecto da arrecadação, é imprescindível perquirir o conceito de receitas públicas. Estas, sem grande rigor conceitual, são caracterizadas pela entrada de recursos de forma terminante nos cofres do Estado.

As receitas públicas podem ser vinculadas, ou seja, parte dos recursos públicos que ingressam definitivamente nos cofres do ente federado pode ser destinada a órgão, fundo ou despesa específica. Trata-se, no caso, de exceção, porque a regra é a não vinculação ou afetação das receitas públicas provenientes da arrecadação de impostos (CF, artigo 167, IV).

Entre outros, é neste ponto (vinculação de receitas) que o direito financeiro pode ser utilizado como instrumento para mitigar os impactos sociais acarretados pelos “cisnes verdes”, na hipótese, mediante a criação de fundos públicos.

Mas o que é um fundo público?

De acordo com o artigo 71 da Lei nº 4.320/1964, os fundos são constituídos pelo produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços. É possível, portanto, vincular receitas públicas, por meio de fundos especiais, e destiná-las a certos objetivos, por exemplo, reconstruir a infraestrutura de municípios assolados por eventos climáticos extremos.

A utilização de fundo público para combater as consequências dos “cisnes verdes” é verificada, por exemplo, na recente proposta de emenda à Constituição, cujo autor é o senador Luis Carlos Heize. De acordo o site do jornal “Correio do Povo”, a PEC “institui o Fundo Constitucional de Financiamento do Sul (FCS). O texto assegura recursos prioritários para o Rio Grande do Sul por 15 anos e considera o contexto de reconstrução pós-enchente”.[4]

Ainda, nos termos do referido jornal, o fundo constitucional “será mantido por meio de repasse de 1% dos valores incidentes sobre imposto de renda e produtos industrializados, além de parcelas oriundas de pagamentos de multas ambientais, do orçamento da União e de doações”.[5]

Pode-se dizer que a PEC supracitada faz parte de um conjunto de medidas destinadas à recuperação do Rio Grande do Sul, como, por exemplo, a abertura de créditos extraordinários no valor total de 1,28 bilhão de reais via Medidas Provisórias (MPs nº 1.244/2024 e 1.243/2024).

Não há como deixar de notar, seja mediante vinculação de receitas, criação de fundos ou abertura de créditos extraordinários, o direito financeiro detém instrumentos úteis ao enfrentamento dos corolários oriundos de eventos climáticos extremos e imprevisíveis, os denominados, “cisnes verdes”.

 


[1] Disponível em: https://www.bis.org/publ/othp31.htm. Acesso: 08-09-2024.

[2] Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/mudancas-climaticas-dobraram-chance-de-chuva-extrema-no-rs,12efb6076d2d3a71d2f1fe10d13da59ca5i0zze1.html. Acesso: 08-09-2024.

[3] ABRAHAM, Marcus. Curso de direito financeiro brasileiro. – 5. ed., rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 22 e 30.

[4] Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/senador-heinze-apresenta-pec-que-cria-fundo-constitucional-para-facilitar-a-reconstru%C3%A7%C3%A3o-do-rs-1.1530168. Acesso: 08-09-2024.

[5] Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/senador-heinze-apresenta-pec-que-cria-fundo-constitucional-para-facilitar-a-reconstru%C3%A7%C3%A3o-do-rs-1.1530168. Acesso: 08-09-2024.

Autores

  • é advogado do Senado, mestrando em Direito Financeiro e Econômico pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD-USP) e pós-graduado pela Unicamp (Direito e Economia), PUC-MG (Direito Tributário e Aduaneiro e Direito Público) e IBMEC/Damásio (Direito e Processo Previdenciário).

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