Opinião

Voto de qualidade: exclusão definitiva das multas quando há posterior recurso especial

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  • é associado de Veirano Advogados com atuação na área de consultoria e contencioso tributário e aduaneiro nas esferas administrativa e judicial com mais de 15 anos de atuação no Carf e cursos de extensão em auditoria contabilidade e Direito Empresarial.

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  • é sócia de Veirano Advogados na área de consultoria e contencioso tributário e aduaneiro nas esferas administrativa e judicial conselheira representante dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no período de 2002 a 2015 e na Câmara Superior de Recursos Fiscais no período de 2005 a 2016.

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  • é sócio de Veirano Advogados na área de consultoria e contencioso tributário e aduaneiro nas esferas administrativa e judicial em casos de diversas naturezas nos âmbitos municipal estadual e federal especialista em Direito Tributário pela FGV-SP e LL.M. em International Tax pela Universidade de Viena (Áustria).

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24 de setembro de 2024, 20h50

Definida a questão sobre o retorno do voto de qualidade em substituição ao critério de desempate que favorecia o contribuinte (artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002), surgem algumas dúvidas sobre a aplicação da Lei nº 14.689/2023.

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Uma questão que ganhou destaque é a definitividade da exclusão das multas e cancelamento da representação fiscal para fins penais, quando a cobrança do principal for mantida pelo voto de qualidade (atual § 9º-A do artigo 25 do Decreto nº 70.235/72).

Um questionamento que surge é se a referida exclusão das multas se opera definitivamente (de forma terminativa), “na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade”, ainda que o contribuinte recorra dessa decisão à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).

A questão ganha relevância nos casos em que uma cobrança é mantida pelo voto de qualidade em julgamento realizado por uma das Turma que compõem as chamadas Câmaras Baixas do Carf.

Se o contribuinte concordar com a decisão da Câmara Baixa e não recorrer à CSRF, naturalmente não há dúvidas de que as multas serão excluídas, assim como cancelada a representação fiscal para fins penais, prevista no artigo 83 da Lei nº 9.430/96. Trata-se da aplicação direta da nova lei que alterou o Decreto nº 70.235/72:

“Art. 25.  O julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete: (…)

§9º-A. Ficam excluídas as multas e cancelada a representação fiscal para os fins penais de que trata o art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º deste artigo.”

Na mesma situação, se o contribuinte optar por não discutir a decisão perante o Poder Judiciário, poderá obter também o benefício de exclusão dos juros de mora (Selic), desde que formalize sua intenção no prazo máximo de 90 dias após o encerramento da esfera administrativa. Essa previsão se encontra no artigo 25-A do Decreto nº 70.235/72, inserido pela Lei nº 14.689/2023.

“Art. 25-A. Na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido definitivamente a favor da Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 deste Decreto, e desde que haja a efetiva manifestação do contribuinte para pagamento no prazo de 90 (noventa) dias, serão excluídos, até a data do acordo para pagamento, os juros de mora de que trata o art. 13 da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995.

A hipótese de recurso especial à CSRF: análise das normas

Considerando essa mesma situação – caso julgado, pela Câmara Baixa do Carf, de forma favorável à Fazenda Pública, pelo voto de qualidade – questiona-se: se o contribuinte decidir recorrer à Câmara Superior do Carf? A exclusão das multas é garantida definitivamente (terminativamente) ou o julgamento final do processo pela CSRF influencia na aplicação do benefício?

Caso o contribuinte decida recorrer e tenha seu recurso especial conhecido e não provido, no mérito, sem a aplicação do voto de qualidade (por maioria ou mesmo unanimidade), seria inaplicável o § 9º-A do artigo 25 do Decreto nº 70.235/72?

No entendimento da Receita Federal, ambos os dispositivos (§ 9º-A do artigo 25 e artigo 25-A do Decreto nº 70.235/72) somente se aplicam em caso de decisão por voto de qualidade que seja definitiva, conforme artigo 1º da IN RFB nº 2.205/2024.

Spacca

Embora regulamentados conjuntamente pela RFB, estamos diante de institutos diversos, que não apenas tratam de benefícios diferentes (exclusão de multas e representação fiscal para fins penais x exclusão de juros) como, também, possuem regramentos próprios, em dispositivos distintos do Decreto nº 70.235/72 (§ 9º-A do artigo 25 x artigo 25-A, respectivamente).

Também se observa que o § 9º-A do artigo 25 do Decreto nº 70.235 (multas e representação fiscal) prevê sua aplicação “na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º deste artigo”.

Diferentemente, o artigo 25-A do Decreto nº 70.235/72 (exclusão dos juros) prevê sua aplicação “Na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido definitivamente a favor da Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 deste Decreto” e desde que o contribuinte opte pelo pagamento no prazo de 90 dias.

As expressões “resolvido favoravelmente” (§ 9º-A do artigo 25 – multas e representação fiscal) e “resolvido definitivamente a favor” (artigo 25-A – juros) nos parecem indicar que cada instituto será aplicável em situações e estágios diferentes do contencioso administrativo federal.

Diversamente, a IN RFB nº 2.205/2024 trata ambos os institutos como equivalentes, exigindo a existência de “decisão definitiva” – favorável à Fazenda Nacional, pelo voto de qualidade – para ambas as modalidades.

As hipóteses de “decisão definitiva” são tratadas no artigo 42 do Decreto nº 70.235/72:

“Art. 42. São definitivas as decisões:

I – de primeira instância esgotado o prazo para recurso voluntário sem que este tenha sido interposto;

II – de segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição;

III – de instância especial.

Parágrafo único. Serão também definitivas as decisões de primeira instância na parte que não for objeto de recurso voluntário ou não estiver sujeita a recurso de ofício.”

O ponto em comum em todas as situações acima especificadas é, justamente, o encerramento da discussão administrativa, seja pela impossibilidade de interposição de recursos (inciso III) ou pela ausência de sua interposição (incisos I, II e parágrafo único).

Dessa forma, a decisão será considerada definitiva (terminativa) quando não for interposto o recurso cabível ou, quando interposto, não abranger determinada matéria. Embora o parágrafo único do artigo 42 acima transcrito faça menção expressa às decisões de primeira instância, é inequívoca a definitividade da decisão das Câmaras Baixas do Carf “de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição”.

Afinal, é fato corriqueiro o desmembramento de processos administrativos para prosseguimento de cobrança, quando apenas uma parte do Recurso Especial interposto pelos contribuintes é admitida para julgamento perante a Câmara Superior.

Indo além, é importante ressaltar que o parágrafo único do artigo 4º da IN RFB nº 2.205/2024 aponta em seu inciso II, textualmente, para a perda dos efeitos do benefício de exclusão de multa na hipótese de novo julgamento de mérito pela CSRF, decidido por maioria ou unanimidade:

“Art. 4º Os efeitos previstos no art. 2º não se aplicam às decisões proferidas pelo Carf, por voto de qualidade, que se tornaram definitivas anteriormente a 12 de janeiro de 2023.

Parágrafo único. Na hipótese de julgamento de mérito do Recurso Especial, os efeitos previstos no art. 2º:

I – incidirão em relação às matérias decididas por voto de qualidade na Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, independentemente de a decisão na instância ordinária ter sido proferida por maioria ou unanimidade; e

II – não incidirão em relação às matérias decididas por maioria ou unanimidade na CSRF, ainda que a decisão na instância ordinária tenha sido proferida por voto de qualidade.”

Nesse sentido, o atual artigo 4º, parágrafo único, inciso II, da IN RFB nº 2.205/2024 não se encontra em harmonia com o § 9º-A do artigo 25 do Decreto nº 70.235/72 (exclusão das multas e cancelamento da representação fiscal para fins penais), já que o texto legal não prevê o requisito da definitividade, para que sejam excluídas as multas e cancelada a representação fiscal para fins penais, como o faz o texto normativo.

Nessa situação a lei exige apenas um “julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade” (§ 9º-A – multa e representação fiscal para fins penais), e não um “julgamento de processo administrativo fiscal resolvido definitivamente a favor da Fazenda Pública pelo voto de qualidade” (artigo 25-A – juros). Não há, de forma clara, a exigência de uma matéria que não caiba mais discussão (definitividade) em processo administrativo para afastamento da multa e representação fiscal para fins penais.

A leitura que nos parece possível da regra normativa é aquela que considera “decisão definitiva”, quanto às multas e RFPFP, a decisão tomada pelo voto de qualidade, mesmo que sujeita a apreciação de recurso especial pela CSRF sobre a exigência principal.

Ou seja, havendo decisão favorável à Fazenda Pública, pelo voto de qualidade, perante o julgamento ocorrido em uma das Turmas integrantes da Câmara Baixa do Carf, eventual recurso especial do contribuinte abrange apenas a exigência principal, que lhe foi desfavorável, sendo automaticamente excluídas as multas e cancelada a representação fiscal para os fins penais.

Somente a exclusão dos juros de mora (Selic) demanda a total inexistência de questionamento por parte do contribuinte, seja por recurso administrativo ou questionamento judicial, até mesmo por ser condicionada à formalização de opção pelo pagamento, no prazo de 90 dias.

Nessa linha, somente a exclusão dos juros de mora (artigo 25-A) exige a total concordância do contribuinte em relação ao quanto decidido pela turma julgadora, caracterizando, assim, a existência de “(…) julgamento de processo administrativo fiscal resolvido definitivamente a favor da Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 deste Decreto (…)”.

Diversamente, a exclusão das multas e cancelamento da representação fiscal para fins penais (artigo 25, § 9º-A) se aplica de forma terminativa (para não adotar novamente o termo definitiva, evitando confusão), sempre que existir “(…) julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º deste artigo (…)”, ainda que o contribuinte opte por seguir com a discussão da exigência principal do tributo.  

Sobre o efeito automático dessa decisão, ressalta-se o Parecer SEI nº 3.407/23 emitido pela própria PGFN que, ao analisar o Projeto de Lei nº 2.384, de 2023, que resultou na Lei nº 14.689/23, assim se manifestou:

“21. Em síntese, trata-se de regra que prevê, no contexto de decisões proferidas no âmbito do CARF, a exclusão das multas incidentes sobre o crédito tributário, na hipótese de julgamento de processo administrativo resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade.

22. Verifica-se que, na hipótese de desempate do julgamento por voto de qualidade, a exclusão das multas passou a ser um efeito automático decorrente da decisão, assim como o cancelamento da representação para fins penais”. (destaques no original)

Efeito substitutivo

Nesse sentido, uma decisão de mérito da CSRF sobre o recurso especial interposto pelo contribuinte em face de uma decisão colegiada por voto de qualidade não tem efeito substitutivo sobre as penalidades, justamente porque tais matérias não serão devolvidas para apreciação pela instância especial.

Devolve-se à apreciação da CSRF apenas a discussão sobre a exigência principal do tributo, podendo esta ser confirmada ou revertida a favor do contribuinte recorrente. O placar dessa votação, portanto, não tem qualquer influência sobre a questão das penalidades, por não serem estas objeto de recurso do contribuinte.

Trata-se da aplicação supletiva do artigo 1.008 do CPC ao processo administrativo fiscal, como autorizado pelo artigo 15 do próprio Código Processual Civil:

“Art. 1.008. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso.”

O citado dispositivo restringe a aplicação do efeito substitutivo recursal ao objeto do recurso interposto, como preconiza o princípio processual do “tantum devolutum quanto appelatum”.

Aliás, sequer haveria interesse recursal do contribuinte nesta parte (penalidades), que já foram excluídas automaticamente pelo julgamento decidido pelo voto de qualidade.

A questão não passa, portanto, pela aplicação do princípio da non reformatio in pejus (que, naturalmente, surge nesse tipo de debate), mas sim pelos limites objetivos da matéria recorrida. E, neste ponto, discorda-se parcialmente do entendimento externado pela D. PGFN no Parecer SEI 943/2024/MF.

Justamente “por não constituir capítulo decisório, ou seja, não se sujeitar à deliberação do órgão julgador” (parágrafo 85, Capítulo III.1.1.2. do Parecer SEI 943/2024/MF) e decorrer de efeito automático da decisão tomada pelo voto de qualidade, as penalidades não podem ser “reinstituídas” por decisão da CSRF.

Assim, se de um lado há a aplicação automática das penalidades por ocasião do lançamento tributário, até mesmo por se tratar de atividade vinculada, a sua exclusão é também automática (terminativa) na hipótese de julgamento favorável à Fazenda Pública resolvido pelo voto de qualidade, em virtude do disposto na Lei nº 14.689/2023.

Ressalta-se que embora alterando o Decreto-Lei nº 70.235/72, tal medida (dispensa de penalidades) foi instituída por Lei, em harmonia com o artigo 97, inciso VI, do CTN, que assim prevê.

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”

A dispensa de penalidades, bem como dos próprios juros e até a atualização monetária não é situação inovadora na legislação tributária, como atesta o parágrafo único do artigo 100 do CTN.

Com é amplamente reconhecido, a observância de normas complementares por parte do contribuinte pode até resultar na exigência principal do tributo, mas deve ser excluída “a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.

Acrescente-se que a diferença entre as expressões “resolvido favoravelmente” (§ 9º-A do artigo 25 – multas e representação fiscal) e “resolvido definitivamente a favor” (artigo 25-A – juros) previstas na Lei nº 14.689/2023 não pode ser considerada irrelevante, mas antes uma intenção do legislador.

A favor disso, é de se ressaltar a aplicação do princípio fundamental de interpretação jurídica de que “a lei não contém palavras inúteis”, bem como o próprio objetivo do julgamento a ser realizado perante a CSRF, que é uniformizar a aplicação da legislação tributária em âmbito administrativo.

Na presente reflexão procuramos apresentar algumas provocações sobre o tema, conscientes de que o assunto ainda poderá gerar muitas discussões e amadurecer ao longo do tempo.

Autores

  • é associado de Veirano Advogados com atuação na área de consultoria e contencioso tributário e aduaneiro, nas esferas administrativa e judicial, com mais de 15 anos de atuação no Carf e cursos de extensão em auditoria, contabilidade e Direito Empresarial.

  • é sócia de Veirano Advogados na área de consultoria e contencioso tributário e aduaneiro, nas esferas administrativa e judicial, conselheira representante dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no período de 2002 a 2015, e na Câmara Superior de Recursos Fiscais, no período de 2005 a 2016.

  • é sócio de Veirano Advogados na área de consultoria e contencioso tributário e aduaneiro, nas esferas administrativa e judicial, em casos de diversas naturezas nos âmbitos municipal, estadual e federal, especialista em Direito Tributário pela FGV-SP e LL.M. em International Tax pela Universidade de Viena (Áustria).

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