Opinião

Nova lei espera aumentar previsibilidade econômica e política aos negócios

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21 de setembro de 2024, 15h17

Julgamentos dos tribunais superiores, posicionamentos dissidentes de tribunais de justiça e mudanças legislativas com interpretações diversas traziam muita instabilidade quando o tema eram os juros legais. Contudo, o julgamento da Corte Especial do STJ no REsp 1.795.982/SP e, mais recentemente, a promulgação da Lei nº 10.406/2024 prometem mudar esse cenário.

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Os juros legais são uma “taxa” criada para penalizar o devedor nos casos em que houver mora e não existir estipulação diferente em contrato. Prevista no Código Civil, pouco se discutia sobre o tema antes de 2002, já que o artigo 1.062 da Lei Civil de 1916 previa que “a taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (artigo 1.262), será de 6% ao ano”.

Ao invés de já estipular o índice de juros, como anteriormente, o Código de 2002 definiu, no artigo 406, que eles “serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. De um lado, havia interpretação de que a tarifa seria de 1% ao mês, fundamentada, entre outras razões, na referência ao artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN).

Do outro lado, uma corrente defendia que a taxa em vigor “para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” fazia referência à regra tributária dos artigos 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02, aplicando-se, portanto, a taxa Selic. O embate se estabeleceu.

Correção monetária em processos judiciais

Como a flutuação dos índices pouco variou até 2009, a discussão não trazia reflexos práticos. A partir de 2010, todavia, as interpretações divergentes começam a trazer resultados também divergentes. Toma-se por exemplo uma dívida no valor de R$ 10 mil, aplicando-se juros de 1º de janeiro de 2010 a 31 de agosto de 2024. Considerando juros de 1% ao mês, o valor final será de R$ 27,5 mil. Contudo, se aplicada a Selic, o valor final será de R$ 23,22 mil.

Deve-se considerar, ainda, que a taxa Selic possui natureza mista, de forma que seu índice compreende conjuntamente os juros e a correção monetária, o que não se verifica na primeira corrente. No exemplo, enquanto a aplicação da Selic, por não admitir cumulação de correção monetária, permanece no patamar de R$ 23,22 mil, a aplicação de 1% ao mês, com a cumulação do índice INPC/IBGE (utilizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo), leva a dívida a R$ 63,56 mil.

Spacca

A variação demonstra que a problemática não é apenas jurídica, mas também de política, judiciária e econômica. Afinal, são raros os investimentos que trariam retorno tão valoroso como o dos juros legais que contenham interpretação pela aplicação de 1% ao mês cumulado com correção monetária.

Juros mais baixos podem ser convidativos ao inadimplemento. Juros mais altos tornam processos judiciais a melhor carteira de investimentos do país. Já a insegurança jurídica, verificada de forma tardia quando os índices se distanciaram, fez com que setores se movimentassem para que houvesse uma definitiva pacificação.

Taxa Selic vira referência na Justiça

Ainda em 2006, no âmbito do REsp 710.385/RJ, o STJ já havia confirmado a aplicação da taxa Selic, sem acumulação com outro índice de correção, como referência para o artigo 406 do CC/02. Em 2009, o STJ ratificou o entendimento por meio da sistemática dos recursos repetitivos (Temas 99 e 112).

Mesmo assim, tribunais de justiça e tribunais regionais federais seguiram utilizando a taxa de 1% ao mês cumulada com correção monetária. Mais recentemente, a Corte Especial do STJ se debruçou sobre o tema quando do julgamento do REsp 1.795.982/SP. No dia 6 de março, formou-se maioria e, por seis votos a cinco, houve a definição de que a taxa Selic deve ser aplicada como juros legais incindíveis sobre os débitos civis.

Contudo, após a proclamação do resultado, o ministro Luis Felipe Salomão suscitou questão de ordem, indicando três questionamentos: nulidade do julgamento que deveria ter sido adiado a fim de possibilitar o voto dos ministros Francisco Falcão e Og Fernandes; qual seria o método de aplicação da Selic (fatores diários ou soma de acumulados mensais); e como aplicar a Selic (que já considera correção monetária) nos casos em que os juros iniciam antes da correção monetária.

Como as questões de ordem poderiam anular o julgamento ou, ainda, definir a forma de aplicação da Selic, embora tenha sido formado maioria, a insegurança jurídica permanecia até a solução definitiva do tema.

Ocorreu que, enquanto não era decidida a questão de ordem, foi sancionada a Lei nº 10.406/2024, que alterou o Código Civil e resolveu a questão. Com isso, no dia 22 de agosto, o ministro Luis Felipe Salomão, que havia suscitado a questão de ordem, reconheceu que esta ficaria prejudicada diante da nova previsão legislativa.

IPCA e Selic

A nova redação da Lei não mais prevê que os juros legais serão fixados, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, alterando referida previsão para tratar expressamente da “taxa legal”. No parágrafo 1º do artigo 406, é exposta a forma de cálculo da referida “taxa legal”, que “corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária (…)”.

Para mais uma vez evitar discussões, o parágrafo 2º aproveita para estipular que será o Conselho Monetário Nacional responsável pela definição da metodologia de aplicação dessa disposição.

De acordo com a Resolução CNM 5171/2024, a taxa será calculada mensalmente “pela razão entre a acumulação das taxas Selic diárias e a taxa de variação do IPCA-15 relativas ao mês anterior ao de referência”. Ademais, será empregado o “regime de juros simples como forma de aplicação da Taxa Legal, inclusive e especialmente para a acumulação de taxas mensais e para a apuração de juros proporcionais (fração pro rata)”.

Se, em um primeiro momento, havia debate a respeito da aplicação da Selic ou da aplicação de juros no patamar de 1% ao mês cumulados com outro índice de correção monetária, agora o Poder Legislativo pacifica a solução: a taxa oficial de correção monetária será o IPCA (artigo 389 do CC/02), e os juros corresponderão à diferença entre o IPCA e a flutuação da Selic, sendo que, nos casos em que for negativa, considerar-se-á zerada.

A nova lei entrou em vigor na data da publicação e passou a produzir efeitos no dia 29 de agosto. A primeira taxa legal foi divulgada um dia depois e as demais serão divulgadas no primeiro dia útil de cada mês de referência. Com isso, espera-se que seja resolvido definitivamente o embate, conferindo segurança jurídica e, mais do que isso, previsibilidade econômica e política para os negócios no país.

Autores

  • é advogado na área de Direito Civil no escritório Silveiro Advogados, graduado em Direito pela Mackenzie e especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP.

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