Licitações e Contratos

Orçamento sigiloso causa distorções nas licitações públicas

Autor

  • é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

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20 de setembro de 2024, 19h24

Contexto

Spacca

A Lei 14.133/21, Lei de Licitações e Contratos Administrativos, estabelece em seu artigo 18, § 1º, inciso VI, que o estudo técnico preliminar deve conter, entre outros elementos, a estimativa do valor da contratação “acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação”.

Em seu artigo 24, que, desde que justificado, “o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas”.

Ideia do orçamento sigiloso

O princípio dessa “estratégia” seria levar os licitantes a apresentarem suas propostas com base na competição livre, sem conhecimento de valor máximo que o ente público estaria disposto a pagar, para haver desestímulo à acomodação de licitantes quanto a possíveis reduções de preços.

Aspectos da realidade

Inobstante a louvável ideia, o sigilo tem gerado distorções que prejudicam a segurança jurídica e a eficiência das licitações.

Fragilidades e inconsistências de “pesquisas de preços” levam a preços referenciais irreais, que inviabilizam a disputa justa; não se exige capital mínimo ou patrimônio líquido em percentual do que não se conhece (se perde a chance de evitar “aventureiros”, quando uma finalidade de licitar é não aceitar preço inexequível); não se consegue filtrar as atestações técnicas sobre percentual de valor não divulgado; e ainda se cria enorme conflito com alegação surpresa de “sobrepreço”, que se revela indevida, pois muitas licitações estão sendo anuladas adiante, pois suprimido dos licitantes o direito fundamental de petição, das impugnações que não conseguiram fazer contra os valores referenciais irreais.

Ora, não se pode retirar do licitante a chance de discordar previamente do preço, até porque falhas do orçamento referencial podem ser descobertas em razão de alertas, como mediana de preço único, média com dois preços e de objetos não comparáveis etc. É preciso dar ao licitante a chance de ter a informação de preço, porque isso evita conflito e retrabalho para todos.

Exemplo dos EUA

Nos Estados Unidos, dentro do Far (Federal Acquisition Regulation), são raras as possibilidades de um tipo de valor estimado oculto, sendo que lá existe apuradíssima base de comparação prévia de objetos, efetivamente comparáveis entre si, com confiabilidade do “levantamento de mercado”, não simples “pesquisa de preços”.

Assimetria de ‘preços’ e ‘orçamentos irreais’

O Brasil precisa evoluir, pois ainda há muita assimetria de dados de objetos comparados, mas de características distintas, contaminando o “mapa de preços” para baixo). São falhas iniciais no processo que levam a orçamentos irrealistas e que comprometem o sucesso da licitação, além de anular a eficácia do orçamento sigiloso como ferramenta de competitividade.

Por isso é de extrema valia que se zele pelo que consta do artigo 18 da Lei nº 14.133/21, sobre o dever de considerações técnicas e mercadológicas, o que tende a afastar o hábito de mera pesquisa de preços. Se a pesquisa na fase interna for bem feita e realista a disputa será realista, justa, isonômica e segura, para se chegar à verdadeira vantajosidade de resultado do processo licitatório.

Falácia de sobrepreço

Muitos licitantes estão sendo surpreendidos com acusações de “sobrepreço” depois de algo que surgiu de orçamento referencial que estava sigiloso, sendo que, em ampla defesa e contraditório, quando se exige dados de “pesquisa de mercado”, surgem inconsistências graves, derrubando a alegação de sobrepreço, porque a pesquisa é que estava “mal elaborada”.

Conclusões

A Lei nº 14.133/21 colocou o orçamento sigiloso como opção, mas tal medida tem se relevado danosa, bastado que se verifique no compras.gov.br a quantidade de licitações nas quais, pelo meio do caminho, evidenciam que o erro estava oculto desde o planejamento, o que levou a prejuízo para ente público e licitantes, porque a base de preço era impraticável.

E não é de se desprezar que o sigilo está deixando licitações frágeis, sem os filtros de capital ou patrimônio e de atestações técnicas, o que deforma condições de competição e afasta concorrentes legítimos.

Autores

  • é advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

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