Marco Legal do Superendividamento: como se preparar para evitar litígios
17 de setembro de 2024, 19h46
O superendividamento é um fenômeno que atinge milhões de brasileiros, decorrente da facilidade de acesso ao crédito, combinado com práticas de consumo descontrolado e, muitas vezes, por eventos inesperados que afetam a renda do consumidor.
Nesse contexto, a Lei nº 14.181/2021, conhecida como a Lei do Superendividamento, surgiu como uma resposta legal para assegurar a dignidade da pessoa humana ao proteger o consumidor endividado de boa-fé, possibilitando a repactuação de suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial.
A partir dessa lei, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi alterado para criar mecanismos específicos que permitem a renegociação de dívidas e introduzir salvaguardas ao devedor, especialmente em situações extremas.
Este artigo analisa as principais disposições da lei e sua aplicação prática à luz do recente acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT), que trouxe importantes esclarecimentos sobre a aplicação das normas de proteção ao consumidor superendividado.
Lei do Superendividamento
A Lei nº 14.181/2021 trouxe uma inovação ao reconhecer o superendividamento como a impossibilidade do consumidor, pessoa física e de boa-fé, de pagar suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo necessário para uma vida digna, conceito conhecido como “mínimo existencial”.
A nova legislação busca promover uma educação financeira responsável e dar ao consumidor a chance de renegociar suas dívidas de maneira justa, por meio de um plano de pagamento que considere suas reais condições financeiras.
O artigo 104-A do CDC, incluído pela referida lei, estabelece que o consumidor superendividado pode requerer judicialmente a repactuação das suas dívidas, com vistas à realização de uma audiência de conciliação entre o devedor e todos os seus credores.
O plano de pagamento apresentado pelo consumidor deve garantir o mínimo existencial, com prazo máximo de cinco anos para quitação das dívidas, sendo excluídas desse processo as dívidas decorrentes de contratos dolosos, créditos com garantia real, financiamentos imobiliários e crédito rural.
Principais alterações na legislação
A Lei nº 14.181/2021 trouxe algumas inovações importantes, tais como:
- Oferta responsável de crédito: As empresas são obrigadas a avaliar a capacidade de pagamento do consumidor antes de conceder crédito, sob pena de serem responsabilizadas por superendividamento.
- Renegociação coletiva de dívidas: O consumidor superendividado pode solicitar a renegociação coletiva de suas dívidas, buscando condições mais favoráveis para a quitação.
- Vedação de práticas abusivas: A legislação proíbe ofertas de crédito sem a devida transparência, especialmente aquelas que induzam o consumidor a acreditar que o crédito é “sem juros” ou “facilitado”.
Decisões judiciais sobre superendividamento
Uma recente decisão do TJ-DFT no Agravo de Instrumento 0717069-66.2022.8.07.0000 exemplifica bem a aplicação prática das disposições da Lei nº 14.181/2021. No caso, a agravante, alegou estar em situação de superendividamento após contrair diversos empréstimos consignados e com desconto em conta corrente, que comprometiam a totalidade de sua renda mensal.
A relatora, enfatizou que a discussão não se tratava apenas da legalidade dos descontos ou da revisão dos contratos, mas sim da proteção ao mínimo existencial do consumidor, conforme previsto na nova legislação. O tribunal reconheceu a possibilidade de antecipação da tutela de urgência para garantir que a renda da agravante não fosse inteiramente consumida pelos descontos automáticos, determinando a limitação dos descontos à metade até o julgamento final da ação.
Essa decisão reflete a preocupação do Judiciário com a dignidade do consumidor superendividado, considerando que a integralidade dos descontos colocaria em risco sua subsistência e a de sua família. O acórdão também esclarece que, embora a Lei nº 14.181/2021 não preveja a suspensão imediata da exigibilidade das dívidas, é possível que medidas urgentes sejam tomadas em casos concretos para evitar prejuízos irreparáveis ao consumidor.
Dignidade humana e o mínimo existencial
A proteção ao consumidor superendividado está profundamente ligada ao princípio da dignidade humana. O conceito de “mínimo existencial”, que foi amplamente discutido no acórdão mencionado, refere-se à esfera patrimonial mínima necessária para que o consumidor possa atender às suas necessidades básicas, como alimentação, moradia, educação e saúde.
De acordo com a decisão, o superendividamento é visto como uma situação extrema, que requer a aplicação de medidas protetivas para evitar a degradação das condições de vida do devedor e sua família. A Lei nº 14.181/2021 permite que o juiz suspenda a exigibilidade das dívidas e determine prazos mais alongados para pagamento, visando garantir que o devedor não seja privado de uma vida digna.
Processo de repactuação de dívidas
A Lei do Superendividamento também estabelece um processo específico para a repactuação das dívidas. Após a tentativa de conciliação entre devedor e credores, caso não haja acordo, o juiz pode instaurar um processo para revisão e integração dos contratos. O plano judicial compulsório resultante deste processo deve garantir que os credores recebam, no mínimo, o valor principal da dívida, devidamente corrigido, e prever prazos de até cinco anos para quitação.
O acórdão do TJ-DFT, acima referido, destacou que, nesse tipo de processo, cabe ao devedor abster-se de condutas que agravem sua situação de superendividamento, como a contração de novos empréstimos ou gastos desnecessários durante o período de repactuação.
O Novo Marco Legal do Superendividamento impõe novas obrigações para as empresas que atuam no mercado de crédito, exigindo transparência, responsabilidade e adaptação às novas regras. Ao mesmo tempo, oferece uma oportunidade para que as empresas fortaleçam a confiança com seus clientes, adotando boas práticas que evitem litígios futuros.
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