LETRAS MIÚDAS

Valor da segurança pode restringir liberdades, mas deve se ater à lei, diz Gonet

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16 de setembro de 2024, 19h15

Liberdades como a de expressão devem ser restringidas em razão da necessidade do Estado de Direito de promover segurança. No entanto, essas limitações devem se ater estritamente às normas.

paulo gonet iasp

Procurador-geral da República conduziu palestra em reunião-almoço do Iasp

A avaliação é do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que falou sobre o assunto em uma reunião-almoço do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) nesta segunda-feira (16/9), em São Paulo.

Gonet conduziu uma palestra com o tema “A segurança como valor orientador das ações do Ministério Público”. Para o PGR, sem segurança, conceito que remete à redução razoável de riscos e à garantia de tranquilidade para a sociedade, não há Estado.

“Dar a importância devida à segurança não é ser nem conservador, nem progressista; liberal ou intervencionista; de esquerda ou de direita; é ser tolerante com a exigência da vida civilizada que a Constituição adotou.”

Equilíbrio com liberdades

O procurador-geral afirmou que o valor da segurança deve ser equilibrado com os outros dois pilares do Estado Democrático de Direito, a justiça e a liberdade, o que é um desafio para os juristas.

“A segurança proporcionada pelo Estado de Direito se faz por meio do Direito e no próprio Direito. É o Direito que vai fixar as metas de segurança a serem atingidas e é ele que vai equilibrar esse valor com outros que muitas vezes vão entrar em colisão. E por que isso? Porque, para gerar segurança, o Estado e os Poderes públicos precisam regular liberdades, precisam, muitas vezes, restringir as liberdades, limitar o âmbito delas”, diz.

“Em nome da segurança são punidos aqueles comportamentos que são estimados como prejudiciais para a vida social, econômica e política. Podem ser restringidas as liberdades de expressão, de informação. Nenhum desses valores é absoluto e todos eles têm que ser conformados com as necessidades de proteção e segurança”, disse.

A fala ocorreu cinco dias depois de a PGR opinar pelo não conhecimento das arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) 1.188 e 1.190, que questionam decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal que determinou o bloqueio do X (ex-Twitter) no Brasil. As ações alegam suposta ofensa, entre outras coisas, à liberdade de expressão e de opinião, e às garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Previsão legal

Durante a palestra promovida pelo Iasp, Gonet ainda destacou que as restrições da autonomia dos cidadãos em nome da segurança devem estar previstas em lei. Do contrário, há uma ofensa ao próprio valor que se diz proteger.

“Uma manifestação crucial do valor da segurança é a segurança jurídica, que é também um princípio constitucional, que tem a ver com a certeza de que o Direito perdura, que não é algo que muda ao sabor das circunstâncias.”

“Limitações de liberdade, mesmo em prol da segurança, dependem da vontade expressa em lei, estão submetidas ao princípio da reserva legal, porque a primeira fonte da conciliação entre os valores básicos da convivência — liberdade, justiça e segurança — somos nós, os cidadãos, e, em um democracia representativa, nos manifestamos por meio dos nossos representantes. E a melhor forma de nos manifestarmos é por meio de uma lei”, disse.

O procurador-geral acrescentou que, mesmo quando houver previsão legal, a segurança exige ainda a interpretação fiel da norma. Ele traçou uma metáfora com o personagem Humpty Dumpty, uma espécie de ovo antropomórfico criado pelo escritor Lewis Carroll, de Alice Através do Espelho, que atribui um sentido próprio às palavras.

“As palavras devem ser lidas pelo legislador ordinário e pelos aplicadores do Judiciário e do Executivo com respeito ao sentido próprio acolhido pelo constituinte. Agir de modo soberbo e bufão como Humpty Dumpty não é próprio do Direito”, disse Gonet.

Norma vaga

Para o PGR, a segurança jurídica também depende de clareza da norma. Ele citou um exemplo de Portugal, onde o Poder Legislativo autorizou o suicídio assistido em ocasiões de “sofrimento insuportável”. O Tribunal Constitucional português determinou, no entanto, a volta do texto à Assembleia, para que melhor esclarecesse a expressão.

“Vejam uma peculiaridade: os sistemas podem ter respostas diferentes a esse mesmo problema. Em Portugal, eles disseram: ‘a norma é inconstitucional, a Assembleia volta ao assunto e diz no que consiste esse sofrimento insuportável. Em outras latitudes, provavelmente no Brasil, em uma semelhante situação, o Tribunal diria o que é ‘sofrimento insuportável’ e enumeraria minuciosamente cada um dos casos em que o sofrimento seria insuportável, com a diferença de que a Assembleia Nacional tem uma interface com a sociedade civil muito maior do que uma Corte Constitucional, por mais que ela faça reuniões, audiências públicas”, disse o PGR.

A insegurança causada por textos vagos citada por Gonet se assemelha ao contexto do chamado caso das joias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em que é aguardada eventual denúncia da PGR ao STF.

No começo de agosto, a defesa do ex-presidente pediu à PGR que arquive o inquérito por isonomia e similaridade fática, tendo em vista uma decisão do Tribunal de Contas da União também do início do mês que permitiu ao presidente Lula (PT) ficar com um relógio de ouro que recebeu em 2005.

O TCU adotou o entendimento na ocasião de que a falta de norma legal específica afasta a possibilidade de expedição de determinação ampla pela corte sobre a incorporação ao patrimônio público de presentes dados ao presidente, “especialmente diante de ausência de caracterização precisa do conceito de ‘bem de natureza personalíssima’, assim como de um valor objetivo que possa enquadrar o produto como de ‘elevado valor de mercado'”.

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