Opinião

Quando o silêncio fala alto: ausência de réplica à contestação e os riscos processuais

Autor

  • Raylson Costa De Sousa

    é advogado membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais e 1º Suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG).

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16 de setembro de 2024, 11h21

O ordenamento jurídico prevê que o réu deve “manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes na petição inicial”, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos não impugnados nos termos do artigo 341 do Código de Processo Civil (CPC).

É o que a doutrina chama de princípio do ônus da impugnação específica. Sobre o tema, Daniel Amorim Assunção (595, p. 2016) explica que:

“A impugnação específica é um ônus do réu de rebater pontualmente todos os fatos narrados pelo autor com os quais não concorda, tornando-os controvertidos e em consequência fazendo com que componham o objeto da prova. O momento de tal impugnação, ao menos em regra, é a contestação, operando-se preclusão consumativa se, apresentada essa espécie de defesa, o réu deixar de impugnar algum(s) do(s) fato(s) alegado(s) pelo autor”.

Revelia inversa

Como visto, a contestação deverá cumprir o principio da impugnação especifica dos fatos, sendo em regra vedada a impugnação genérica, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos não impugnados especificamente.

Ocorre que o ordenamento jurídico não prevê que a ausência de réplica à contestação tornará verdadeiros os fatos alegados pela ré em sua contestação, tal como uma “revelia inversa”, conforme denominado por parte da doutrina.

Assim, surge a seguinte indagação: para os tribunais, a apresentação da réplica à contestação consiste em uma mera faculdade ou ensejaria uma revelia inversa?

Regra aplicada ao autor

Pois, bem, Fredier Didier (2019, 759) leciona que embora se trate de regra prevista para a contestação, aplica-se, por analogia, à réplica. Assim, cabe ao autor impugnar especificadamente os fatos novos suscitados pelo réu em sua defesa, sob pena de admissão e, portanto, de incontrovérsia do fato, cuja prova se dispensa nos termos do artigo 374, III, CPC.

Todavia, a jurisprudência majoritária tem entendido que a ausência de réplica não tem força para acarretar prejuízo processual à parte autora, com base em dois argumentos.

Primeiro que presume-se o exaurimento da participação argumentativa do autor por meio da peça de ingresso, e demais manifestações seriam mera manifestação sobre os documentos juntados, em observância ao principio do contraditório.

Spacca

O segundo argumento, é no sentido da inexistência de previsão nesse sentido no nosso ordenamento jurídico, sendo a manifestação em réplica mera faculdade concedida à parte autora.

Entendimento dos tribunais

Vejamos a jurisprudência:

“APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. TEORIA DA REVELIA INVERSA AFASTADA. AUTENTICIDADE DAS ASSINATURAS. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. JUÍZO DE CERTEZA. Afirmado na inicial pela parte autora que não contratou com a parte ré, tampouco recebeu os valores correspondentes aos empréstimos, impõe-se a realização de perícia grafotécnica, indispensável para a formação de juízo de certeza, o qual não se alcança com a mera impressão externada pelo magistrado, por seus próprios olhos, de evidente similitude entre as assinaturas, especialmente porque não se afigura útil para tanto a ausência de réplica à contestação, porquanto a teoria da revelia inversa não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA CASSADA.” (TJ-GO 52401108920208090051, relator: des. Alan Sebastião de Sena Conceição, 5ª Câmara Cível, data de publicação: 24/6/2022)

“APELAÇÃO CÍVEL. NÃO MANIFESTAÇÃO DA AUTORA EM RÉPLICA. EFEITO DE REVELIA INVERSA. DESCABIMENTO. SENTENÇA QUE NÃO APRECIA TODOS OS PEDIDOS. JULGAMENTO CITRA PETITA. NULIDADE. 1. Sentença que não aprecia todos os pedidos (citra petita) e que confere à não manifestação do autor, em réplica, o efeito de uma revelia inversa. 2. A teor do art. 490 do CPC, todos os pedidos formulados pelas partes devem ser julgados, sob pena de ser proferida uma sentença citra petita. 3. O ordenamento jurídico não prevê que a falta de manifestação da autora, após a contestação, tornará verdadeiros os fatos alegados pela ré em sua contestação, tal como uma revelia inversa. Os fatos alegados, por ambas as partes, demandam um mínimo de prova e devem ser apreciados pelo magistrado. 4. Não apreciação da farta documentação apresentada. Não pode o juiz, ao sentenciar, extrair certa verdade fática sem apontar as provas que o levaram a esta convicção. 5. Verifica-se ter havido julgamento aquém do que fora pedido, importando em nulidade da sentença. 6. Nulidade que se reconhece de ofício, tornando prejudicado o recurso.” (TJ-RJ – APL: 02581676220168190001, relator: des(a). Ricardo Couto de Castro, data de julgamento: 12/12/2018, 7ª Câmara Cível) (grifo do articulista)

Todavia, na jurisprudência do tribunal de Minas Gerais, é possível encontrar vasto acervo jurisprudencial no sentido diverso, qual seja: caso a parte autora, deixe de impugnar, de forma específica, os fatos alegados e documentados juntados pela parte ré, opera-se a preclusão, presumindo-se verdadeiros e autênticos o conteúdo apresentado.

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS PELA RÉ NO MOMENTO OPORTUNO – PRECLUSÃO – RELAÇÃO JURÍDICA E DÉBITO NÃO COMPROVADOS. Cabe a parte autora da demanda, quando oportunizada a réplica à contestação, impugnar, de forma específica, os fatos e fundamentos jurídicos alegados pela parte ré, hábeis a acarretar a improcedência do pedido inicial, sob pena de preclusão. Nas ações declaratórias de inexistência de débito, compete ao credor a prova da contratação e da dívida. No caso concreto, a juntada de cópias de telas sistêmicas produzidas unilateralmente sem qualquer outro elemento que evidencie a existência de relação jurídica entre as partes é insuficiente para o desiderato. Preliminar acolhida e recurso provido.”  (TJ-MG – Apelação Cível 1.0000.21.117506-2/001, relator(a): des.(a) Manoel dos Reis Morais , 20ª Câmara Cível, julgamento em 1/9/2021, publicação da súmula em 2/9/2021)

“EMENTA: APELAÇÃO – INDENIZAÇÃO – DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA DÍVIDA JUNTADOS COM A CONTESTAÇÃO – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO – PRECLUSÃO. – Cabe ao autor da ação, quando oportunizada a réplica à contestação, impugnar, de forma específica, os fatos alegados pelo réu, assim como os documentos por ele juntados, sob pena de preclusão.”  (TJ-MG –  Apelação Cível  1.0024.12.251618-0/001, relator(a): des.(a) Alberto Diniz Junior , 11ª Câmara Cível, julgamento em 7/5/2015, publicação da súmula em 13/5/2015)

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. MÚTUO VERBAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. ÔNUS DA PROVA. ART. 373, I E II DO CPC. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS INDISPENSÁVEIS. ERRO DE PROCEDIMENTO. Os fatos não impugnados possuem presunção relativa de veracidade, contudo, em se tratando de alegação de pagamento, o ônus permanece sobre o devedor, o qual deve apresentar provas documentais da efetiva quitação da dívida. Incorrer em erro de procedimento a sentença que, em aplicação da presunção absoluta de veracidade, considera verdadeiras as teses defensivas e julga improcedente a ação de cobrança. Em se tratando de ação de cobrança, incube ao credor demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, bem como à ré demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (CPC, art. 373 I e II). O direito ao contraditório e s ampla defesa é constitucionalmente assegurado às partes no processo (art. 5º, LV, CR/88), como forma de concretizar o amplo acesso à justiça (art. 7º, NCPC). Configura cerceamento do direito de defesa o julgamento da lide sem que tenha sido dada às partes a oportunidade de produzir as provas essenciais ao desate da controvérsia.”  (TJ-MG – Apelação Cível  1.0000.23.045614-7/001, relator(a): des.(a) Jaqueline Calábria Albuquerque, 10ª Câmara Cível, julgamento em 25/7/2023, publicação da súmula em 31/7/2023)

Risco de implicações processuais

Assim, conclui-se, que a análise do tema revela que, embora a jurisprudência majoritária não reconheça a figura da “revelia inversa” como consequência direta da ausência de réplica à contestação, tal omissão pode acarretar sérias implicações processuais.

Ao não impugnar de forma específica os fatos e documentos novos apresentados pela parte ré, o autor corre o risco de preclusão, o que impede que posteriormente esses pontos sejam devidamente discutidos no processo.

Dessa forma, a réplica, ainda que não obrigatória, não deve ser tratada como mera formalidade, visto que seu não exercício pode prejudicar a parte autora ao limitar sua capacidade de contestar posteriormente os documentos e fatos trazidos pela defesa.

Portanto, em que pese o entendimento predominante de que a ausência de réplica não implica em uma confissão tácita dos fatos, os riscos processuais inerentes tornam essencial que o autor esteja atento a essa oportunidade processual para garantir a integridade de sua argumentação e evitar eventual preclusão.

Autores

  • é advogado, pós-graduando em Processo Civil, membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, em Minas Gerais, e 1º suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG).

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