voluntarismo viciado

STJ anula provas de invasão de domicílio após autorização pouco crível do morador

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15 de setembro de 2024, 16h40

Nos casos de invasão de domicílio sem autorização judicial, o consentimento do morador aos policiais precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. Cabe aos agentes públicos fazerem essa comprovação.

Policiais não comprovaram que receberam autorização livre do morador para invadir a residência e procurar provas contra seu filho

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas decorrentes de ação policial na casa de um homem que acabou condenado por tráfico de drogas a 1 ano e 8 meses de prisão.

O caso começou com denúncia anônima recebida pela Polícia dando conta de tráfico de drogas com a descrição do suspeito. Em ronda, os policiais visualizaram o suspeito, que correu para dentro de casa ao perceber a aproximação.

A fuga do suspeito nessas situações serviria de justificativa para a revista pessoal dele na rua, por exigir um standard probatório mais flexível, mas não bastaria para a invasão de domicílio — embora um precedente do Supremo Tribunal Federal tenha levantado esse debate.

Os policiais foram até a residência e conversaram com os pais do suspeito, que desconheciam qualquer envolvimento dele com o tráfico de drogas e autorizaram o ingresso. A Defensoria Pública de São Paulo alegou que há nulidade das provas nessa situação.

Invasão de domicílio

Relator, o ministro Rogerio Schietti deu razão ao pedido em Habeas Corpus, considerando que não há nenhuma comprovação do consentimento para o ingresso dos policiais no domicílio.

Em sua análise, é inverossímil a versão policial, ao narrar que os genitores do acusado haveriam livre e voluntariamente franqueado a realização de buscas no domicílio para que os agentes procurassem objetos ilícitos em desfavor do filho deles.

“Ora, um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão. Pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos —, quantidade de agentes, todos armados etc. —, não se mostra crível a voluntariedade e a liberdade para consentir na realização das buscas.”

O voto aponta que as declarações de qualquer servidor público têm veracidade presumida. Mas contrapõe a possibilidade de considerar o senso comum e regras de experiência ao analisá-las, principalmente quando há interferência em direitos fundamentais.

“Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento da moradora foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.”

Jurisprudência vasta

A jurisprudência do STJ sobre o tema é ampla. Só em 2023, o tribunal anulou provas decorrentes de entrada ilícita em domicílio em pelo menos 959 processos, conforme mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

A Corte já entendeu como ilícita a entrada nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu como ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

O STJ também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.

Por outro lado, a entrada é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.

HC 890.004

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