Opinião

Cláusulas de limitação de responsabilidade: contratos empresariais e de consumo

Autor

  • Beatriz Muminhake da Silva

    é advogada contratualista empresária no mercado jurídico e sócia fundadora do escritório Muminhake Advocacia bacharel em Direito pela Facamp pós-graduada em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil pela Escola Brasileira de Direito e pesquisadora do Grupo Interfaces Jurídicas do Regime de Conformidade da Facamp.

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15 de setembro de 2024, 16h04

Os contratos desempenham papel fundamental na regulação das relações econômicas entre as partes, sejam elas consumidores ou empresários. A limitação de responsabilidade é um tema relevante nesse contexto, pois permite que cada uma das partes estipule previamente o limite de suas responsabilidades nos negócios. Embora essa limitação seja uma prática comum nos contratos, sua aplicação varia significativamente entre contratos de consumo e contratos empresariais.

Reprodução
assinatura de contrato

A cláusula de limitação de responsabilidade nos contratos empresariais baseia-se no princípio da autonomia da vontade, que garante às partes a liberdade de estipular o conteúdo do contrato conforme seus interesses, desde que respeitadas as disposições legais. Nos contratos empresariais, essa liberdade é ampla, visto que as partes são, em regra, paritárias e possuem total expertise para negociar e gerir os riscos envolvidos.

Entretanto, em contratos de consumo, a autonomia da vontade encontra limitações impostas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que visa a proteger o consumidor de abusos contratuais, impondo, entre outras restrições, a nulidade de cláusulas que exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor dos produtos ou serviços, conforme previsto no artigo 51 do CDC.

Nos contratos de consumo, há uma presunção legal de hipossuficiência do consumidor. Ou seja, o consumidor é considerado a parte mais frágil da relação contratual, o que justifica a impossibilidade de aplicação de cláusulas de limitação de responsabilidade. O Código de Defesa do Consumidor, ao prever a nulidade de cláusulas que atenuem ou exonerem a responsabilidade do fornecedor, busca equilibrar a relação de consumo.

Limitação de responsabilidade

Nos remotos casos em que são permitidas cláusulas de limitação de responsabilidade em um contrato de consumo, deverão observar um estrito controle de proporcionalidade e razoabilidade, sob pena de serem declaradas nulas para garantir que o consumidor seja indenizado em caso de prejuízos, evitando que o fornecedor se exima de sua responsabilidade por meio de cláusulas contratuais abusivas.

Além disso, quando tratamos de contratos empresariais, normalmente as partes possuem igualdade de condições, não havendo, em regra, hipossuficiência de uma delas. Nesse contexto, as partes têm maior liberdade para negociar as condições do contrato, incluindo a limitação de responsabilidade, desde que respeitados os princípios gerais do direito contratual, como a boa-fé e a função social do contrato.

Spacca

A jurisprudência brasileira tem-se consolidado no sentido de que, nos contratos empresariais, prevalecem os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças, desde que as partes sejam consideradas paritárias e não haja abuso ou desequilíbrio manifesto. Esse entendimento reforça a importância da liberdade contratual entre empresários, que, em regra, possuem condições de avaliar os riscos envolvidos e negociar cláusulas que atendam aos seus interesses.

O princípio da autonomia da vontade aplicado aos contratos empresariais garante às partes a liberdade de estipular as condições contratuais conforme seus interesses, desde que não contrariem normas de ordem pública. Isso inclui a possibilidade de estipular cláusulas de limitação de responsabilidade, que são amplamente aceitas nesse tipo de contrato.

Função social do contrato deve ser respeitada

Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp 1.989.291, confirmou a legalidade de uma cláusula de limitação de responsabilidade estipulada em contrato entre uma empresa multinacional do ramo de tecnologia e uma companhia brasileira que atuava como sua representante no país.

Segundo o relator ministro Moura Ribeiro, mesmo que a multinacional detivesse posição dominante na relação contratual, a distribuidora era uma empresa de grande porte, que cresceu expressivamente no período da parceria comercial e, portanto, não se pode supor que era vulnerável a ponto de não compreender a cláusula contratual.

Ademais, a função social do contrato também exerce um papel relevante nas relações de consumo, impondo limites à autonomia da vontade das partes, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos do consumidor.

Tanto nos contratos empresariais quanto nos contratos de consumo, a função social do contrato deve ser respeitada. Esse princípio, previsto no artigo 421 do Código Civil, determina que o contrato atenda não apenas aos interesses das partes envolvidas, mas também ao interesse coletivo e à justiça social.

Nos contratos empresariais, embora haja maior liberdade contratual, as cláusulas de limitação de responsabilidade não podem desrespeitar a função social do contrato. Assim, embora as partes possam negociar livremente os termos do contrato, a limitação de responsabilidade não pode ser utilizada como um mecanismo para legitimar o descumprimento de obrigações ou para prejudicar terceiros.

Proteção ao consumidor hipossuficiente

Já nos contratos de consumo, a função social do contrato é aplicada de forma ainda mais rígida, em razão da proteção ao consumidor hipossuficiente. Por essa razão, o CDC impõe restrições severas às cláusulas que possam limitar ou excluir a responsabilidade do fornecedor.

Ainda, cumpre ressaltar que, nos contratos empresariais, a validade da cláusula de limitação de responsabilidade está diretamente relacionada à paridade entre as partes. Como as partes contratantes são consideradas iguais em termos de capacidade econômica e jurídica, possuem a liberdade de estipular suas próprias regras, incluindo a limitação de responsabilidade, desde que observados os princípios gerais do direito contratual, como a boa-fé, a equidade e a função social do contrato.

Em outras palavras, a superioridade econômica de uma parte não é suficiente, por si só, para caracterizar a hipossuficiência da outra parte. Assim, mesmo em contratos de adesão, a cláusula de limitação de responsabilidade pode ser válida.

Conclui-se, portanto, que a limitação de responsabilidade nos contratos empresariais é plenamente válida, uma vez que as partes são consideradas iguais em termos de capacidade econômica e jurídica e possuem a liberdade de ajustar as cláusulas contratuais conforme suas necessidades e expectativas, ao passo que nos contratos de consumo a proteção ao consumidor limita essa liberdade, garantindo a defesa dos seus direitos.

No entanto, no caso dos contratos de consumo, a proteção ao consumidor, parte vulnerável da relação, impõe restrições severas à autonomia da vontade, limitando a possibilidade de estipulação de cláusulas de limitação de responsabilidade.

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  • é advogada contratualista, empresária no mercado jurídico e sócia fundadora do escritório Muminhake Advocacia, bacharel em Direito pela Facamp, pós-graduada em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil pela Escola Brasileira de Direito e pesquisadora do Grupo Interfaces Jurídicas do Regime de Conformidade da Facamp.

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