Prática Trabalhista

Setembro amarelo: cuidados necessários no meio ambiente de trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

    View all posts
  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

    View all posts

12 de setembro de 2024, 10h17

Oficialmente, o marco de 10 de setembro é considerado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, sendo que, ao longo deste mês, são realizadas diversas ações educativas para salvar vidas. Aliás, tal campanha que visa conscientizar e prevenir suicídios ficou conhecida como Setembro Amarelo [1]. A cor amarela, aliás, é usada mundialmente como referência a esse período.

Preocupação com a saúde mental no trabalho

Atualmente, uma das grandes preocupações existentes no mundo do trabalho diz respeito aos cuidados com a saúde mental dos trabalhadores e com o próprio ambiente de trabalho. Nesse diapasão, é fundamental que propague a existência de um local saudável e salubre para a realização das atividades laborativas. Vale lembrar, inclusive, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções e enfermidades[2].

Por certo, em razão da sensibilidade do assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, nesta ConJur [3], razão pela qual agradecemos o contato.

Dados estatísticos

Segundo uma pesquisa realizada pela OMS, em 2019 [4] foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem levar em consideração os milhares casos que não são, como é cediço, notificados, de sorte que se estima, ao menos, a existência de mais de um milhão de ocorrências.

Spacca

No Brasil, os dados se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia [5]. De 2011 a 2017, foram registradas 80.352 mortes por suicídio na população a partir de 10 anos de idade, sendo que 27% foram na faixa etária dos 15 a 29 anos, com destaque para 79% dos casos envolvendo pessoas do sexo masculino. São 13.392 mortes do tipo anualmente no país conforme dados no Ministério da Saúde [6].

Ainda, um estudo recente do ano de 2023 revelou dados alarmantes, tendo em vista que os índices de tentativas suicidas aumentaram em 327% [7], de modo que, no período da pandemia, esse aumento ficou evidente. E, mais, a idade média das pessoas atendidas foi de 31 anos, sendo 66% mulheres [8].

Mais a mais, impende destacar que os dados divulgados pelo 18º Anuário do Fórum de Segurança Pública indicaram um aumento recorde nos casos de suicídios entre os policiais militares no estado de São Paulo em 2023, com um crescimento de 80% em relação ao ano anterior [9].

Noutro giro, um estudo feito por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) provou que a taxa de suicídios entre os jovens cresceu 6% ao ano, no Brasil, entre os anos de 2011 e 2022, conquanto as autolesões tenham aumentado em 29% [10].

Indubitavelmente que o crescimento tecnológico também contribuiu para esse cenário, razão pela qual se exige, de igual sorte, uma atenção quanto à saúde mental dos trabalhadores para o combate e prevenção ao suicídio.

A título de exemplo, no Japão, um médico de 26 anos cometeu suicídio após trabalhar mais de 200 horas em um único mês, cujos familiares, pós essa trágica fatalidade, imploraram por mudanças no país que, culturalmente, é atormentado pelo excesso de trabalho [11].

Lição de especialista

Acerca da temática, oportunos são os ensinamentos de Maria José Giannela Cataldi [12]:

“O psicólogo Craig Brod, que escreveu extensamente sobre o estresse provocado pela cultura do computador, diz que o ritmo mais acelerado do trabalho apenas aumentou a impaciência dos trabalhadores, resultando em níveis sem precedentes de estresse. Em situações no escritório, empregados administrativos ou de serviços se acostumaram a “interfacear” com os computadores e a “acessar” informação à velocidade da luz. Em contraste, formas mais lenta de interação humana se tornam não só cada vez mais intoleráveis como também uma fonte de estresse crescente.

Até o próprio computador está se tornando uma fonte de estresse, na medida que usuários impacientes exigem respostas cada vez mais rápidas. Um estudo concluiu que o tempo de resposta de um computador, de mais de 1,5 segundo, poderia provocar impaciência e estresse no seu usuário. O monitoramento por computador do desempenho do empregado também está causando altos níveis de estresse. O Prof. Brod conta a experiência de uma paciente, Alice, caixa de supermercado. Quando o patrão de Alice instalou as registradoras eletrônicas, embutidas na máquina operadora por computador, havia um computador que “transmite para um terminal central quantos itens cada caixa registrou naquele dia”. Alice não se permite mais o tempo para conversar com clientes, porque isso reduz o número de itens que ela pode passar pelo escaneador eletrônico e pode ameaçar seu emprego.”

Para além do adoecimento por conta do meio ambiente laboral tóxico, acarretado pelo excesso de trabalho, há outros fatores que contribuem para afetar a saúde mental do trabalhador, tal como dificuldades no ambiente organizacional, problemas financeiros, medo de ser substituído ao não atender prontamente as demandas, dentre outros motivos mais.

Spacca

Todos esses elementos podem refletir direta ou indiretamente na saúde mental do trabalhador, desencadeando alguns sintomas, como, por exemplo, irritabilidade excessiva, cansaço descomedido, redução da concentração, alterações e privações do sono, além da perda do prazer em situações que anteriormente eram até então agradáveis.

Aliás, de acordo com uma pesquisa, a quantidade de pessoas afastadas do trabalho por transtornos mentais aumentou em 20% no ano de 2023 [13], ao passo que outro estudo registrou que 87% das empresas afirmaram ter ocorrido algum tipo de afastamento em razão de doenças mentais [14]. A propósito, os transtornos que mais ocasionaram os afastamentos foram a ansiedade, a depressão, o estresse e a “síndrome de burnout”.

Prevenção

Portanto, no meio ambiente de trabalho, necessária se faz a adoção de mecanismos que não só proporcionem um ecossistema laboral harmonioso, como também garanta a proteção à saúde mental do trabalhador.

É preciso que sejam realizadas campanhas, palestras e ações educativas sobre medidas de promoção e prevenção de saúde, conscientizando o trabalhador da importância da manutenção de hábitos saudáveis que irão refletir na sua vida profissional e pessoal.

Não se pode esquecer o cuidado com as normas de higiene, saúde e segurança do trabalho, pois, sem dúvidas, o labor realizado em um local adequado aumenta a qualidade de vida no trabalho.

Conclusão

Em arremate, é importante que haja a criação e a manutenção de um canal de acesso eficaz entre trabalhadores e a empresa, isso para que os empregados identifiquem problemas que podem levar a futuro adoecimento mental, ou, pior, até mesmo a pensamentos suicidas, cujo assunto possa ser levado ao conhecimento de profissionais de saúde especializados e, com isso, serem solucionados prontamente.

E nada obstante o mês de setembro seja dedicado prioritariamente ao estudo sobre o assunto, é imprescindível que tais medidas preventivas sejam realizadas regularmente, com o apoio de especialistas para tratar da temática, afinal, o investimento na prevenção é melhor e mais vantajoso do que os gastos por conta da reparação de danos.

______________________________________

[1] Disponível em https://setembroamarelo.org.br/o-movimento/. Acesso em 10.09.2024.

[2] Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/eu-quero-me-exercitar/noticias/2021/o-que-significa-ter-saude. Acesso em 10.09.2024.

[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[4] Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/anualmente-mais-de-700-mil-pessoas-cometem-suicidio-segundo-oms. Acesso em 10.09.2024.

[5] Disponível em https://www.setembroamarelo.com/. Acesso em 10.09.2024.

[6] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/atencao-a-saude-mental-contribui-para-a-prevencao-ao-suicidio/. Acesso em 10.09.2024

[7] Disponível em https://vocerh.abril.com.br/saude-mental/tentativas-e-pensamentos-de-suicidio-no-trabalho-aumentaram-367-em-2023/mobile. Acesso em 10.09.2024.

[8] Disponível em https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/especial-publicitario/mental-clean/noticia/2023/09/05/tentativas-e-pensamentos-de-suicidio-em-empresas-aumentaram-367percent-em-2023.ghtml. Acesso em 10.09.2024.

[9] Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/07/18/suicidio-entre-pms-na-ativa-bate-recorde-no-estado-de-sp-em-2023-aponta-anuario.ghtml . Acesso em 10.09.2024.

[10] Disponível em https://g1.globo.com/saude/saude-mental/noticia/2024/02/20/taxa-de-suicidio-entre-jovens-aumenta-6percent-ao-ano-no-brasil-entre-2011-e-2022-aponta-estudo-da-fiocruz.ghtml. Acesso em 10.09.2024

[11] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/no-japao-familia-diz-que-jovem-medico-tirou-a-vida-apos-fazer-200-horas-extras-em-um-mes/. Acesso em 10.09.2024.

[12] O stress no meio ambiente do trabalho. 4ª ed. rev., atual. e ampl – São Paulo. Página 41.

[13] Disponível em https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/afastamento-do-trabalho-por-saude-mental-dispara-20-aponta-pesquisa. Acesso em 10.09.2024.

[14] Disponível em https://rhpravoce.com.br/redacao/afastamento-saude-mental-2023/. Acesso em 10.09.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!