judicialização da saúde

STF tem maioria por critérios para fornecer medicamentos não incorporados ao SUS

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9 de setembro de 2024, 15h47

O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta segunda-feira (9/9) para estabelecer critérios sobre os casos excepcionais em que o Poder Judiciário pode determinar o fornecimento de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). O julgamento tem repercussão geral e o término da sessão virtual está previsto para a próxima sexta (13/9).

Pílulas e comprimidos variados.

Judicialização da saúde é um dos principais pontos de atenção do Judiciário

A tese fixada pela maioria dos ministros traz requisitos como negativa administrativa, incapacidade financeira do paciente e medicamento eficaz, seguro, imprescindível e insubstituível. Também foram estipuladas regras a serem seguidas pelos juízes, que precisam, por exemplo, consultar órgãos técnicos.

A corte buscava decidir se e em quais condições o Judiciário deve conceder tais medicamentos aos cidadãos. De início, os debates envolviam apenas medicamentos de alto custo (muitas vezes as unidades têm preços na casa dos milhares ou até milhões de reais, nos casos de doenças raras), mas evoluíram e passaram a abranger quaisquer remédios não incorporados ao SUS.

Também está em discussão no Plenário, em outro recurso extraordinário (RE 1.366.243), a responsabilidade dos entes federativos em ações judiciais sobre o tema e a competência para resolver tais demandas. Nesse outro caso, os ministros decidirão se homologam ou não acordos feitos entre os entes federativos após negociações estipuladas pelo Supremo.

Embora distintos, os julgamentos estão intimamente ligados e foram pautados de forma simultânea para evitar soluções divergentes sobre a mesma questão. O fornecimento de medicamentos é um dos assuntos mais complexos e polêmicos do Judiciário brasileiro, pois afeta dezenas de milhares de processos e tem forte impacto nas contas públicas e decisões do Executivo.

Contexto

O caso tem origem em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte que obrigou o governo potiguar a fornecer um medicamento de alto custo para tratamento de urgência de uma doença cardíaca.

No recurso ao Supremo, o governo estadual argumentou que a decisão afeta o orçamento público e diferencia cidadãos com e sem sentenças do tipo a seu favor.

O julgamento começou em 2016, mas logo foi paralisado, tendo sido retomado apenas em março de 2020. Na ocasião, o STF considerou que não havia mais motivo para discutir o caso concreto, pois o remédio em questão havia sido incluído na lista do SUS.

Mas o caso já tinha repercussão geral e, assim, o julgamento foi mantido para a definição de uma tese. Os ministros Marco Aurélio (relator da matéria, que se aposentou no ano seguinte), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso propuseram diferentes entendimentos.

A corte resolveu estabelecer a tese de repercussão geral em uma sessão posterior naquele mesmo ano, mas ela foi interrompida em agosto por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O RE só voltou a ser pautado na sexta passada (6/9).

Critérios para o fornecimento

Na sessão desta semana, Gilmar e Barroso apresentaram um voto divergente conjunto, que sugere uma tese distinta (mais ampla do que aquela proposta por Barroso em 2020). Até o momento, eles já foram acompanhados pelos ministros Luiz Edson Fachin, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

Segundo a tese, se um medicamento não está nas listas do SUS, não pode ser fornecido por decisão judicial. Mas isso pode acontecer em situações excepcionais, desde que o remédio esteja registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que sejam preenchidos alguns requisitos.

Para eles, o autor da ação deve comprovar que o fornecimento foi negado pelo Estado na via administrativa. Também deve comprovar que não houve pedido para incorporação; que houve pedido, mas a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) está demorando para analisá-lo; ou que a Conitec negou a incorporação de forma ilegal.

O medicamento pleiteado precisa ser imprescindível e insubstituível por outros que estejam nas listas do SUS. O autor ainda deve comprovar a eficácia e a segurança do remédio, além da sua incapacidade de arcar com os custos.

A tese de Gilmar e Barroso ainda traz regras para o Judiciário julgar pedidos do tipo. Os magistrados precisam, por exemplo, analisar a decisão da Conitec ou a negativa de fornecimento pela via administrativa, mas sem intervir no mérito da questão.

Os juízes também devem consultar o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus) sempre que disponível, ou outros entes e pessoas especializados na área da saúde. Eles não poderão tomar decisões com base apenas em prescrições, relatórios ou laudos médicos apresentados pelo autor.

Caso o magistrado autorize o fornecimento do remédio, deverá mandar ofícios aos órgãos competentes para que eles avaliem a possibilidade de incorporação do medicamento ao SUS.

Fundamentação

A tese é fruto dos trabalhos da comissão especial instaurada no julgamento do outro RE relacionado ao tema, composta por representantes dos entes federativos e da sociedade civil. A proposta também absorve boa parte das reflexões das teses sugeridas em 2020 por Barroso e Alexandre.

O voto conjunto explica que os recursos públicos são limitados e que não é viável fornecer todos os medicamentos solicitados: “A judicialização excessiva gera grande prejuízo para as políticas públicas de saúde, comprometendo a organização, a eficiência e a sustentabilidade do SUS”.

Gilmar e Barroso ressaltaram a necessidade de garantir igualdade no acesso à saúde. De acordo com eles, a concessão de medicamentos por decisão judicial “beneficia os litigantes individuais, mas produz efeitos sistêmicos que prejudicam a maioria da população que depende do SUS”.

Os dois ministros ainda destacaram que os juízes e tribunais devem se atentar às análises dos órgãos técnicos, como a Conitec e o NatJus, que têm mais conhecimento e condições para avaliar a eficácia e a segurança de um medicamento ou a existência de um substituto terapêutico. A concessão dos remédios deve se basear “em avaliações técnicas à luz da medicina baseada em evidências”.

O voto do já aposentado ministro Marco Aurélio foi mantido, mas ficou vencido. Ele sugeriu a tese de que o fornecimento de medicamento de alto custo não incluído nas listas do SUS deve ocorrer apenas se o paciente e a família não tiverem capacidade financeira e se o remédio for imprescindível e insubstituível.

Clique aqui para ler o voto de Marco Aurélio
Clique aqui para ler o voto de Gilmar e Barroso
RE 566.471

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