Opinião

Limitações da restrição à saída imotivada de sócios nas sociedades limitadas

Autores

  • Antônio de Pádua Faria Júnior

    é advogado no escritório Pádua Faria Advogados graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet) LLC em Direito Empresarial pelo Insper e mestre em Direito pela Unesp atuante.

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  • Maria Eduarda Oliveira Romeiro

    é advogada no escritório Pádua Faria Advogados graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca e pós-graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

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4 de setembro de 2024, 19h33

É indiscutível que o movimento de formação de uma sociedade ou admissão de um novo sócio em empresa já existente culmina em uma série de atos burocráticos, financeiros e institucionais. Tais movimentações são necessárias e justificadas a partir do momento em que a união de sinergias e recursos se mostra vantajosa para a atividade empresarial a ser desenvolvida, sobretudo nas sociedades limitadas, nas quais a pessoalidade dos sócios é comumente um fator determinante para que empresários se associem em prol de objetivos comuns.

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Sendo assim, é evidente que a saída prematura de um sócio logo após toda a dinâmica inerente à sua entrada ou logo após o recebimento de um investimento feito por outro sócio pode implicar em diversos prejuízos à sociedade e sócios remanescentes. Dessa forma, as cláusulas de restrição à saída imotivada de sócios em sociedades limitadas, inseridas nos contratos sociais e/ou acordos de sócios, desempenham um papel fundamental na manutenção da estabilidade das relações societárias e continuidade das empresas.

A saída imotivada de um sócio pode gerar desequilíbrio e colocar em risco a saúde financeira e operacional da empresa. As cláusulas de restrição têm como principal objetivo limitar a saída de sócios sem uma justificativa válida, como a violação do contrato social, a perda de confiança ou do affectio societatis e outros motivos relevantes.

Liberdade de associação

Importante mencionar que o objetivo principal da utilização desses mecanismos contratuais e societários não é impossibilitar completamente a saída de sócios, até porque tal ato é uma infração ao direito fundamental previsto no artigo 5º inciso XX da Constituição:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”

No mesmo sentido, o artigo 1.029 do Código Civil prevê a possibilidade do sócio em exercer seu direito de retirada a qualquer momento, mediante notificação prévia com 60 dias de antecedência:

“Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”

Motivos da limitação à saída

Ao restringir a saída imotivada, busca-se evitar que a empresa seja prejudicada por uma possível redução súbita de capital ou pela perda de um sócio estratégico, cujas habilidades, contatos, investimentos e demais ativos intangíveis podem ser fundamentais para o desenvolvimento das atividades da sociedade, portanto, é necessário estabelecer e equilibrar os limites entre a legalidade das disposições particulares e as disposições da Lei e Constituição Federal.

Essa alternativa é muito vantajosa nos casos em que algum sócio fundador ou ingressante tenha uma atuação operacional vital para a empresa. Imagine que você é um investidor qualificado que sempre busca diversificar seus ativos e, a partir disso, encontrou uma startup que desenvolveu uma ideia inovadora no mercado.

Spacca

Dessa forma, diante do futuro promissor do negócio e o alinhamento da sinergia com o sócio fundador, detentor de todo o know how e expertise na atividade desenvolvida pela empresa, você decide ingressar como sócio e realizar um investimento mediante um aporte expressivo de capital, calculado com base no potencial de crescimento da empresa, ou seja, o valuation para o investimento está diretamente condicionado ao sócio detentor dos conhecimentos operacionais, sem ele, a empresa vale muito menos do que o valor apurado.

Contudo, alguns meses após a efetivação de todos os trâmites necessários à sua entrada como sócio investidor e respectivo pagamento do aporte de capital avençado, o sócio fundador te comunica a intenção de retirar-se da sociedade após 60 dias contados a partir daquela ocasião, nos termos do artigo 1.029 do Código Civil.

Nesse cenário, em razão da ausência de previsões específicas e detalhadas para a saída de sócios, o respectivo sócio, que desempenhava papel fundamental no desenvolvimento operacional da atividade da sociedade, irá exercer seu direito de retirar-se da empresa e seus respectivos haveres deverão ser pagos em dinheiro à vista em até 90 dias da efetivação da saída.

Nesse contexto, você estará em uma conjuntura extremamente desgastante e danosa, já que, na qualidade de sócio investidor, provavelmente não possuirá o conhecimento necessário para operacionalizar a atividade empresarial desenvolvida pela sociedade, o que vai prejudicar o negócio e consequentemente afetar a lucratividade de forma que a manutenção da empresa fique inviabilizada, tornando o investimento desvantajoso. Respectiva circunstância poderia facilmente ser evitada e/ou amenizada com a elaboração de um contrato social robusto que contivesse as regras/restrições para saída imotivada de sócios.

Tipos de cláusulas

Relativamente às alternativas de restrição, existem diversas formas, dependendo do acordo entre os sócios e das particularidades de cada sociedade. É importante ressaltar que, embora essas cláusulas de restrição sejam permitidas, elas não podem ser abusivas ou contrárias aos princípios do direito societário e contratual.

Cláusulas que proíbem totalmente a saída são problemáticas, justamente porque colidem com o princípio constitucional utilizado para garantir a retirada. Contudo, disposições que impõem condições, prazos e outras restrições parciais a esse direito são uma ótima alternativa.

A restrição a saída imotivada de um sócio em uma sociedade deve ser formalizada através da inclusão de cláusulas específicas no contrato social e/ou no acordo de sócios. As cláusulas podem variar de acordo com os interesses dos sócios e particularidades da relação societária, e alguns dos exemplos a serem implementados para esse objetivo são:

Cláusula de Lock-Up:

Trava a saída de um sócio durante um prazo, limitando a compra e venda da participação societária (cotas) em uma sociedade por determinado período pré-estabelecido. Durante esse período, o sócio não pode se desligar da sociedade sem o consentimento dos outros sócios.

Na cláusula de Lock Up, a saída do sócio fica condicionada a algum tipo de penalização, podendo ser o pagamento de multa/indenização em favor da sociedade ou obrigação da emissão de opção de compra da sua participação por preço previamente fixado.

Cláusula de Compra Forçada:

Prevê a obrigatoriedade de venda das cotas do sócio que deseja sair para os outros sócios ou para a própria sociedade, a um valor ou com base em uma avaliação pré-determinados, geralmente por valores menores do que o real valor de mercado, de modo a desestimular a saída do sócio.

Cláusula de Restrições à Venda:

Limita as condições sob as quais um sócio pode vender sua participação na sociedade, exigindo, por exemplo, que as cotas sejam oferecidas primeiro aos sócios remanescentes antes de serem vendidas a terceiros.

Cláusula de personalização do cálculo de apuração de haveres:

É possível prever diferentes formatos de apuração de haveres de acordo com cada cenário, sendo assim, na hipótese de retirada imotivada de algum sócio, pode ser definido um método, forma de pagamento e correção monetária específicos para essa hipótese, de forma que a saída seja inibida pelo aspecto financeiro menos vantajoso.

Inclusive, em qualquer hipótese de pagamento de haveres é de fundamental importância que o contrato social e/ou o acordo de sócios preveja a possibilidade de parcelamento desse pagamento pois, casa não haja, o pagamento deve ocorrer em parcela única em até 90 (noventa) dias, nos ditames da regra geral do artigo 1.031, §2º do Código Civil.

Referidas cláusulas devem ser elaboradas de forma que sejam refletidos os interesses dos sócios e particularidades inerentes às relações societárias, bem como devem estar em conformidade com a legislação aplicável, para que não haja nenhum óbice em sua aplicação e também para que tenham sua validade mantida caso haja necessidade de judicialização para resolução de algum conflito relativo à saída de sócio.

Visando manter a observância constitucional e legislativa, o propósito principal das cláusulas de restrição de saída de sócios é inibir e desestimular tais saídas precipitadas, assegurando que, caso ocorram, a sociedade e demais sócios não sejam gravemente prejudicados.

Dessa forma, as disposições de restrição devem ser elaboradas observando os princípios de razoabilidade e proporcionalidade para que sejam válidas e eficazes. Por exemplo, caso haja a instituição da cláusula de lock up, é necessário que o documento contenha de forma explicita qual o prazo para permanência e a multa a ser paga em favor da sociedade caso algum sócio se retire antes do referido prazo, cabe ressaltar também que o valor da multa não pode ser arbitrário e exagerado. Em linhas gerais, quanto mais detalhistas e explícitas as cláusulas e condições forem, maiores as chances de resistirem a qualquer questionamento judicial!

Assim sendo, as restrições criadas não podem ser desproporcionais ou excessivamente onerosas, de forma que o sócio seja privado de seu direito constitucional de se desligar da sociedade. Da mesma forma, o Código Civil preza pela equidade e função social dos contratos, ou seja, cláusulas que impõem penalidades excessivas ou períodos de permanência muito longos podem ser consideradas abusivas e, consequentemente, nulas.

Além disso, cabe reiterar que, não obstante ao princípio da autonomia da vontade, que confere aos sócios a liberdade para estipular conforme suas vontades individuais as regras do relacionamento societário, tal autonomia deve ser desempenhada em observância aos ditames legais e éticos sempre. Sendo assim, as cláusulas de restrição devem ser consequência de uma negociação justa, refletindo o equilíbrio entre os interesses da sociedade e dos sócios, com parcimônia.

Adicionalmente, a transparência e clareza na redação das cláusulas são imprescindíveis, de modo que todos os sócios compreendam plenamente as condições impostas para a saída imotivada, evitando a eventual anulabilidade de tais disposições.

Considerações finais

A implementação de cláusulas restritivas bem estruturadas no contrato social e acordo de sócios promovem maior estabilidade e menor rotatividade de sócios, pois viabilizam segurança jurídica e previsibilidade, aspectos essenciais para o planejamento a longo prazo.

Conclui-se, portanto, que as cláusulas de restrição à saída imotivada de sócios em sociedades limitadas são mecanismos valiosos para garantir a continuidade e a estabilidade dessas empresas, protegendo tanto a sociedade quanto os sócios remanescentes. No entanto, tais condições devem ser moderadas e sempre pautadas pelo respeito aos direitos dos sócios e princípios legais aplicáveis. Cláusulas que extrapolam tais limites podem ser invalidadas, tornando-se ineficazes e inaplicáveis, o que exige um equilíbrio cuidadoso entre a proteção dos interesses da sociedade e a observância aos direitos individuais de cada sócio.

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