Multa fixada em colaboração premiada só pode ser cobrada após a sentença condenatória, decide Supremo
2 de setembro de 2024, 21h47
A eficácia do acordo de colaboração premiada homologado depende da sentença penal condenatória do colaborador. É apenas após essa confirmação que a multa eventualmente pactuada entre as partes passa a ser exigível.
Essa conclusão é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que deu provimento ao recurso ajuizado pelo ex-senador Delcídio do Amaral para suspender a cobrança de uma multa combinada com o Ministério Público Federal no âmbito da falecida “lava jato”.
Ao assinar o acordo de colaboração premiada, o ex-parlamentar se comprometeu a pagar R$ 1,5 milhão — 80% para a Petrobras, o resto para a União — a título de indenização pelos danos decorrentes da prática delituosa por ele reconhecida.
A defesa, feita pelos advogados Tracy Reinaldet e Matteus Macedo, pediu ao Supremo a suspensão da ordem de pagamento, tendo em conta que não há sentença condenatória em desfavor do réu até o momento.
A sentença é uma condição do negócio prevista no artigo 4º da Lei 12.850/2013. A delação é firmada entre as partes e homologada por um juiz, se os requisitos legais estiverem atendidos. Na sentença, o julgador deve apreciar os termos do acordo e sua eficácia.
Por maioria de votos, a 2ª Turma concluiu que essa eficácia se subordina à sentença condenatória, incluindo seus respectivos efeitos, como o pagamento da multa para ressarcimento dos danos. O julgamento foi virtual, encerrado na última sexta-feira (30/8).
Prevaleceu o voto divergente do ministro Gilmar Mendes, acompanhado dos ministros Dias Toffoli e Nunes Marques. Para o decano do STF, o caso de Delcídio reverbera a necessidade de se corrigir os rumos da formação e da execução da colaboração premiada.
Isso porque o réu já cumpriu as penas privativas de liberdade e restritiva de direitos. Se é verdade que ele precisa honrar os termos acordados, cabe também ao MP assegurar que os fatos narrados levem ao desfecho de condenação.
“A persecução penal não se exaure na celebração do acordo de colaboração premiada. A antecipação dos efeitos de sentença penal condenatória mediante ato negocial que traduz meio de obtenção de prova escancara as deficiências do aparato estatal persecutório. A opção pela supressão do processo, com todas as suas garantias e consectários, não encontra guarida na legislação conformadora do instituto da colaboração premiada, muito menos na Constituição Federal”, disse Gilmar.
E a sentença?
No voto vencedor, Gilmar explicou que a homologação da proposta de acordo de colaboração premiada serve para fixar os parâmetros para que o magistrado sentenciante possa verificar o grau de cumprimento do que foi combinado.
A sentença, portanto, é o que dá eficácia aos benefícios e às obrigações ali fixados. Conceder eficácia imediata ao acordo levaria o MP a impor ao réu obrigações antecipadas que, ainda que combinadas entre as partes, são nulas de pleno direito.
Para o decano, esse é o caso da multa compensatória, implemento que pressupõe o trânsito em julgado da condenação, nos termos do artigo 91, inciso I, do Código Penal.
“A prevalecer interpretação em sentido contrário, inexistiria qualquer forma de controle judicial sobre a execução do acordo homologado, de modo que não seria possível verificar sua utilidade, efetividade e, ao fim e ao cabo, legalidade”, disse o ministro.
“Tampouco seria possível identificar possíveis situações de avenças celebradas por pessoas inocentes sob pressão estatal ou comportamentos oportunistas de particulares que buscam apenas evadir da persecução penal sem contribuir de maneira eficaz com os agentes estatais”, acrescentou ele.
Precisa pagar já
Ficou vencido o relator, ministro Edson Fachin, acompanhado pelo ministro André Mendonça. Para eles, o acordo estabelece as condições relativas às obrigações pecuniárias sem vinculação ao trânsito em julgado de título condenatório.
“Tanto é assim que há previsão expressa de início do pagamento da multa compensatória em até seis meses a contar da homologação do acordo”, ressaltou Fachin.
Além disso, não há dúvidas de que o colaborador, acompanhado por seus defensores, concordou com a natureza do valor a partir da magnitude dos fatos confessados e também com o momento de quitação.
Na interpretação do relator, a suspensão do pagamento da multa só seria possível se as partes celebrassem termo aditivo ao acordo, revisitando o que já fora combinado.
“A denominada multa compensatória é consectário do acordo de colaboração e o pagamento desses valores compatibiliza-se com o ordenamento jurídico, razão por que a validade da cláusula foi confirmada na homologação judicial”, resumiu Fachin.
Clique aqui para ler o voto do ministro Edson Fachin
Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
Pet 5.952
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!