Fim da fila

Fiança contratada antes da recuperação a ela se submete mesmo se crédito surgiu depois, estabelece STJ

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2 de setembro de 2024, 19h19

O crédito que o fiador tem para receber pelo pagamento da fiança bancária se submete à recuperação judicial do afiançado se a carta de fiança for anterior ao pedido de soerguimento, mesmo que tal pagamento tenha sido feito depois.

homem escreve em documento

Carta fiança foi assinantes da recuperação judicial, mas se transformou em crédito após

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma empresa para submeter à própria recuperação uma dívida decorrente do pagamento de fiança bancária.

Com isso, o banco fiador passa a integrar o quadro geral de credores na classe III, dos créditos quirografários — aqueles que não têm garantia real ou prioridade e que, por isso mesmo, serão os últimos a serem quitados.

O resultado, por maioria de votos, representa uma virada jurisprudencial. Em 2020, a conclusão foi de que os créditos de contratos de fiança bancária gerados após o pedido de recuperação judicial não se sujeitam ao processo de soerguimento.

No fim da fila

No caso, a carta de fiança bancária foi assinada antes da recuperação judicial ser requerida em juízo. Por meio desse documento, o banco fiador garantiu que pagaria uma dívida da empresa (afiançada) em favor de terceiros, caso ela deixasse de honrar com as obrigações.

No fim das contas, o fiador precisou fazer o pagamento em favor do afiançado, mas no momento em que a recuperação judicial já havia sido pedida. Por isso, defendeu que esses créditos não se submeteriam ao plano de soerguimento.

A resolução passa pela interpretação do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), segundo o qual “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.

Prevaleceu a posição do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no sentido de submeter esse crédito à recuperação judicial.

Para ele, a data em que o crédito se tornará exigível é irrelevante para resolver a questão. A relação jurídica de garantia entre as partes nasce com a assinatura da carta de fiança, momento que conta para aplicação do artigo 49 da lei.

“O pagamento feito pelo fiador e a subsequente exigência do valor por ele adimplido estão relacionados com a execução do contrato de fiança e não com sua existência, o que é irrelevante para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial”, disse o magistrado.

Entender de modo diferente, segundo ele, abriria a hipótese em que dois fiadores da mesma dívida poderiam se submeter ou não aos efeitos do processo de soerguimento, a depender da data em que fizeram o pagamento.

Sub-rogação de crédito concursal

O voto vencedor do ministro Villas Bôas Cueva ainda destacou que a sub-rogação do fiador pelo pagamento da dívida também não é suficiente para alterar o marco de inclusão do crédito na recuperação judicial.

Essa sub-rogação é efeito direto previsto no artigo 831 do Código Civil. O fiador, ao quitar a obrigação, assume o lugar do credor, podendo exigir dele o pagamento ao qual foi obrigado a fazer graças à carta de fiança.

Conforme o artigo 349 do Código Civil, com a sub-rogação transferem-se ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias que o credor originário detinha contra o devedor principal e seus fiadores.

Assim, o valor pago pelo fiador, e que agora é exigido por ele do devedor, é o crédito originário, pelo qual ele se comprometeu quando firmou o contrato de fiança.

“Se o credor originário tinha um crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, é isso o que ele tem a transferir ao sub-rogado”, concluiu o relator. Logo, a ele se transfere um crédito sujeito à recuperação judicial, pois anterior ao seu pedido.

Não é bem assim

Formaram a maioria com o relator os ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Humberto Martins. Abriu a divergência e ficou vencida a ministra Nancy Andrighi.

Para ela, o crédito passível de ser perseguido pelo fiador em face do afiançado somente se constitui a partir do momento em que a fiança é paga. Esse é o fato gerador, o marco temporal para aplicação do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências.

Isso porque a pretensão do credor em relação ao fiador apenas passa a existir se e quando ficar configurada a inadimplência do devedor-afiançado.

“A condição de credor somente pode ser atribuída a alguém a partir do momento em que esse alguém seja titular de um crédito em face de outrem. Não existe credor se não existir crédito”, apontou a ministra Nancy.

Portanto, se na data do pedido de recuperação judicial o banco fiador não era titular de créditos contra a empresa recuperanda, não há como submete-lo aos efeitos do processo de soerguimento.

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REsp 2.123.959

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