Demissão de servidores públicos por intermédio de ação popular: aplicação do artigo 15 da Lei nº 4.717/65
31 de outubro de 2024, 11h20
A Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/65) foi instituída para assegurar ao cidadão o direito de controle dos atos administrativos que atentam contra o patrimônio público. Desde sua promulgação, a sociedade brasileira evoluiu, assim como as demandas por mecanismos de controle de atos administrativos, no combate à corrupção e responsabilização de desvios funcionais.
Nesse contexto, o artigo 15 da Lei de Ação Popular adquire relevância por permitir ao Judiciário determinar a aplicação de sanções a agentes públicos que transgridam normas disciplinares ou penais, especialmente em casos de atos de improbidade ou de crimes contra a administração. Então, qual a importância, os desafios de aplicação e a necessidade de reforma da norma para acompanhar as exigências do cenário atual?
Necessidade de atualização da Lei de Ação Popular
Promulgada em 1965, a Lei de Ação Popular reflete um contexto jurídico e social que necessita de adaptação às demandas contemporâneas de controle social e fortalecimento da integridade administrativa. O artigo 15 surge como um dispositivo de combate a práticas lesivas ao patrimônio público, mas sua interpretação ainda demanda alinhamento com novos paradigmas, como o combate à corrupção, ao desvio de finalidade e a outras irregularidades funcionais.
A modernização da legislação poderia ampliar o rol de atos lesivos à administração e prever meios mais eficazes para garantir transparência, economicidade e moralidade, e ainda assegurar uma abordagem preventiva ao invés de reativa.
Análise do artigo 15 da Lei de Ação Popular
Função e alcance do artigo 15
O artigo 15 dispõe que “se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática de falta disciplinar a que a lei comine a pena de demissão ou a de rescisão de contrato de trabalho, o juiz, ‘ex officio’, determinará a remessa de cópia autenticada das peças necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção”.
Trata-se de um mecanismo que assegura a punição de agentes públicos, sem discricionariedade administrativa para evitar a penalidade quando esta é comprovada judicialmente. Em resumo, o artigo 15 torna o Judiciário responsável pela comunicação compulsória de atos lesivos e fixa uma obrigação de fazer para que os administradores apliquem as sanções cabíveis, em especial a demissão, como resposta às condutas lesivas ao patrimônio público.
Compatibilidade com a Constituição de 1988
Com a promulgação da Constituição de 1988, toda legislação infraconstitucional anterior passou pelo que a doutrina chama de “filtragem constitucional” — um processo que verifica a compatibilidade material da norma com a nova ordem constitucional. Nesse sentido, o artigo 15 da Lei de Ação Popular é compatível com a Constituição, especialmente com os princípios da moralidade e da eficiência, previstos no artigo 37, caput.
Esses princípios refletem a missão de preservação da integridade da administração e corroboram a constitucionalidade do dispositivo, que evita que atos lesivos fiquem impunes. A separação dos Poderes também se mantém preservada, pois o artigo 15 enquadra-se na estrutura de freios e contrapesos ao permitir que o Judiciário interfira para corrigir ilegalidades e omissões graves do Executivo.
Jurisprudência e a subutilização do artigo 15
Apesar de ser um dispositivo que visa à correção de desvios administrativos, o artigo 15 ainda é pouco utilizado. Ao analisar o acervo de jurisprudência, nota-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) raramente o aplicam. No entanto, é importante ressaltar que o dispositivo não foi revogado e permanece válido no ordenamento jurídico brasileiro, sugerindo que poderia ser mais explorado pelo Judiciário como uma ferramenta de combate aos desvios e atos lesivos ao patrimônio público.
Essa subutilização pode ser atribuída à falta de familiaridade dos operadores jurídicos com o mecanismo, o que limita seu alcance e impacto na preservação da moralidade administrativa.
Subutilização do artigo 15: questões estruturais e cultura de controle judicial
A baixa utilização do artigo 15 revela questões estruturais e culturais do sistema jurídico brasileiro. Uma delas é a cultura de autocontenção judicial, que evita a intervenção direta do Judiciário em decisões administrativas, especialmente as que envolvem sanções graves, como a demissão.
Esse contexto limita o Judiciário em seu papel de controlador dos atos administrativos, principalmente nas ações populares, que historicamente encontram resistência em sua aplicação prática. Assim, o artigo 15 exige não apenas familiaridade técnica, mas também incentivo cultural e jurídico para que o Judiciário reconheça e utilize as ações populares como mecanismos legítimos e eficazes de proteção ao patrimônio público.
Para obter um panorama mais claro, seria oportuno observar dados sobre as ações populares ajuizadas e os temas mais abordados, permitindo uma análise sobre o aproveitamento do artigo 15 no combate a desvios administrativos. A maior divulgação e capacitação de operadores jurídicos sobre o tema, além da implementação de programas de formação em controle administrativo, também contribuiriam para tornar o dispositivo mais acessível e efetivo.
Controle social e efetividade da ação popular
Embora a Lei de Ação Popular formalmente garanta ao cidadão o direito de ajuizar ações contra atos administrativos lesivos, a ação enfrenta barreiras práticas que limitam seu uso e eficácia. O exercício desse direito exige conhecimento técnico, recursos financeiros e capacidade de manejar a complexidade processual, fatores que acabam desestimulando o cidadão médio. A doutrina crítica ressalta que, embora o direito de questionamento exista, sua efetividade como controle social depende de condições que ultrapassam a garantia legislativa.
Essa dificuldade de acesso pode tornar a ação popular pouco efetiva, impedindo que os cidadãos exerçam um papel ativo na fiscalização da administração. Em comparação a outros sistemas jurídicos, observa-se que o sucesso das ações populares está associado à existência de infraestrutura jurídica que permita ao cidadão atuar com apoio técnico e financeiro. Para potencializar o uso do artigo 15, o Brasil poderia considerar a criação de fundos de apoio para judicialização de ações populares e programas de assessoria jurídica gratuita para casos de interesse público, permitindo que a ação popular cumpra seu papel como instrumento de fortalecimento da cidadania.
Conclusão
O artigo 15 da Lei de Ação Popular representa um avanço para o controle cidadão sobre a administração pública, mas enfrenta desafios quanto à sua efetiva aplicação. O dispositivo reflete a preocupação com a moralidade pública e o combate a práticas ilegais na gestão de recursos. Para evitar que a norma se torne letra morta, é essencial que cidadãos, órgãos de controle e o próprio Judiciário estejam mais atentos à sua aplicação.
A utilização efetiva do artigo 15 fortaleceria o controle social e permitiria o afastamento de servidores públicos que cometem desvios funcionais, protegendo o patrimônio público e promovendo o cumprimento dos princípios constitucionais da moralidade e eficiência.
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Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2020.
MEIRELLES, Hely Lopes. WALD, Arnoldo. MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Ação Popular e sua Lei Regulamentadora. Disponível em https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=ODQ0OA%2C%2C, acessado em 29/10/2024.
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