A EC 103/19 não proibiu a reversão da cota-parte na pensão por morte
29 de outubro de 2024, 9h17
A confusão conceitual entre “cota por dependente” e “cota por rateio” feita no artigo 371 da Instrução Normativa nº 128/2022 do INSS não tem amparo no texto constitucional.
Para reduzir o valor da pensão por morte foi introduzida uma regra de proporcionalidade com a Emenda Constitucional nº 103/2019 em seu artigo 23 ora reproduzido.
Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
§ 1º As cotas por dependente cessarão com a perda dessa qualidade e não serão reversíveis aos demais dependentes, preservado o valor de 100% (cem por cento) da pensão por morte quando o número de dependentes remanescente for igual ou superior a 5 (cinco).
§ 2º Na hipótese de existir dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, o valor da pensão por morte de que trata o caput será equivalente a:
I – 100% (cem por cento) da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, até o limite máximo de benefícios do Regime Geral de Previdência Social; e
II – uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento), para o valor que supere o limite máximo de benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
§ 3º Quando não houver mais dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, o valor da pensão será recalculado na forma do disposto no caput e no § 1º.
§ 4º O tempo de duração da pensão por morte e das cotas individuais por dependente até a perda dessa qualidade, o rol de dependentes e sua qualificação e as condições necessárias para enquadramento serão aqueles estabelecidos na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
§ 5º Para o dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, sua condição pode ser reconhecida previamente ao óbito do segurado, por meio de avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, observada revisão periódica na forma da legislação.
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.
§ 7º As regras sobre pensão previstas neste artigo e na legislação vigente na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderão ser alteradas na forma da lei para o Regime Geral de Previdência Social e para o regime próprio de previdência social da União.
§ 8º Aplicam-se às pensões concedidas aos dependentes de servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social.
A fórmula é simples: a renda mensal inicial da pensão por morte corresponderá a um valor proporcional da aposentadoria recebida pelo instituidor, de acordo com o número de beneficiários.
60% – 1 dependente – 60% para o pensionista
70% – 2 dependentes – 35% para cada pensionista
80% – 3 dependentes – 26,6% para cada pensionista
90% – 4 dependentes – 22,5% para cada pensionista
100% – 5 dependentes – 20% para cada pensionista
100% – mais de 5 dependentes ou dependente inválido – percentuais variáveis
Redução de dependentes
Quando há diminuição do número de dependentes, é obrigatório o recálculo da renda conforme a correspondência acima. Esse é o sentido de não serem reversíveis as cotas por dependente. Claro que o percentual será mantido em 100% quando permanecer igual ou superior a cinco o número de pensionistas, uma vez que não se trata de fato de reversão de cota mas sim de adequação à tabela acima.
Nada disso tem qualquer relação com o rateio entre pensionistas previsto nas diferentes redações do artigo 77 da Lei nº 8.213/1991. Uma coisa é o cálculo da renda mensal, outra coisa é a divisão em partes iguais. Nem mesmo do ponto de vista estritamente matemático é possível qualquer confusão, pois é certo que nenhum dependente receberá apenas 10% do valor da pensão — o que somente ocorrerá se houver exatamente 10 dependentes habilitados ao benefício.
Uma vez que o rateio entre dependentes sempre se dá em partes iguais, o que s pode fazer para conjugar as duas regras é considerar que cada dependente tem direito a um quinhão da cota familiar de 50% mais 10% por ser dependente. Porém, essa equivalência não mais permanece quando a quantidade de dependentes é maior que cinco. Vejamos:
60% – 1 dependente (60% – 50% da cota familiar + 10% da cota para o único pensionista)
70% – 2 dependentes (35% para cada – 25% da cota familiar + 10% para cada um)
80% – 3 dependentes (26,6 % para cada – 16,6% da cota familiar + 10% para cada um)
90% – 4 dependentes (22,5% para cada – 12,5% da cota familiar + 10% para cada um)
100% – 5 dependentes (20% para cada – 10% da cota familiar + 10% para cada um)
Mas não é necessária tal complicação, basta considerar a tabela anterior para o cálculo da renda e sempre fazer o rateio em partes iguais.
De todo modo, a se adotar a fórmula da segunda tabela, fica claro que havendo a redução de dois dependentes para apenas um, o beneficiário remanescente passará a receber 60%. Isso porque a cota familiar é fixa em 50%, não é reduzida de acordo com a quantidade de pensionistas. Por nenhum método é atingido o absurdo de se pensar que nessa situação o beneficiário remanescente terá sua cota mantida em 35%, o que inclusive desrespeitaria o mandato de recálculo da renda do benefício com a extinção da cota de outro dependente.
Risco de injustiças
Além disso, não estariam contempladas as situações em que há mais de cinco beneficiários ou a regra especial de quando houver dependente com deficiência grave.
Assim, resta evidente que não tem amparo no texto da emenda constitucional o artigo 371 da Instrução Normativa nº 128/2022 do INSS. Ora, na hipótese do inciso II o valor mensal da pensão por morte será de 100% do valor da aposentadoria, por força do artigo 75 da Lei de Benefícios. E, em se tratando da situação do inciso I o que deve ser observada é a nova regra de cálculo da renda — que prevê diminuição percentual correspondente à diminuição de beneficiários —, permanecendo hígida a previsão do § 1º do artigo 77 da mesma lei de que “reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar”.
Art. 371. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos os dependentes, em partes iguais, observando-se:
I – para os óbitos ocorridos a partir de 14 de novembro de 2019, data posterior à publicação da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, as cotas individuais cessadas não serão revertidas aos demais dependentes; e
II – para os óbitos ocorridos até 13 de novembro de 2019, data da publicação da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, as cotas cessadas serão revertidas aos demais dependentes.
Além disso, a aplicação do regramento do INSS pode conduzir a injustiças e perplexidades. Por exemplo, enquanto um cônjuge com mais de 44 anos terá garantida a pensão no percentual de 60% até seu falecimento, se essa mesma pessoa possuísse um filho de 20 anos na data do óbito do instituidor, a família receberia 70% do valor da aposentadoria por apenas um ano. E, posteriormente, o esposo sobrevivente perceberia o benefício apenas na proporção de 35% do valor instituído! Ou seja, quem tem menos dependentes seria mais contemplado com a proteção previdenciária, o que é uma leitura absurda do texto legal.
Isso é suficiente para afastar a interpretação pretendida pela administração pública que é extremamente desfavorável ao pensionista. Ainda assim, podemos avançar e tentar entender a origem da literal confusão.
Inovação é retrocesso
A regra trazida pela Emenda Constitucional nº 103/2019 não é inédita e pode ser encontrada, por exemplo, na Consolidação das Leis da Previdência Social, como no artigo 48 do anexo do Decreto nº 89.312/1984 ou no artigo 56 do Decreto nº 89.312/1976. Disposição semelhante constava da redação original do artigo 75 da Lei nº 8.213/1991.
Pode-se afirmar que a inovação é literalmente um retrocesso, ainda que a inconstitucionalidade do dispositivo tenha sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 7051.
A indicação desses textos precedentes, antigos, serve também para entender que o legislador tinha a expectativa de que a pensão seria percebida por um só núcleo familiar, não sendo dada importância à possibilidade de rateio de cotas.
É fácil imaginar que tal previsão fosse muito mais acertada na época da edição desses diplomas do que a partir da Lei nº 8.213/1991. Isso explica, por exemplo, a existência de regra mais favorável quando houver dependente inválido. Enquanto é plenamente razoável que não haja redução proporcional nesse caso que merece especial proteção previdenciária, pouco sentido faz que um núcleo familiar distinto também seja beneficiado, como forçosamente ocorrerá com as regras atuais.
Enfim, confundir a cota por dependente com a cota-parte por rateio não só não tem nenhum amparo nos textos legais, como também ignora o objetivo do cálculo proporcional do valor do pensão, prejudicando de forma extrema os pensionistas nos cada vez mais variados arranjos familiares presentes em nossa sociedade.
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