AMBIENTE JURÍDICO

Mudanças climáticas: o relatório da ONU desta semana

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27 de outubro de 2024, 8h00

No último ano, na COP-28, em Dubai, participei de vários debates e painéis, mas o que mais chamou a atenção foi a postura retórica dos líderes mundiais em formular o compromisso de abandonar os combustíveis fósseis. Todavia, passado um ano, os países não fizeram qualquer progresso na redução das emissões dos gases de efeito estufa e na adoção de medidas de combate ao aquecimento global, de acordo com o Emissions Gap Report 2024 divulgado pela ONU nesta semana.1

Bem ao contrário do que foi prometido nos Emirados Árabes Unidos pelos players globais, as emissões de gases de efeito estufa bateram o sinistro recorde de 57 gigatoneladas e esta tendência não deve ser revertida nesta década, de acordo com os minuciosos dados do relatório que merece ser lido com muita atenção e respeito.

Os países têm adotado uma postura letárgica em reduzir o uso do petróleo, do gás e do carvão, o que é um claro indicativo de que os objetivos assumidos em Paris, no ano de 2015, durante a COP 21, lamentavelmente não serão atingidos no ano de 2100. Não são poucas e tampouco desprezíveis as evidências neste sentido.

Spacca
A omissão da elite política e econômica mundial no sentido da descarbonização profunda da economia fica evidenciada no relatório, o que tira a esperança de boa parte da comunidade científica, da cidadania global e até dos nossos jovens.

Em poucas semanas, as nações representadas por seus corpos diplomáticos novamente estarão reunidas em outra COP, agora em Baku, no Azerbaijão, para os necessários debates e negociações climáticas no âmbito da ONU, em que serão discutidas medidas para acelerar e intensificar o combate às causas antrópicas da mudança do clima, assim como novas medidas de adaptação e de resiliência.

Inegavelmente, a resistência de grupos políticos conservadores e dos detentores do capital poluente é uma barreira quase intransponível para negociações que coloquem a economia das nações no rumo do desenvolvimento ecologicamente sustentável, e que esteja calcado em sólidos pilares de boa governança, de tutela ambiental, de inclusão social e de desenvolvimento econômico com matrizes energéticas renováveis.

Não se pode negar que fontes de energias renováveis, notadamente a eólica e a solar, estão crescendo rapidamente em todos os continentes mas, por outro lado, a demanda por eletricidade tem demonstrado um aumento galopante2, embalado pela falta de educação climática e ambiental que esbarra também em um sério problema ético e de princípios morais apriorísticos. Por consequência, as contas nas emissões de carbono não fecham, e este aumento tem sido anual e progressivo.

O cenário político internacional também não contribui para uma ação colaborativa e de cooperação na busca da neutralidade nas emissões até 2075, claros exemplos desta instabilidade são a malsinada e histórica rivalidade dos Estados Unidos e da China, os conflitos entre Rússia e Ucrânia e, ainda, a guerra em Gaza.

Os países ricos também têm violado o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, ao descumprirem promessas de ajudar as nações pobres financeira e tecnologicamente para que estas possam se emancipar dos combustíveis fósseis e promover a transição energética.

Assisti, repito, de modo francamente cético as negociações climáticas do ano passado em Dubai, com o passar dos anos não nos surpreendemos mais, e deixamos a ingenuidade de lado. Pareceu-me um exagero retórico dos países, que agora se comprova, a adoção de um compromisso para uma transição para longe dos combustíveis fósseis e, especialmente, para a aceleração da ação climática nesta década.

O acordo foi por demais vago sobre a concretização das metas e não especificou como se dariam as medidas de implementação e a divisão de atribuição das nações para o combate às emissões. Outro ponto que ficou evidenciado é que não existe acompanhamento e fiscalização efetiva sobre os países no cumprimento de suas metas de corte de emissões.

O novo relatório da ONU conclui que pelo menos 151 países se comprometeram formalmente, como estabelecido na COP 21, em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa até 2030. Se todos os países cumprissem seus planos declarados, as emissões globais de gases de efeito estufa seriam de 3% a 11% menores no final desta década em relação aos dias atuais.

Mas isso ainda colocaria a Terra no caminho para aquecer em uma média de aproximadamente 2,6 a 2,8 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais até o final do século. O planeta já aqueceu aproximadamente 1,3 grau Celsius. Isso pode não parecer muito, mas cada fração de grau de aquecimento aumenta os riscos de ondas de calor mortais, incêndios florestais, secas, tempestades (como as ocorridas no Rio Grande do Sul) e extinção de espécies.

Na COP21, os países líderes mundiais se comprometeram em manter o aquecimento global bem abaixo de 2 graus Celsius, e de preferência mais próximo de 1,5 grau Celsius, para limitar os riscos de catástrofes climáticas.

As políticas públicas atuais, de acordo com o relatório, não estão chegando nem perto de atingirem essas metas. Para permanecer abaixo de 2 graus Celsius, as emissões globais precisariam diminuir cerca de 28% até 2030 e, para permanecer em 1,5 grau Celsius, as emissões globais precisariam cair cerca de 43%, exigindo a mudança rápida dos padrões energéticos do planeta.

No ano passado, apenas Madagascar apresentou uma nova e forte promessa de reduzir as emissões até 2030, apesar das exortações de autoridades das Nações Unidas para que todos os países reforçassem seus planos. E a cada ano que passa sem ação adicional, os cortes necessários para manter o aquecimento nesses níveis baixos se tornam mais extremos.

Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em boa hora, disse que “é importante que as nações acelerem seus esforços para reduzir as emissões e manter o aquecimento o mais baixo possível.Mesmo que o mundo ultrapasse 1,5 grau Celsius, e as chances de isso acontecer estejam aumentando a cada dia, precisamos continuar nos esforçando para reduzir as emissões a zero o mais rápido possível. Cada fração de grau evitada conta em termos de vidas salvas, economias protegidas, danos evitados, biodiversidade conservada.”3

No próximo ano, espera-se que os países apresentem novas metas formais para redução de emissões até 2035. Resta saber quão ambiciosas essas metas serão e se os países tomarão medidas concretas para cumpri-las. Um dos grandes tópicos nas negociações climáticas em Baku serão os recursos financeiros.

Durante anos, países em desenvolvimento disseram que estariam dispostos a acelerar os esforços para cortar emissões se recebessem assistência financeira dos países ricos. De acordo com o relatório da ONU, cortar as emissões globais para zero pode exigir um investimento global extra de US$ 900 bilhões a US$ 1,2 trilhão por ano. Esse valor, segundo o relatório, é substancial, mas também administrável no contexto mais amplo da economia global e dos mercados financeiros, avaliados em cerca de US$ 110 trilhões.

É necessário romper com a linguagem carregada e o emprego da retórica desmedida para o combate ao aquecimento global, é preciso ética e vontade política para implementar a descarbonização da economia e para que os compromissos assumidos em Paris, no ano de 2015, sejam cumpridos em benefício das presentes e futuras gerações de seres humanos e não humanos.

1 https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2024

2 https://www.nytimes.com/2024/10/16/climate/global-demand-electricity-rising.html

3 https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2024

Autores

  • é juiz federal, professor do PPG e Escola de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Escola Superior da Magistratura Federal. Pós-doutor, doutor e mestre em Direito, visiting scholar pela Columbia Law School e pela Universität Heidelberg, integrante da IUCN World Comission on Environmental Law (WCEL), vice-presidente do Instituto O Direito Por um Planeta Verde e ex-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).

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