contrário às provas

Embriaguez do condutor, por si só, não basta para dolo eventual, diz STJ

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27 de outubro de 2024, 7h31

O fato de o acusado encontrar-se embriagado quando dirigia o veículo que atingiu as vítimas, por si só, não justifica a imputação de dolo eventual, nem serve para lastrear a condenação pelo Tribunal do Júri.

Acidente em 2008 foi causado por motorista embriagado

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou a condenação de um homem acusado de homicídio doloso ocorrido em 2008, em Florianópolis.

O réu conduzia seu carro embriagado por volta das 7h40 da manhã quando atingiu dois atletas de triatlo, que praticavam ciclismo em uma rodovia, e fugiu do local. Um deles morreu, o outro ficou severamente ferido.

A discussão no STJ envolve definir se a condenação pelo Tribunal do Júri, que foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, foi manifestamente contrária às provas dos autos.

E isso passa pela definição do dolo eventual do motorista embriagado — quando o agente não busca diretamente o resultado de causar a morte, mas aceita ou é indiferente à sua ocorrência.

Definir se há dolo eventual ou não é função dos jurados, que não precisam justificar a própria decisão, mas devem embasá-las pelas provas produzidas.

A acusação sustentou a ocorrência de dolo eventual pela embriaguez do motorista, a velocidade excessiva do veículo, o fato de o acidente ocorrer no acostamento da rodovia e a fuga do local dos fatos.

O problema é que há laudo pericial que contraria a versão sobre o local do acidente. Além disso, segundo o processo, não há provas de que a velocidade era excessiva no momento do impacto.

Nesse cenário, o ministro Ribeiro Dantas entendeu que a conclusão dos jurados foi contrária à prova dos autos e foi acompanhado por maioria de votos. O colegiado anulou a condenação e determinou a realização de um novo Júri.

Só a embriaguez

Para o relator, se o único elemento incontroverso é a embriaguez do motorista, e não há como sustentar a ocorrência do dolo eventual somente com base nesse fato.

O acórdão do TJ-SC reconhece que não foi produzida prova pericial sobre a velocidade do motorista. Ainda assim, concluiu que a velocidade era alta porque não houve frenagem, o motorista invadiu a pista contrária ao acertar as vítimas e o local tinha boa visibilidade.

Segundo o ministro Ribeiro Dantas, é possível que o carro estivesse em alta velocidade e também que isso tenha ocorrido devido à embriaguez do réu, mas a opção por uma ou outra versão precisa estar amparada em provas, o que não ocorreu.

Em vez disso, o acórdão afirma que os fatos que demonstram o dolo não podem ser considerados individualmente, porque as provas indicariam globalmente o dolo eventual.

“Essa forma holística de raciocínio probatório ignora que, no processo penal, cada fato, cada elemento do crime precisa ter suporte específico nas provas, sendo inviável presumir a comprovação de quaisquer deles — mesmo na falta de provas específicas a seu respeito — apenas porque fazem sentido ou não divergem de outras provas já existentes.”

Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik defendeu que a inferência do dolo eventual em situações de embriaguez ao volante seja feita com extrema cautela. “Não pode ser presumido com base em indícios frágeis ou em meras conjecturas”, disse.

Formaram a maioria com eles os ministros Messod Azulay Neto e Reynaldo Soares da Fonseca.

Não há como saber

Abriu a divergência e ficou vencida a ministra Daniela Teixeira, que votou por não conhecer do recurso especial. Para ela, não é possível anular a deliberação dos jurados porque eles não precisam justificar a decisão tomada.

Assim, o afastamento da tese de excesso de velocidade e de acidente no acostamento pelo laudo pericial não retira deles a possibilidade de se apoiar nos demais elementos probatórios que gravitam em torno da tese.

“Podem ter se apoiado em algum, alguns ou todos estes elementos para formar sua íntima convicção o que, todavia, não é possível se apurar neste momento, justamente porque, como quis o constituinte, sua convicção é íntima e deve ser preservada e respeitada em sede recursal”, disse.

Para a ministra Daniela, anular o júri significaria atrelar a imagem do STJ a uma péssima mensagem de leniência a hipóteses similares, abalando o efeito das leis que visam coibir o uso de álcool no trânsito.

AREsp 2.519.852

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