O Direito é Público

Nobel de Economia está redefinindo olhar da Justiça através da análise econômica do Direito

Autor

  • Marcela Bocayuva

    é advogada mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT) certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago) estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

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26 de outubro de 2024, 8h00

O Prêmio Nobel de Economia de 2024 reflete uma tendência crescente: a integração de conceitos econômicos na interpretação e aplicação do Direito. Esta conexão, formalizada em ferramentas como a análise econômica do Direito, tem potencial para transformar o sistema jurídico, oferecendo uma abordagem pragmática que busca a eficiência à luz de conceitos jurídicos.

Nesse sentido, os economistas Daron Acemoglu, acadêmico turco-americano e Simon Johnson, britânico, ambos professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge, nos Estados Unidos, juntamente com James A. Robinson, professor britânico da Universidade de Chicago, foram contemplados com o último Prêmio Nobel de Economia, em razão de contribuições significativas prestadas à humanidade por meio de seus trabalhos.

Segundo a Real Academia de Ciências da Suécia, os laureados procederam a pesquisas no âmbito da análise econômica para compreender os motivos pelos quais é possível identificar tamanhas disparidades em termos de prosperidade entre as diferentes nações no mundo e, por conseguinte, inauguraram uma mudança de paradigma na área ao proporem novas abordagens acerca da temática das desigualdades sociais.

A pesquisa partiu da premissa segundo a qual “20% dos países mais ricos do mundo são 30 vezes mais ricos que o 20% mais pobres”. Observou-se que, ainda que os chamados países em desenvolvimento venham ao longo dos anos aumentando a sua riqueza, a disparidade de renda entre os mais ricos e os mais pobres é uma realidade persistente.

A solução encontrada reside no fortalecimento da economia dos chamados países em desenvolvimento, no recrudescimento de medidas de estímulo a uma economia inclusiva e na criação de empregos para as classes médias, para além dos já existentes programas sociais direcionados às classes menos favorecidas.

A referida conclusão pode ser observada em um caso real, a cidade de Nogales, a qual é dividida entre os territórios do México e dos Estados Unidos. E, por alguma razão, o lado americano da cidade é mais próspero. Isso se dá porque o sistema econômico adotado pelos EUA oferece aos residentes do norte da fronteira mais oportunidades, acesso à educação e a profissões diversas, além de permitir ampla participação no sistema político, o que lhes confere direitos voltados ao exercício da cidadania. A parte ao sul da fronteira, por outro lado, encontra maiores obstáculos quanto ao sistema político, o que acaba por limitar o potencial de influência de seus cidadãos sobre a legislação.

O estudo demonstrou que as divergências não recaem nos fatores localização geográfica, cultura ou educação, mas na conduta das instituições de cada nação. Desse modo, a consolidação de leis e órgãos inclusivos representa, a longo prazo, maiores benefícios para o crescimento econômico interno, de forma mais abrangente e menos concentrada aos grupos detentores de cargos de poder.

Tal modelo ideal de instituição está intrinsecamente relacionado com um regime democrático. Em virtude disso, foi mencionado no estudo que os países que se democratizam após um regime absolutista, tirânico ou autocrático crescem, em média, o equivalente a nove anos mais rápido do que os regimes não democráticos.

Marcela Bocayuva, advogada

Para tanto, há que se manter um equilíbrio entre liberdade e interferência do Estado. Modelo este que pode ser concretizado por meio da adoção de um mercado e de Estado inclusivos, baseados na existência de serviços públicos e de medidas estatais que apoiem o desenvolvimento econômico e criem condições de concorrência equitativas, auxílio aos menos favorecidos e a tomada de decisões para solucionar conflitos, de modo a propiciar que as pessoas progridam em suas profissões e possam exercer sua criatividade.

Destaca-se que uma economia que não se baseia nas oscilações dos mercados e, portanto, não é descentralizada em nenhum nível, poderá ser a causa da ruína de um sistema democrático, porque o poder político restará concentrado nas mãos de quem detém o poder econômico. Sob outra perspectiva, um Estado atuante como facilitador é importante para balizar e compensar as desigualdades criadas pelas oscilações de mercado, porém, deve ser controlado.

Daron Acemoğlu, em sua obra The Narrow Corridor, prega pelo equilíbrio, aduzindo que o corredor que leva à consolidação da democracia é estreito, porquanto, para os cidadãos, um Estado forte é tão perigoso quanto um Estado fraco. Ao longo da história, diferentes escolhas levaram o avanço tecnológico a servir aos interesses das elites ou na direção contrária, a um crescimento inclusivo.

E, por fim, atesta que os EUA e o Brasil têm muito em comum, no sentido de serem nações compostas por uma sociedade multifacetada e heterogênea. A análise econômica, então, serve ao propósito de identificar essa diversidade interna e, a partir do produto de suas análises, criar de forma pragmática, a partir de dados observados na realidade, o aumento de oportunidades para o bem-estar social simultaneamente com resultados econômicos satisfatórios no contexto dessa diversidade e o aperfeiçoamento dos sistemas políticos e de justiça.

Assim, sabe-se que implantar um regime democrático é um desafio considerável para além de um documento formal que ateste a sua adoção como o fundamento político de uma nação.

Análise econômica do Direito: além da teoria

A análise econômica do Direito (AED ou “Law and Economics”) emerge como uma ferramenta poderosa ao examinar os efeitos e a eficiência das normas jurídicas. Ela se baseia em princípios econômicos para entender como indivíduos e instituições respondem às leis e incentivos, buscando prever comportamentos e aprimorar a formulação de políticas públicas. Essa visão ganha ainda mais relevância quando respaldada por estudos laureados pelo Nobel, que fornecem dados e metodologias que embasam decisões judiciais e políticas públicas.

Ao usar a análise econômica, o Direito se torna mais do que um conjunto de regras; transforma-se em um mecanismo de incentivo e dissuasão, capaz de moldar comportamentos de maneira previsível e mensurável. Para legisladores e juristas, a abordagem econômica permite avaliar o impacto e a eficácia das leis com maior precisão, possibilitando que o sistema jurídico responda a problemas sociais e econômicos com soluções sustentáveis. O ganho para as políticas públicas é inegável: leis podem ser formuladas e ajustadas com base em dados econômicos, maximizando o impacto social e minimizando custos.

Essa necessidade de tradução da realidade fática e jurídica pelas lentes da perspectiva econômica teve seu início no século 20, em razão do crescente aumento na complexidade das relações socioeconômicas.

À época, as teorias jurídicas de natureza formalista, mostraram-se insuficientes para amparar os diversos aspectos da realidade empírica. Esse modelo prestigiava o engessamento das teorias jurídicas com o excesso de formalismo e foi tido por obsoleto ante as inúmeras e rápidas transformações ocorridas na sociedade. O dinamismo econômico, portanto, inaugurou uma revolução nos padrões argumentativos contidos nas decisões judiciais.

Recentemente, as modificações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) trazidas pela Lei 13.655/2018, consubstanciadas nos artigos 20 e 21, impuseram ao juiz o dever de levar em consideração as consequências práticas das decisões judiciais por ele proferidas.

Nesse mesmo sentido, uma pesquisa acerca da evolução da aplicação da Análise Econômica do Direito pelo Supremo Tribunal Federal, identificou 39 acórdãos em que o raciocínio econômico foi adotado como parâmetro argumentativo ao longo da fundamentação das decisões proferidas pelo STF.

De acordo com o texto “Análise Econômica do Direito, Demandas Frívolas e Custo Processual”, a utilização de dados econômicos no âmbito do Direito pode otimizar a tomada de decisões quanto à eficiência, eficácia e o custo a partir de uma análise acerca do comportamento humano e de suas escolhas (FUX, Luiz; BODART, Bruno. Notas processo civil e análise econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2020).

A economia pode ser compreendida como um conjunto de práticas sociais que organiza as etapas das transações econômicas — a produção, a troca e o consumo — enquanto ao jurista incumbe a reforma de políticas públicas, de modo a garantir um grau amplo e satisfatório de fruição empírica dos Direitos Fundamentais, cuja concretização deve ser aferida a partir de dados numéricos precisos.

Acrescente-se que a Análise Econômica do Direito Processual é uma ferramenta relevante também para desobstruir o Poder Judiciário, o qual, inegavelmente, perpassa por um momento de sobrecarga. Nesse sentido, conforme se depreende do Relatório Justiça em Números 2024 do CNJ, o estoque de processos pendentes de um desfecho na Justiça equivale a 83,8 milhões. Foram 35 milhões de processos novos em tramitação, o maior número da série histórica de quase 20 anos, com aumento de 9,4% em relação ao ano anterior.

Diante disso, utilizando-se de dados econômicos, incumbe aos julgadores, por intermédio da uniformização de entendimentos e teses jurisprudenciais, minorar a ocorrência de erros decisórios, criar ambiente propício à segurança jurídica, estimular a redução do ajuizamento de demandas judiciais, bem como o uso dos métodos alternativos de solução de disputas.

Os métodos autocompositivos representam uma importante alternativa à excessiva judicialização de demandas, ao possibilitar que as próprias partes sejam protagonistas no desfecho de suas contendas. Assim, prestigia-se a pacificação social, além de representar uma concretização da garantia constitucional do acesso à justiça de forma eficaz e célere, enquanto se desafoga o Poder Judiciário.

A solução de conflitos consumeristas, por exemplo, realizado pela plataforma consumidor.gov.br, alcançou 99,52% das reclamações dos consumidores respondidas pelos fornecedores, em que a solução consensual acontece em 40% dos casos.

A AED, portanto, é uma metodologia ou ainda uma ferramenta de aplicação da teoria microeconômica, que se preocupa com o exame de normas, cujo intuito é extrair uma maior eficiência. Para tanto, realiza avaliações a partir da realidade empírica, utilizando-se de preceitos pragmáticos, quanto ao cumprimento dos objetivos.

Isso significa dizer que a AED analisa o grau de acato às regras e o nível de eficiência relativos à sua função social, o que se traduz, em última instância, na instrumentalização do desenvolvimento da sociedade. Isso porque o direito não deve ser encarado como um fim em si mesmo, mas como um meio para transformar a sociedade e para promover o desenvolvimento.

Ao aplicar fundamentos econômicos, o Judiciário passa a adotar um viés pragmático, em que as decisões consideram os custos e benefícios sociais das interpretações legais. Esse paradigma, ao invés de se afastar da justiça, a aproxima do ideal de um sistema mais racional e preciso, focado em resultados, capaz de mitigar ineficiências e promover um ambiente em que as leis e as decisões judiciais refletem impactos sociais concretos.

Portanto, por meio da interface entre a Economia e o Direito, com base em critérios objetivos, é possível alcançar a otimização do sistema jurídico atual, tanto quanto ao grau de eficiência da máquina judiciária, quanto em relação à efetivação de direitos fundamentais.

Conclusão

As desigualdades sociais e os constantes conflitos entre normas e princípios jurídicos levados aos tribunais revelam como a realidade pode se apresentar de forma diversa daquela retratada em obras doutrinárias ou até mesmo nas hipóteses ideais expressas nos textos da lei.

Especialmente em se tratando do Brasil, com sua vasta extensão territorial e uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, educacionais, econômicas e culturais, a análise econômica torna-se uma importante aliada para ambiguidades, obscuridades, imprecisões e hipóteses fáticas que as normas positivadas não foram capazes amparar em toda a sua peculiaridade, além de constituir um paradigma intelectual relevante para a verificação das consequências práticas das decisões judiciais.

Portanto, o Prêmio Nobel de Economia e a crescente valorização da análise econômica do Direito revelam que a abordagem interdisciplinar é um dos caminhos para um sistema jurídico mais moderno e eficiente. No Brasil e no mundo, a adoção dessa perspectiva pode redefinir a maneira como as leis são interpretadas e aplicadas, inspirando uma nova era de decisões fundamentadas em dados precisos e condizentes com a realidade empírica.

Autores

  • é advogada, mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT), certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard, especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago), estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

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