Cerco feroz

Judiciário enfrenta escalada de acusações que ameaça a credibilidade da Justiça

 

26 de outubro de 2024, 14h30

A escalada de acusações contra o Judiciário acelerou-se esta semana com uma saraivada de imputações de corrupção no sistema e uma cachoeira de ilações. O movimento iniciado pelas viúvas da “lava jato” e pelo bolsonarismo derrotado nas últimas eleições ganhou nova tração, com a descoberta de relações promíscuas entre lobistas, juízes e servidores.

Somente nos últimos dois dias foram afastados cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e um servidor do Superior Tribunal de Justiça. Novos botes estão previstos para a semana que vem.

Dinheiro proveniente de supostas ilegalidades cometidas por desembargador do TJ-MS

PF apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro na casa de desembargador aposentado no MS

Por ordem do Superior Tribunal de Justiça, as forças policiais têm vasculhado tribunais, residências, empresas e escritórios de advocacia. Desembargadores foram obrigados a usar tornozeleiras eletrônicas, armas e somas escandalosas de dinheiro foram apreendidas.

Servidores no STJ

A corte de maior escalão a protagonizar um dos casos já tornados públicos é o STJ. A suspeita é de que servidores do tribunal superior, com acesso à produção de votos de gabinetes, teriam antecipado informações sigilosas usadas para um comércio criminoso. Não há indícios, no entanto, de participação dos próprios ministros no suposto esquema.

Na última sexta-feira (25/10), o STJ comunicou ter afastado cautelarmente mais um servidor citado nas investigações que a PF conduz sobre o caso, além de ter instaurado um segundo procedimento administrativo disciplinar (PAD).

As investigações partiram de informações encontradas em um celular que foi motivo de disputa, conforme mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico — o aparelho pertencia ao advogado Roberto Zampieri, morto a tiros em Cuiabá em dezembro de 2023.

Na quinta-feira (24/10), foi a vez do TJ-MS protagonizar o noticiário por conta de um suposto esquema de venda de decisões. Na ocasião, a PF cumpriu 44 mandados de busca e apreensão por determinação do ministro Francisco Falcão, do STJ.

Um dos alvos foi o empresário do setor de transportes e lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, que também aparece no caso do STJ. Conforme revelou a revista Veja, ele seria um interlocutor de Zampieri para supostamente negociar a compra de decisões.

Desembargadores com tornozeleira

Também na operação deflagrada contra membros do TJ-MS, conforme reportado pelo portal g1, foram alvos de busca e apreensão o atual presidente da Corte, os recém-eleitos presidente e vice do tribunal para o próximo biênio, e outros dois desembargadores.

Todos eles ficarão afastados por 180 dias e terão de usar tornozeleira eletrônica. Os desembargadores ainda estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicar com os outros investigados.

Também foram alvos da operação o conselheiro e atual corregedor-geral do Tribunal de Contas sul-mato-grossense e um familiar dele, servidor do TJ-MS. A Polícia Federal ainda investiga a participação de outros servidores públicos de grande influência no esquema, que seriam filhos de autoridades e advogados.

Foram apreendidas diversas armas de fogo na operação. Na casa de um desembargador recém-aposentado, também alvo de mandado de busca e apreensão, foram encontrados quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo.

Segundo a PF, são investigados os possíveis crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas. As decisões compradas envolveriam, entre outros litígios, a disputa por posse de terras.

Em nota, o TJ-MS afirmou que as medidas não afetam os demais membros da Corte. “Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo.” Já a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no estado relatou que acompanhava as diligências por meio de sua Comissão de Defesa e Assistência.

Apuração em SP

Em setembro, um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo apareceu em outra investigação. Na ocasião, por ordem do ministro Og Fernandes, do STJ, foi preso preventivamente um advogado acusado de envolvimento em suposto esquema de venda de sentenças na Corte paulista.

Segundo a investigação da Polícia Federal, o advogado viajou para o Paraguai para supostamente buscar R$ 1 milhão para pagar propina a um desembargador do TJ-SP, por um Habeas Corpus em favor de um traficante.

O desembargador foi afastado em junho, também por ordem do ministro Og Fernandes. Além de ficar longe do cargo por um ano, ele foi proibido de manter contato com outros investigados.

A PF acusa o juiz de favorecer amigos,  especialmente advogados do interior do estado, com decisões em seus plantões judiciais. O caso gerou perplexidade de parte da advocacia paulista, uma vez que o desembargador, na magistratura desde 1987, é muito respeitado.

Os advogados Átila Machado e Luiz Augusto Sartori de Castro, que representam o desembargador (Ivo de Almeida), afirmam que o magistrado teve seu nome usado sem o seu conhecimento para ludibriar os criminosos.

Em depoimento, um servidor do TJ-SP que é investigado no caso afirma que as movimentações bancárias da conta do desembargador, que geraram a suspeita de “rachadinha” por parte da PF, na verdade tinham relação com doações de cestas básicas para funcionários terceirizados do tribunal dispensados durante a epidemia de Covid-19.

Ele ainda afirmou que fazia depósitos na conta do desembargador como reembolso, já que o próprio magistrado encomendava e pagava as cestas básicas.

Prisões no Tocantins

A escalada das investigações relativas ao Judiciário também resultou em prisões em agosto, quando o ministro João Otávio de Noronha, do STJ, autorizou a PF a cumprir dois mandados de prisão preventiva e outros 60 de busca e apreensão contra suspeitos de operar um esquema de venda de decisões no Tribunal de Justiça de Tocantins.

Na ocasião, ainda foram determinados os afastamentos por um ano de um desembargador e de um juiz de primeiro grau.

Na mesma ação sobre o TJ-TO, que cumpriu mandados não só no Tocantins, mas também em Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Distrito Federal, outro desembargador, ex-presidente da Corte, também foi alvo. Segundo apurou o portal g1, foram apreendidas armas de fogo na casa do magistrado.

Afastamentos de magistrados

Também em agosto, uma ação deflagrada no Maranhão resultou no afastamento de servidores, juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do estado, por suspeita de participação em esquema que fraudou decisões judiciais para desviar recursos.

Na ocasião, foram cumpridos 55 mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro João Otávio de Noronha, do STJ, não só no Maranhão, mas também no Pará e no Rio de Janeiro. Entre os magistrados afastados, estão três desembargadores e dois juízes de primeiro grau.

Ainda naquele mês a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o afastamento cautelar imediato das funções de dois desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

O então corregedor nacional, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a instauração de reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra dos sigilos bancário e fiscal dos investigados e de servidores do TJ-MT, referentes aos últimos cinco anos.

Há indícios de que os desembargadores mantinham amizade íntima com o advogado Roberto Zampieri — o mesmo que aparece nos casos do STJ e do TJ-MS — e recebiam vantagens financeiras indevidas para julgar recursos de acordo com os interesses do causídico.

Banco dos réus

A lista de casos envolvendo suspeitas de venda de decisões judiciais inclui ainda o Tribunal de Justiça da Bahia. Em junho, a Corte Especial do STJ recebeu, por unanimidade, a denúncia contra uma desembargadora afastada do TJ-BA, pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Na mesma ocasião o STJ ainda manteve o afastamento cautelar da magistrada até que a ação penal seja julgada no mérito. Além dela, dois advogados também se tornaram réus. Segundo a acusação, os três integraram um esquema a partir de setembro de 2019 para venda de sentenças sobre terras no oeste baiano.

Em abril, a Corte Especial do STJ já havia tornado réus outros cinco investigados no caso, que incluía outra desembargadora do TJ-BA, acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Mesmo barco

A primeira instância, que muitas vezes aplaude os botes contra ministros e desembargadores, está no mesmo barco. Ainda com informações preliminares, um caso na Paraíba ilustra esse cenário.

O Ministério Público do estado investiga a atuação de um juiz que teria articulado dentro do tribunal para receber ações que não seriam distribuídas para seu gabinete. Dessa forma, ele conseguiria supostamente atuar em casos de amigos, atentendo a interesses particulares nos processos. Ele teria, por exemplo, ajudado um tio em um processo em que, em um primeiro momento, não era de sua competência.

Na última semana, o juiz acabou condenado à aposentadoria compulsória pelo Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba, conforme reportado pelo ClickPB.

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