Inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho: desafios e oportunidades para empresas
26 de outubro de 2024, 17h28
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) afirma que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência o direito ao trabalho, dentre outros. No caso das pessoas com deficiência, onde incluem-se pessoas com Transtorno do Espectro Autista, este direito fundamental apresenta seus desafios, devendo ocorrer em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades.
A recente aprovação do Projeto de Lei 5.813/23, que visa estabelecer e regulamentar um estágio especial de aprendizagem para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), representa um passo significativo rumo à sua inclusão no mercado de trabalho. Esse projeto, ao ser sancionado, não apenas promoverá a formação e a capacitação de indivíduos com TEA, mas também incentivará as empresas a adotarem práticas mais inclusivas, permitindo que um grupo historicamente marginalizado tenha acesso a oportunidades de emprego.
Os contratos especiais de aprendizagem previstos no projeto oferecem benefícios tanto para empregadores, quanto para os trabalhadores contratados sob tal modalidade.
Para os indivíduos no espectro autista, o trabalho é uma parte fundamental do seu desenvolvimento social e profissional. Proporcionar a eles um estágio que valorize suas habilidades não só melhora sua qualidade de vida, mas também contribui para um ambiente de trabalho multifacetado e inovador.
O projeto prevê que as empresas que contratarem pessoas com TEA sob essa modalidade de estágio estarão isentas de encargos trabalhistas e contribuições previdenciárias. Esse incentivo financeiro é um contraponto relevante para diminuir a resistência de algumas empresas em relação à contratação de profissionais que exigem adaptações. Contudo, a verdadeira mudança requer mais do que vantagens financeiras; é necessário um comprometimento genuíno das empresas em criar ambientes de trabalho inclusivos e acolhedores.
Panorama internacional
Globalmente, muitos países vêm avançando na criação de políticas que promovam a inclusão e acessibilidade as pessoas do espectro autista. Notadamente, os Estados Unidos possuem a Lei dos Americanos com Deficiências (ADA) que proíbe discriminação contra autistas no trabalho e garante adaptações razoáveis no ambiente de trabalho; na União Europeia, os países membros têm legislações que seguem diretrizes da Diretiva Europeia de Igualdade no Emprego, promovendo igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência.
Programas mundiais como “Autism at Work”, em curso desde 2016, adotado por empresas como Google, Microsoft e Ford, dentre outras, visam celebrar e encorajar a incorporação de neurodiversidade como força de trabalho, não só auxiliando este grupo de pessoas a encontrar trabalho dentro dos seus talentos múltiplos, como educar empresas para adoção de programas para este tipo de contratação, além de trazer consciência dos benefícios de uma mão de obra mais diversa.
Destaca-se, nesse aspecto, que as empresas que se dispuserem a contratar e treinar pessoas com TEA não apenas estarão cumprindo uma função social, mas também terão acesso a uma gama de talentos subutilizados. A pluralidade nas equipes fomenta a criatividade e a resolução de problemas, aspectos que são cada vez mais valorizados no mundo corporativo atual.
Busca por vagas
Outro ponto de importância no projeto apresentado consiste na integração dos dados do Sistema Nacional de Emprego (Sine) com o novo cadastro SisTEA, o que pode ser uma ferramenta valiosa para a intermediação de vagas. De modo geral, as pessoas com TEA enfrentam barreiras adicionais na busca por trabalho, especialmente aquelas com comprometimento cognitivo mais acentuado. A instituição de um sistema integrado que facilite a intermediação de vagas não apenas aumenta as chances de colocação dessas pessoas no mercado, mas também permite que os empregadores se familiarizem com as habilidades e capacidades únicas que esses profissionais podem trazer.
No entanto, os desafios permanecem. A falta de conhecimento sobre o TEA e a persistência de estigmas podem dificultar a aceitação desses profissionais no ambiente de trabalho. Para superar essas barreiras, é fundamental que as empresas invistam em capacitação e conscientização de suas equipes sobre o que significa trabalhar com indivíduos no espectro autista. Adaptações simples, como a redução de estímulos excessivos e a criação de espaços tranquilos, para minimizar alguns sintomas comuns como a hipo ou hipersensibilidade sensorial, podem fazer uma grande diferença no desempenho desses trabalhadores.
Questão de humanidade
Por fim, as implicações legais para as empresas que não seguirem as novas diretrizes são limitadas, mas isso não deve ser um incentivo à inação. A responsabilidade social deve ser parte integrante da cultura organizacional. As empresas têm a oportunidade de serem agentes de mudança e promoverem um ambiente de trabalho que não apenas respeite, mas celebre a pluralidade.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas, foi adotada no Brasil com força constitucional há 16 anos, em 2008. Com base neste tratado, seguiu-se a Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei 13.146/2015. Ambas destinadas a assegurar, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
O direito ao trabalho é direito social fundamental e um dos pilares da sociedade; neste caso estamos tratando de conceder igualdade de condições na contratação e não discriminação em ambiente de trabalho para pessoas do espectro autista estabelecendo mecanismos que favoreçam aplicação deste princípio.
Embora a reserva de vagas para pessoas com deficiência, conforme a Lei 8.213/1991, tenha sido um avanço, ela não se mostrou suficiente para garantir a inclusão de pessoas com TEA. Para que a nova lei tenha um impacto real, é imprescindível que haja um esforço contínuo de combate aos preconceitos e de favorecimento de um ambiente de trabalho que valorize a diversidade social.
Não estamos dizendo que a inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho não enfrente desafios que precisarão ser superados.
Entretanto, a inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho é mais do que uma questão de conformidade legal; é uma questão de humanidade e respeito. O futuro do trabalho é diversificado e inclusivo, e as empresas que abraçarem essa mudança estarão melhor posicionadas para prosperar em um mundo cada vez mais complexo e interconectado.
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