Opinião

No Brasil, Elon Musk seria condenado e Trump, cassado

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  • é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

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25 de outubro de 2024, 6h08

No centro da recente polêmica das eleições americanas está uma iniciativa de Elon Musk, notório apoiador e doador da campanha de Donald Trump, que prometeu sortear US$ 1 milhão por dia aos eleitores registrados nos sete estados pêndulos que assinarem uma petição online, defendendo a liberdade de expressão. Ele ainda oferece US$ 100 para cada eleitor registrado na Pensilvânia que assinar a referida petição, e outros US$ 100 para quem indicar um eleitor registrado no mesmo estado [1].

elon musk

A esse respeito, vale registro o texto do professor João Carlos Souto (O processo eleitoral nos EUA e a República Velha) [2], um dos maiores especialistas brasileiros em Suprema Corte norte-americana, cuja obra “Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais Decisões”[3] é referência nacional, em que disserta sobre o processo eleitoral naquele país e traz sugestões tomando-se por base a Justiça Eleitoral brasileira.

Souto assinala que a conduta de Musk viola o que estabelece o Título 52, § 10307 do Código dos Estados Unidos, “ou pagar ou oferecer pagar ou aceitar pagamento para registro para votar ou para votar será multada em não mais de $ 10.000 ou presa em não mais de cinco anos, ou ambos”. O autor sugere, ainda que mesmo sabendo que seu ato é ilegal, aposta na falta de respostas imediatas pelo Judiciário americano, podendo ainda ser perdoado por Trump, acaso vença as eleições.

A mesma conduta, acaso ocorridas aqui no Brasil, invariavelmente resultaria no ajuizamento de ações cassatórias, apurando abuso de poder econômico e até o crime de compra de voto. Isso porque, cabe à Justiça Eleitoral eliminar práticas que afetem a pars conditio (igualdade de condições entre os candidatos), promovam o abuso do poder econômico, político e o uso indevido dos meios de comunicação. Da mesma forma, é responsável pela regular prestação de contas dos partidos e candidatos, bem como sua fiscalização.

Abuso de poder

De outro lado, a cada eleição, repetem-se notícias que candidatos, partidos, coligações e agentes públicos praticaram abuso de poder para conseguirem o sucesso nas urnas. O mais grave dessa infeliz reincidência é que muitos desses abusos são cometidos com uso do Poder Público ou do dinheiro. É quase como um jogo de gato e rato, na medida em que a cada ano buscam-se soluções diferentes para burlar a legislação.

Mesmo que não comprovada atuação direta do candidato, seja na modalidade culposa, dolosa ou até mesmo o seu prévio conhecimento, a gravidade e reprovabilidade da conduta, que viola a igualdade de condições da disputa, determinaria a cassação do mandato, como forma de restabelecer a legitimidade do pleito, mesmo que seja por ato de terceiro.

Isac Nóbrega/PR

Nesse sentido, não há como o candidato alegar desconhecimento, exigindo a participação e o envolvimento direito do candidato em todas as questões da campanha, para evitar ações ou omissões que possam resultar na cassação do seu registro/diploma/mandato.

Logo, trazendo o caso americano para o cenário nacional, Elon Musk poderia ser condenado por abuso de poder econômico, além do crime eleitoral de compra de votos, com imposição de multa e sanção de inelegibilidade, assim como Trump teria cassado seu registro/diploma/mandato, por ser beneficiário da conduta.

Igualdade de oportunidade aos candidatos

O valor tutelado pela legislação eleitoral e respectiva jurisprudência é a igualdade de oportunidades aos candidatos, além da mitigação dos abusos, aferido por meio da gravidade da conduta ou impacto/proporcionalidade. E temos vários exemplos que buscam mitigar essa influência, como: limite de arrecadação e gastos para financiamento da campanha; condutas vedadas aos agentes públicos; proibição da utilização indevida da máquina pública e meios de comunicação; entre outros.

Manter o eleitor blindado contra as práticas ilegais no período eleitoral tem sido um desafio para o legislador, operadores do direito e a Justiça Eleitoral. Veja-se que o Brasil é um dos países que mais cassam políticos no mundo, bem como que, na média das últimas eleições, considerando desde 2012, cassa em torno de um prefeito a cada oito dias, e que mesmo aplicando essas sanções os abusos continuam, é necessário fortalecer medidas preventivas[4] [5] [6].

Diante desse cenário, e do potencial danoso que algumas condutas podem provocar é imprescindível que a Justiça Eleitoral dê respostas imediatas a essas demandas, pois muitas ilegalidades após perpetradas são difíceis de serem reparadas, impactando diretamente no resultado eleitoral.

Poderes do juiz

Nesse sentido, para efetivar a aplicação do direito material e coibir ilegalidades dessa natureza, a Justiça Eleitoral pode-se valer dos poderes cautelares conferidos ao juiz pelo nosso direito processual, além do poder de polícia que lhe é conferido. Muitas vezes, se não houver uma resposta rápida e eficaz, a Justiça pode deixar de responder corretamente à função que lhe foi confiada pela nação, como guardiã maior da democracia eleitoral, sobretudo porque no nosso ordenamento houve clara aposta nos juízes, dados os poderes que lhes foram conferidos para efetivarem os direitos.

Essa talvez seja a grande diferença do nosso ordenamento para o dos EUA, onde, para resguardar a democracia, há diversas regras restritivas durante o processo eleitoral, enquanto por lá há mais liberdade e falta de uniformidade, com cada estado legislando a seu critério, além de não haver uma intervenção judicial concomitante às condutas, conforme exposto no artigo de Souto, que além de analisar a questão federativa americana, destaca o acerto do constituinte brasileiro em criar um sistema de justiça eleitoral. Em tempos com debates sobre a “erosão democrática” parece que a integridade do processo eleitoral brasileiro está um passo à frente.

Obviamente não se quer dizer que o sistema eleitoral brasileiro é perfeito, necessário sempre discutir evolução, a esse respeito. Inclusive, a Escola Superior da AGU, em parceria com a Escola Superior da Advocacia de Pernambuco, promoveu seminário debatendo sobre a “Integridade da Democracia no Brasil: um Panorama das Eleições 2024”[7].

 


[1] ZEM, Rafaela. Elon Musk pode pagar US$ 1 milhão para eleitores na Pensilvânia? Advogados questionam legalidade. G1. Mundo. 21/10/2024. Disponível: < https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2024/noticia/2024/10/21/elon-musk-pode-pagar-us-1-milhao-para-eleitores-na-pensilvania-advogados-questionam-legalidade.ghtml>. Acesso em: 07/05/2024.

[2] SOUTO. João Carlos. O processo eleitoral nos Estados Unidos e a República Velha. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-out-22/o-processo-eleitoral-nos-estados-unidos-e-a-republica-velha/>. Acesso em: 22 de outubro de 2024.

[3] SOUTO, João Carlos. Suprema Corte dos Estados Unidos: principais decisões. 4. ed. São Paulo: Atlas/GEN, 2021. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/Suprema-Corte-dos-Estados-Unidos/dp/6559770168>. O autor dedica todo um capítulo do seu livro sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos para explicar o processo de estabelecimento do Judiciário daquele país, na Constituição de 1787, bem como toda a estrutura do Judiciário Federal.

[4] MARTINS, Rafael Moro. Brasil é o país que mais cassa mandatos de prefeitos, afirma advogado. Valor Econômico. Política. 14/06/2018. Disponível: < https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/06/14/brasil-e-o-pais-que-mais-cassa-mandatos-de-prefeitos-afirma-advogado.ghtml>. Acesso em: 07/05/2024.

[5] SOARES, Jussara. Brasil tem um prefeito cassado por semana. Jornal O Globo. 01/10/2017. Disponível: <https://oglobo.globo.com/brasil/brasil-tem-um-prefeito-cassado-por-semana-21893239>. Acesso em: 07/05/2024.

[6] GOMES, Helton Simões; REIS, Thiago. Brasil tem 1 prefeito retirado do cargo a cada 8 dias pela Justiça Eleitoral. G1. Eleições 2016. 26/02/2016. Disponível: < http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2016/noticia/2016/02/brasil-tem-1-prefeito-retirado-do-cargo-cada-8-dias-pela-justica-eleitoral.html>. Acesso em: 07/05/2024.

[7] Disponível: < https://www.youtube.com/watch?v=3VAzqwQjGwQ; https://www.youtube.com/watch?v=9o6MJw80jz0; https://www.youtube.com/watch?v=Sfhu3OBMeE4; >. Acesso em: 07/05/2024.

 

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  • é procurador da Fazenda Nacional, ex-desembargador Eleitoral Substituto e Ouvidor do TRE-RJ, mestre em Administração Pública pela FGV, especialista em Direito Tributário, ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral).

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