Inconstitucionalidade da alíquota única de 25% de IR sobre aposentadorias de residentes no exterior
23 de outubro de 2024, 7h05
Não é incomum encontrar, na Justiça Federal, ações propostas por cidadãos brasileiros que recebem aposentadorias ou pensões e que, por residirem no exterior, ficam sujeitos à retenção de imposto de renda à alíquota de 25% (tributação exclusiva na fonte).
Nessas demandas, eles alegam que tal alíquota única acarreta violação aos princípios da isonomia tributária e da progressividade do referido imposto. Então, postulam o afastamento da exação fiscal, quando o valor recebido se situa na faixa de isenção, ou que seja garantido o respeito à tabela progressiva do imposto, com a restituição dos valores indevidamente retidos.
O artigo 7º da Lei nº 9.779/99, que teve sua redação alterada pela Lei nº 13.315/16, dispõe o seguinte:
“Os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, de aposentadoria, de pensão e os da prestação de serviços, pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)”.
Entendimento dos TRFs e da TNU
Chamados a julgar esse tipo de conflito entre contribuintes e Estado Fiscal, os Tribunais Regionais Federais consideraram constitucional e legal a retenção de 25% de IR sobre os rendimentos recebidos por contribuintes domiciliados no exterior. A propósito:
“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 7º DA LEI Nº. 9.779/99 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.315/16. IMPOSTO DE RENDA SOBRE RENDIMENTOS OU PROVENTOS DE APOSENTADORIA RECEBIDOS POR RESIDENTES OU DOMICILIADOS NO EXTERIOR. REJEIÇÃO DO INCIDENTE. (…) 2. Caso em que o acórdão da Quarta Turma, entendendo ser inconstitucional o art. 7º da Lei nº. 9.779/99, com a redação dada pela Lei nº 13.315/17, deliberou submeter a questão ao Plenário desta Corte. (…) 4. Não há qualquer laivo de inconstitucionalidade na norma em apreço. Primeiramente, o fato do tributo em testilha não ser progressivo, mas fixado objetivamente em 25% não representa qualquer incompatibilidade com a Constituição Federal. Com efeito, a legislação pátria é prenhe de exemplos de alíquotas fixas, como o lucro incidente sobre a venda de imóveis. Em segundo lugar, não há falar em desproporcionalidade do tributo, afinal, o percentual de 25% é menor que o próprio percentual de 27,5% da última faixa da alíquota normal de imposto de renda, não configurando patamar confiscatório. Por último, ressalte-se que os rendimentos pagos no exterior não são revertidos em proveito do país, o que por si só justifica o tratamento legal diferenciado dado pela norma ora em debate. 5. Equivocada é a pretensão de ver declarada a inconstitucionalidade da norma examinada em face das circunstâncias particulares do caso concreto (contribuinte pobre e proventos equivalentes a um salário mínimo) dado que o incidente em análise deve ser resolvido em tese, desvinculado de qualquer cenário específico, restrito à aferição da compatibilidade da norma hostilizada com a Constituição. (…) 6. Arguição de inconstitucionalidade rejeitada” (TRF da 5ª Região. Apelação cível nº 08119635420164058400. Relator: desembargador federal: Paulo Roberto de Oliveira Lima. Data do julgamento: 30/01/2019).
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. DOMICÍLIO NO EXTERIOR. ART. 7º DA LEI Nº 9779/99. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Conforme o entendimento desta Corte, é legítima a retenção na fonte de imposto de renda sobre os rendimentos recebidos por contribuinte domiciliado no exterior, à alíquota de 25%, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99. 2. Aos contribuintes maiores de 65 (sessenta e cinco) anos domiciliados no exterior é inaplicável a parcela de isenção do imposto de renda prevista no art. 6º, XV, da Lei nº 7.713/88, pois as disposições da referida Lei referem-se apenas aos rendimentos recebidos por pessoas físicas domiciliadas no Brasil. Precedentes” (TRF-4, AC 5016729-78.2021.4.04.7001, 2ª Turma. Relator: desembargador federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, Data do julgamento: 16/3/2023).
Nessa mesma linha se posicionou a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que fixou o entendimento de que, a partir da vigência da Lei nº 13.315/2016, que modificou a redação do artigo 7º da Lei nº 9.779/99, “os rendimentos de aposentadoria e pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)” (TNU. Pedilef nº 0008253-71.2017.4.03.6301. Relator: juiz federal Jairo da Silva Pinto. Data do julgamento: 1/9/2021).
Inconstitucionalidade
Em maio de 2021, o assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do ARE nº 1.327.491, e, em outubro daquele ano, foi reconhecida a repercussão geral da questão constitucional suscitada, acarretando o surgimento do Tema 1.174 (relator: ministro Dias Toffoli) com o seguinte objeto: “Incidência da alíquota de 25% do imposto de renda exclusivamente na fonte, sobre as pensões e os proventos de fontes situadas no país, percebidos por pessoas físicas residentes no exterior”.
No dia 18/10/2024, a Corte Suprema concluiu o julgamento da matéria e firmou a seguinte tese: “É inconstitucional a sujeição, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, dos rendimentos de aposentadoria e de pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)”.
O julgamento do STF é mais do que acertado. Quando se elabora ou discute uma forma de imposição tributária, a capacidade tributária deve ser o principal critério a ser levado em consideração para eventuais tratamentos distintos entre contribuintes. Na hipótese em discussão, ficou claro o equívoco do legislador, que ignorou o princípio da progressividade fiscal, inerente a esse tipo de imposto (art. 153, III, e § 2º, I, da CF/1988), e elegeu o local de residência do contribuinte (território nacional ou exterior) como motivo para o discrímen, estabelecendo uma tributação exclusiva na fonte, com uma alíquota única de 25%.
O critério geográfico de residência não deveria ter sido invocado para justificar tratamento discriminatório, acentuadamente gravoso, ao aposentado ou pensionista contribuinte que opta por residir no exterior (artigo 19, III, e artigo 150, II, da CF/1988). É verdade que, do ponto de vista jurídico, não se pode dizer que estão em situação similar um contribuinte residente no país e outro domiciliado no exterior, pois não se encontram eles na mesma situação fiscal, vivendo em países diversos. Entretanto, sem embargo disso, a regra questionada é inconstitucional por violar o postulado da progressividade tributária.
A Constituição Federal de 1988 dispõe que o IR “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei” (artigo 153, III, e § 2º, I). Segundo Eduardo Sabbag [1], “a progressividade do IR prevê a variação positiva da alíquota do imposto à medida que há aumento de base de cálculo”. Assim, como a norma atacada não observa esse critério, estabelecendo uma alíquota única (e não alíquotas diferentes e graduadas), o STF agiu bem ao reconhecer sua inconstitucionalidade.
Carga sem justificativa
Apontando a violação de princípios constitucionais (capacidade contributiva, isonomia progressividade, proporcionalidade e não confisco), o relator do caso em nossa corte máxima de justiça, ministro Dias Toffoli [2], entendeu haver, na situação, uma carga tributária efetiva muito elevada, sem justificativa razoável:
“(…) o imposto de renda é severamente mais gravoso em relação aos aposentados e pensionistas residentes no exterior atingidos pelo art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16. Ressalte-se, ainda, que o fato de o contribuinte residir no exterior, por si só, não revela ser ele detentor de maior capacidade econômica do que aquele que aqui reside e recebe aposentadoria ou pensão”. Eles “(…) ficam sujeitos a uma única e elevada alíquota de 25% incidente sobre a totalidade dos rendimentos de aposentadoria ou pensão, sem poderem, ademais, realizar qualquer dedução.”
Enfim, ainda que as regras-matrizes do IR possam ser organizadas em grupos diferentes (IR-Antecipação, IRF-Exclusivo, IR-Definitivo, IR-Mensal e IR-Anual) [3], em todas elas devem se garantir o respeito ao princípio da progressividade fiscal. Se as instâncias inferiores não fizeram a melhor leitura do problema e não entregaram a solução mais adequada, o STF agora o fez, bem cumprindo o seu papel, como espera a sociedade.
[1] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 210.
[2] Voto disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/10/6298465.pdf. Acesso em: 21/10/2024.
[3] NOGUEIRA, Julia de Menezes. Imposto de Renda na Fonte. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 186.
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