Opinião

A 'Corte Toffoli': STF na presidência do ministro Dias Toffoli (parte 2)

Autor

  • Alonso Freire

    é advogado doutor em Direito Público pela Uerj mestre em Direito Constitucional pela UFMG professor de Direito Constitucional do IDP e ex-assessor de ministro do STF.

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23 de outubro de 2024, 13h20

continuação da parte 1

3. Metodologia empregada

O presente texto investiga qual o papel e impacto não de toda a longa e profícua judicatura do ministro Dias Toffoli desde 2009, mas cuida particularmente do seu período da Presidência do STF. Trata do seu impacto e legado permanentes para o Supremo Tribunal Federal, em particular, e para a nação, no geral.

A hipótese que é a sua presidência deixou algumas marcas permanentes no Supremo. Em termos procedimentais, sem dúvida, a redução dos processos, a ampliação dos julgamentos de mérito e a organização da agenda com seis meses de antecedência do que seria julgado em cada semestre permitiu um debate público mais robusto pela corte. Em termos substantivos, há diversos casos relevantíssimos na defesa dos direitos humanos fundamentais e da democracia que merecem destaque.

Ainda assim, com intuito de ampliar o rigor dessa análise, serão combinadas as técnicas investigação qualitativa e quantitativa, recorrendo tanto a entrevistas e artigos, quanto ao estudo de natureza explanatória [1] de casos C grande e c pequeno [2], buscando um panorama dos dados gerais do período para, posteriormente, selecionar casos representativos desse momento da presidência do ministro Dias Toffoli (2018 – 2020). Este período, neste recorte, deve ser visto como uma metonímia dos desafios da proteção de direitos humanos fundamentais pela jovem democracia brasileira.

Preliminarmente, porém, é preciso dizer que o período da curta “Corte Toffoli” vai de 2018 a 2020, considerando apenas o momento em que esteve na Presidência do STF. Contudo, se pensarmos na projeção dos seus efeitos, seria possível pensar em uma longa “Corte Toffoli”, que atravessa os atos de 8 de janeiro de 2023, com a invasão e destruição parcial da corte [3], chegando aos dias atuais. Os acontecimentos e julgados foram dos mais difíceis da história recente do STF. A intensa polarização exigiu um sábio processo de retração do Judiciário, como inclusive pontuou o ministro Dias Toffoli [4].

Afinal, o Supremo foi assumindo o papel, como também defende academicamente o ministro, de poder moderador dos conflitos sociais, políticos, econômicos e jurídicos [5], que chegou ao seu ápice com decisões a respeito do impeachment da presidente Dilma Roussef, o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado e os debates acalorados no plenário sobre a prisão ou soltura do presidente Lula, e os inquéritos sobre das fake news — inclusive contra ministros do STF — envolvendo o presidente Bolsonaro e certos apoiadores [6].

A “Corte” Toffoli, de fato, insere-se em um dos contextos mais conturbados sob a vigência da Constituição de 1988. A condução do ministro Toffoli representou a busca de um freio de arrumação em direção a uma corte mais comedida e moderada face à profunda polarização política da época revelou-se antes, durante e depois uma das posturas mais acertadas que a Corte Constitucional poderia assumir. A redução do ativismo e a adoção de uma postura autocontida calibrando a jurisdição constitucional revelou-se essencial para ampliar a harmonia entre os Poderes.

4. Breve biografia de José Antônio Dias Toffoli

O ministro Dias Toffoli foi indicado para o cargo durante seu segundo mandato do presidente Lula, substituindo o ministro Menezes Direitos que fora indicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, mas veio a falecer em 2009.

À época, alguns candidatos haviam sido sondados para o cargo com apoio de players importantes, tais como Cesar Asfor Rocha, apoiado por Sarney; o ministro Nelson Jobim, que apoiava Teori Zavascki, apoiado pelo ministro Nelson Jobim; Roberto Caldas, apoiado por Tarso Genro [7]

Spacca

Dias Toffoli tem um caminho próprio e singular que o habilitou ao mais elevado cargo do Poder Judiciário, tendo em conta a sua trajetória que vai de aluno da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo [8] até o trabalho como assessor parlamentar, como assessor da Presidência, como advogado de partido político e, enfim, como Advogado-Geral da União.

Em primeiro momento, Toffoli trabalhou como assessor do deputado estadual petista Arlindo Chinaglia em 1994, e depois na liderança do PT na Câmara dos Deputados de 1995 a 2000. Em 2001, tornou-se chefe de gabinete de Chinaglia, que era secretário na Prefeitura de São Paulo, então comandada pela petista Marta Suplicy.

Em um segundo momento, seu vínculo como advogado, inicialmente, da CUT e, posteriormente, do PT. Desta atuação, vale destacar a judicialização de casos muito relevantes, como a ADI 1.798, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores a respeito do Fundo Garantidor de Créditos oriundo das Resoluções 2.197/95 e 2.211/95, questionando eventual ofensa ao artigo 192, VI da Constituição a respeito das controvérsias envolvendo os mecanismos de proteção de titulares de créditos contra instituições financeiras [9].

Spacca

Em um terceiro momento, com a chegada de Lula ao governo federal, Toffoli foi nomeado subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, cargo que ocupou de janeiro de 2003 a junho de 2005, sob a direção do ministro José Dirceu.

Em um quarto e último momento antes de ser indicado e assumir o cargo de ministro do STF, Toffoli, em março de 2007, assumiu a Advocacia-Geral da União (AGU) [10]. Dessa experiência, o próprio ministro destaca o parecer que emitiu favorável à anistia ampla e geral, tanto para os militares quanto para os opositores à ditadura militar. Registrou a profunda oposição que enfrentou com críticas do ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi; do ministro da Justiça, Tarso Genro; e da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef.

Toffoli destacou, porém, em entrevista a respeito, que nunca o presidente Lula solicitou que o parecer fosse modificado por considerar que a AGU preparou o parecer. Chamou atenção, nesse episódio, que a AGU possui uma autonomia diferente da atuação no âmbito da Casa Civil, na qual se prepara documentos, como a sanção e veto a projetos de lei assinados pelo presidente da República. No parecer da AGU, o autor, enquanto advogado, assina o parecer [11].

 


[1] YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001

[2] GERRING, John. Pesquisa de estudo de caso. Petrópolis: Vozes, 2019.

[3] STF. 8 de janeiro: a resposta imediata do STF aos atos antidemocráticos Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=523797&ori=1

[4] https://piaui.folha.uol.com.br/guerra-perdida-de-toffoli/

[5] TOFFOLI, José Antonio Dias. Democracy in Brazil: the evolving role of the country’s supreme court Boston College International & Comparative Law Review  vol. 40 , 2017, p. 245 e ss

[6] RODRIGUES, Theófilo Codeço Machado. Análise da trajetória dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): insulamento ou presidencialismo de coalização? Revista Direito GV v. 18 n 2, 2022.

[7] Barroso, um dos concorrentes na época, forneceu o melhor contexto sobre a indicação de Toffoli ao relatar a conversa com Pedro Abramovay, Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em que foram mencionados os concorrentes.  FONTAINHA, Fernando de Castro et. al. História oral do Supremo (1988-2013): Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: FGV, 2017, p. 91 e ss.

[8] Vale uma curiosidade aqui. Toffoli foi colega de turma de Alexandre de Moraes e teve Ricardo Lewandowski como professor. Ambos foram Ministros do STF.

[9] STF, ADI 1398-0 MC, Rel Min. Francisco Rezek, J. 13.03.1996, DJ 18.10.1996. Para um comentário ao caso, vale conferir a entrevista concedida à FGV por Dias Toffoli.  FONTAINHA, Fernando de Castro et. al. História oral do Supremo (1988-2013): Dias Toffoli. Rio de Janeiro: FGV, 2017, p. 93 e ss.

[10] Parecer CGU/AGU 01/2007 – RVJ de 27 de Novembro de 2007 no Processo 00400.000843/2007-88

[11] FONTAINHA, Fernando de Castro et. al. História oral do Supremo (1988-2013): Dias Toffoli. Rio de Janeiro: FGV, 2017, p. 104 e ss

Autores

  • é doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor de Direito Constitucional do IDP, ex-assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal e advogado em Brasília.

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