LICITAÇÕES E CONTRATOS

Correção em planilhas: licitações brasileiras seguem ideia americana

Autor

  • Jonas Lima

    sócio de Palomares Advogados pós-graduado em Direito Público pelo IDP. Especialista em licitações e contratos administrativos é autor do livro A defesa da empresa na licitação – Processos administrativos e judiciais.

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20 de outubro de 2024, 8h10

A permissão para correções em planilhas de propostas em licitações, sem alterar o preço global, solução bastante útil para sanear erros de preenchimento de dados pelos licitantes, tem uma história que se estende além das fronteiras brasileiras. As suas raízes são do direito norte-americano, tendo significativa evolução no Brasil ao longo dos anos.

Inspiração norte-americana

A origem desta prática pode ser traçada até o Federal Acquisition Regulation (FAR) dos Estados Unidos. A seção 14.405 do FAR, que trata de “minor informalities or irregularities in bids”, ainda de 1º de abril de 1984, norma da qual se destaca o seguinte:

“A minor informality or irregularity is one that is merely a matter of form and not of substance. It also pertains to some immaterial defect in a bid or variation of a bid from the exact requirements of the invitation that can be corrected or waived without being prejudicial to other bidders.”

No português: “Uma informalidade ou irregularidade menor é aquela que é meramente uma questão de forma e não de substância. Também se refere a algum defeito imaterial em uma proposta ou variação de uma proposta em relação aos requisitos exatos do convite que pode ser corrigida ou dispensada sem ser prejudicial a outros licitantes.”. Isso significa, logicamente, uma correção que não altere a posição das propostas entre os licitantes, na competição.

Portanto, a regra, de quatro décadas, fundamental na orientação das práticas de contratação do governo federal dos EUA, permitiu flexibilidade na correção de erros menores nas propostas.

Mas cabe lembrar que o próprio “Government Accountability Office” (GAO), que atua como braço do Congresso dos Estados Unidos da América na fiscalização e no controle externo das contas públicas, é claro em advertir que, se existem divergências de custos entre partes da oferta, por exemplo, custos de pessoal com valores diferentes entre duas partes de proposta, uma de custos de profissionais no descritivo técnico e outra na planilha de preços, e isso não pode ser ajustado sem alterar as condições da competição, o problema inviabiliza a oferta no todo (BAE Sys. Tech. Sol’ns & Servs., Inc., B-420860.4 et al., June 18, 2024).

Evolução normativa no Brasil

No Brasil, a discussão sobre a correção de erros em planilhas tem uma trajetória marcada por instruções normativas e jurisprudência, especialmente, do Tribunal de Contas da União (TCU).

A Instrução Normativa nº 02/2008 do então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão foi um marco importante, pois em seu artigo 29-A, § 2º, estabelecia: “Erros no preenchimento da planilha não são motivo suficiente para a desclassificação da proposta, quando a planilha puder ser ajustada sem a necessidade de majoração do preço ofertado, e desde que se comprove que este é suficiente para arcar com todos os custos da contratação”.

Esta abordagem foi mantida na Instrução Normativa nº 05/2017, que em seu Anexo VII-A, item 7.9, reiterou: “Erros no preenchimento da planilha não são motivos suficientes para a desclassificação da proposta, quando a planilha puder ser ajustada sem a necessidade de majoração do preço ofertado, e desde que se comprove que este é o bastante para arcar com todos os custos da contratação”.

Por fim, a Lei 14.133/2021 consolidou, de modo mais amplo, em seu artigo 59, que serão desclassificadas apenas as propostas que “contiverem vícios insanáveis”. Isso implica que eles não sejam erros que alterem substância, de modo que se mantém o entendimento de que se possa fazer ajustes em itens de custos unitários da planilha, desde que mantido o preço global.

Entendimento do Tribunal de Contas da União

Entre tantos casos do TCU, cabe lembrar que no Acórdão 1211/2021-Plenário, o Tribunal entendeu que o pregoeiro deve sanear eventuais “erros ou falhas que não alterem a substância das propostas” e no Acórdão 4370/2023-Primeira Câmara, que “é responsabilidade do pregoeiro indicar, de maneira clara e objetiva, as inconsistências que precisam ser corrigidas na planilha de preços apresentada pelo licitante”. Esses são alguns dos exemplos de um ente de controle externo bastante referenciado, mas cujos julgados replicaram o entendimento, inclusive, para o contencioso judicial por muitos tribunais brasileiros.

Conclusão e implicações práticas

A evolução da prática de correção de erros em planilhas de licitações no Brasil, desde as instruções normativas até se chegar em uma regra muito mais ampla da Lei 14.133/2021, que traz a diretriz de avaliar se o problema da proposta pode ser saneado, reflete uma abordagem pragmática e eficiente, alinhada com práticas internacionais que remontam a pelo menos 1984 nos Estados Unidos.

Para advogados, empresários e agentes públicos envolvidos em licitações, é crucial compreender e aplicar corretamente esses princípios. A possibilidade de corrigir erros sem alterar o preço global da proposta não apenas promove a competitividade, do artigo 5º da Lei nº 14.133/21, mas também garante que propostas potencialmente vantajosas não sejam descartadas por meros erros “internos” e sanáveis. Mas o lado contrário, das propostas com vícios insanáveis, deve também ser criteriosamente considerado, para que não se quebre a integridade da disputa e não se altere as condições de competição.

Autores

  • sócio de Palomares Advogados, pós-graduado em Direito Público pelo IDP. Especialista em licitações e contratos administrativos, é autor do livro A defesa da empresa na licitação – Processos administrativos e judiciais.

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