Opinião

Falta de regulamentação da atuação de influenciadores digitais desvirtua processo eleitoral

Autores

  • Rafael Xavier Schuartz

    é advogado constitucionalista e assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Paraná.

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  • Andrea Kugler Batista Ribeiro

    é advogada mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar - UNP e especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar.

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  • Luiz Fernando Obladen Pujol

    é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP membro do Instituto de Direito Eleitoral do Paraná - IPRADE professor de Direito Eleitoral no Curso de Pós-Graduação da UNINTER e mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA.

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19 de outubro de 2024, 13h24

A proliferação de candidaturas cujo eleitorado se confunde com seguidores nas redes sociais tem crescido nos últimos anos e é mais visível a cada eleição.

Álvaro Henrique

A democratização do acesso à web, a evolução tecnológica e a popularização dos smartphones consolidaram as redes sociais como instrumento de informação em tempo real e as alçaram à segunda posição dentre os meios de comunicação preferidos pelo eleitor para obtenção das informações que consideram necessárias para definição do voto. [1]

Em pesquisa publicada pelo Senado [2] ainda em 2019, 45% dos eleitores entrevistados afirmaram ter decidido o voto considerando informações publicadas em alguma rede social. Dados recentes do IBGE (2024) ilustram que 88% da população brasileira tem acesso à internet.

Em contrapartida, a falta de regulamentação dos limites do uso das redes afeta a disputa eleitoral a favor do comunicador virtual tanto ou mais que a rádio e a televisão afetaram em favor de apresentadores e comentaristas em outros tempos.

Não se pretende aqui aprofundar o debate sobre a qualidade e a veracidade do conteúdo publicado virtualmente, alvo de extensos trabalhos e pesquisas amplamente conhecidas, mas alertar sobre a disparidade de exposição dos candidatos comunicadores digitais — conhecidos como influencers, youtubers e assemelhados — perante os demais, eis que a legislação que veda a exposição de comunicadores no período pré-eleitoral não os alcança.

Tendência de influenciadores em 2024

O pleito de 2024 consolidou tendência de eleição de influenciadores digitais com votações expressivas. Os exemplos se multiplicam Brasil afora e para não citar nominalmente candidatos a cargos majoritários, citaremos exemplos de eleições proporcionais.

Vejamos: em São Paulo, o vereador mais votado nas eleições de 6 de outubro foi um influenciador digital [3]. Rio de janeiro, Manaus e Salvador também elegeram influencers entre os mais votados [4]. Em Curitiba, seis vereadores-influenciadores foram eleitos [5]. Quatro deles, dentre os seis primeiros colocados. O mesmo cenário permeia grande parte do país.

O princípio da autenticidade eleitoral define como requisito para as eleições a livre formação da vontade do eleitor, a igualdade de oportunidades entre os candidatos, a veracidade do escrutínio, a fidedignidade da representação e um sistema legítimo de verificação de poderes.

Spacca

Evidente, portanto, o desrespeito ao referido princípio, visto que a desigualdade no tratamento das candidaturas impõe vantagem aos comunicadores digitais.

Nesse sentido, chama atenção o antagonismo no tratamento destes, com os demais comunicadores.

A legislação de regência, buscando garantir igualdade de oportunidades entre os postulantes a cargos eletivos, estabeleceu prazos de desincompatibilização para agentes públicos [6] e comunicadores, em especial apresentadores e comentaristas de rádio e televisão, conforme se depreende da leitura da Lei 9.504/97 e da Resolução nº 23.610/2019, do Tribunal Superior Eleitoral.

A intenção do legislador foi proporcionar a igualdade de oportunidades e exposição entre as candidaturas, ao coibir, nos meses que antecedem o pleito, o uso de recursos públicos e visibilidade de mídia desproporcional entre candidatos para obtenção de vantagens eleitorais.

Como consequência, caso o postulante permaneça exercendo a função após o prazo estipulado, incorre em incompatibilidade, que é uma das causas de inelegibilidade previstas na Lei complementar nº 64/1990.

Prevenção de abuso dos comunicadores

A vedação relativa aos comunicadores, especificamente, pretende prevenir o abuso do exercício profissional, evitar vantagens e privilégios em relação aos demais candidatos que não gozam de mesma exposição, inibindo a indução da vontade do eleitor pelo excesso de exposição midiática de tais profissionais. Todavia, não abarca os comunicadores digitais, que em muitos casos, podem atingir em suas próprias redes, maior alcance e relevância que os comunicadores da mídia tradicional.

De acordo com a Lei n° 9.504/97 e a Resolução n° 23.610/19, do TSE, a partir do dia 30 de junho do ano eleitoral, “é vedado às emissoras de rádio e de televisão transmitir programa apresentado e comentado por pré-candidato ou pré-candidata”.

A restrição inclui situações de entrevista jornalística em que o entrevistado é identificado. A lei também proíbe expressar opiniões favoráveis ou desfavoráveis sobre candidatos, partidos ou coligações. A vedação visa a assegurar uma disputa equilibrada.

O descumprimento da regra pode acarretar o cancelamento do registro da candidatura, bem como a aplicação de multa à emissora, caso a beneficiária ou o beneficiário seja escolhido em convenção partidária. A inobservância da regra também sujeita a emissora ao pagamento de multa no valor de R$ 21.282 a R$ 106.410, duplicada em caso de reincidência.

Neste diapasão, revela-se imprescindível questionar qual a mens lege do dispositivo legal supramencionado. Não resta dúvida de que a intenção do legislador foi a de criar uma concorrência justa ao pleito, garantindo sua lisura, de modo que nenhum candidato possua vantagem frente aos demais no que toca à possibilidade de fazer propaganda e expor sua plataforma e opiniões.

A comunicação em massa é a maior e mais poderosa ferramenta através da qual os candidatos se promovem, tornam-se conhecidos, revelam suas ideias e, consequentemente, convencem e fidelizam eleitores.

Logo, o candidato que possui um programa televisivo ou radiofônico teria mais acesso ao público e, podendo usar indiscriminadamente seu horário no ar para fazer propaganda, teria vantagem frente aos demais candidatos, tornando a disputa ao pleito injusta e desigual, uma vez que disporia de “mais armas” no embate eleitoral.

Influenciadores seguiriam mesmas regras

O mesmo raciocínio é integralmente aplicável aos comunicadores digitais (ou influencers), que dispõe das redes sociais, cada qual com milhares de seguidores, para a realização de propaganda.

A prática comprova o quanto o pleito vem, de fato, sendo influenciado e desequilibrado por tais comunicadores digitais.

Isto porque, ainda que a situação deles seja extremamente semelhante à dos candidatos que possuem programas em rádio e TV, em face dos primeiros inexiste qualquer restrição legal, quiçá sanção.

Assim, o que se observa são comunicadores digitais abusando incomensuravelmente das redes sociais, com a realização de promoção ininterrupta, a qual se inicia meses (ou até anos) antes do pleito, estendendo-se pelo período posterior à da descompatibilização dos candidatos comunicadores tradicionais, até o dia D, em propagandas nas quais tudo é possível diante da inexistência de restrições, atrás das quais os influenciadores-candidatos se aproveitam para autopromoção desmedida e desenfreada, ou ainda pior, em alguns casos, para destilar o ódio em face de concorrentes.

A situação chama mais atenção quando a candidatura se vale de estrutura de disseminação de propaganda que mesmo sendo orgânica, ou seja, em tese permitida pela legislação, não configurando disparo de mensagens, volta-se à detração de candidatura adversária ou disseminação de desinformação; sendo importante observar que não necessariamente tal estrutura é feita diretamente pelo perfil do candidato, podendo este se valer de perfis de terceiros.

Há de se ponderar também que, não obstante a necessidade de legislação mais específica regulando a matéria, a Justiça Eleitoral reconhece que as redes sociais são meios de comunicação aptos, a depender da forma como utilizadas, a configurar uso indevido dos meios de comunicação, como se extraí do julgado RO 060397598 do TSE.

Redes sociais precisam de atenção para coibir abuso

Ocorre que, aparentemente, a atenção de candidaturas, partidos, coligações e de parcela do Poder Judiciário ainda vislumbra excessos apenas no uso indevido da mídia mais tradicional, como televisão, rádio e periódicos impressos.

Entretanto, é necessário intensificar a atenção para com o uso das redes sociais, partindo-se da premissa que a internet também é meio de comunicação, pois assim como ocorre nos casos de abuso de poder político e econômico, o mau uso, ou o abuso, dos meios de comunicação pode acarretar cassação de mandato.

Desta feita, é inarredável a vantagem que vem sendo concedida aos influenciadores digitais diante da omissão legislativa e da leniência em se estender a eles as proibições e sanções legais aplicáveis aos comunicadores tradicionais.

Aos influenciadores é permitida a realização ininterrupta de qualquer tipo de propaganda para captação de eleitorado, o que desequilibra o pleito de forma inexorável. Basta observar o resultado das últimas eleições para constatar.

A legislação vigente evidentemente não prevê as vedações eleitorais aos comunicadores digitais pelo fato de sua existência ser bastante recente.

Todavia, o direito deve acompanhar a evolução social, e o cenário atualmente desenhado clama pelo regramento da situação.

Assim, o que se propõe e almeja com o presente trabalho é que ele sirva como reflexão ao eleitorado e, acima de tudo, de estímulo ao Poder Legislativo pátrio para que elabore regramento que estabeleça restrições aos influenciadores digitais no que concerne à sua participação como candidatos nas eleições municipais, estaduais e federais, ou então que estenda as vedações já existentes e aplicáveis aos comunicadores da mídia tradicional a esta nova e popular figura do comunicador digital.

No entanto, mesmo diante da necessidade de regulamentação mais clara da matéria, compreende-se ser plenamente possível que, havendo prova robusta do uso indevido das redes sociais, pode-se ingressar com ação de investigação judicial eleitoral ou ação de impugnação de mandato eletivo, aptas a investigar e cassar candidaturas que tenham incorrido em abuso.

 


[1] Disponível em JZ Criativos Agosto pt2 02 WIDE (youtube.com). Acesso em 14 out. 2024.

[2] Fonte – Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/12/redes-sociais-influenciam-voto-de-45-da-populacao-indica-pesquisa-do-datasenado. Acesso em 14 out. 2024.

[3] Disponível em https://www.cartacapital.com.br/politica/quem-e-lucas-pavanato-influencer-de-direita-e-vereador-mais-votado-em-sp/. Acesso em 14 out. 2024.

https://www.bemparana.com.br/noticias/politica/eleicao-camara-municipal-de-curitiba-ganha-bancada-de-influencers-de-direita/

https://www.plural.jor.br/noticias/poder/influenciadores-de-direita-tomam-conta-da-camara-de-curitiba-veja-quem-sao-eles/

https://www.cartacapital.com.br/politica/quem-e-lucas-pavanato-influencer-de-direita-e-vereador-mais-votado-em-sp/

[4]  Disponível em https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/10/08/influenciadores-usam-seguidores-para-alavancar-campanhas-e-viram-campeoes-de-voto-em-sp-rio-manaus-e-salvador.ghtml. Acesso em 14 out. 2024.

[5] Disponível em https://www.bemparana.com.br/noticias/politica/eleicao-camara-municipal-de-curitiba-ganha-bancada-de-influencers-de-direita/. Acesso em 14 out. 2024.

[6] Lei complementar nº 64/1990.

Autores

  • é advogado, assessor Jurídico do Tribunal de Contas do Paraná, especialista em Direito Público pela Faculdade CERS-PE e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR.

  • é advogada, mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA, especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar - UNP e especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar.

  • é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, membro do Instituto de Direito Eleitoral do Paraná - IPRADE, professor de Direito Eleitoral no Curso de Pós-Graduação da UNINTER e mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA.

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