Opinião

A necessária importação de resíduos de chumbo

Autor

  • Tiago Andrade Lima

    é sócio da área de Direito Ambiental e Sustentabilidade de Queiroz Cavalcanti Advocacia doutorando em Sustentabilidade pela USP mestre em Tecnologia Ambiental pelo ITEP e especialista em Direito Urbanístico e Ambiental pela Faculdade Salesiana do Nordeste (Fasne).

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19 de outubro de 2024, 15h26

A importação de lixo (resíduo) pelo Brasil vem sendo noticiada pelos veículos de comunicação nos últimos meses e tem sido alvo de críticas ferozes por meio do valoroso argumento de que este movimento prejudica a cadeia de reciclagem no país e trava o avanço do Brasil na agenda sustentável.

E isso ocorre com relativa obviedade, uma vez que os dados mostram que, enquanto a importação de resíduos como plástico, papel, vidro e metal for incentivada, a cadeia de reciclagem no Brasil não se desenvolverá.

No entanto, é preciso alertar que essa louvável equação não se aplica a todos os setores. A depender do resíduo, tem-se a situação exatamente inversa: a importação de resíduos é a medida mais aconselhável, tanto sob o ponto de vista econômico quanto sob o aspecto da proteção ambiental.

O resíduo a que me refiro é a bateria inservível de chumbo. E não cabe enfrentar aqui o raso e já conhecido debate sobre a sustentabilidade dos veículos à combustão versus os veículos elétricos, uma vez que não se considera nestas discussões que (1) o Brasil tem uma matriz renovável de energia (etanol) que não depende de combustível fóssil e que (2) o chumbo, diferentemente do lítio, é 100% reciclável.

Voltando ao tema, no Brasil o setor de baterias automotivas de chumbo recicla 100% desses resíduos, que são devolvidos ao processo produtivo e, posteriormente, ao mercado, na forma de uma bateria automotiva nova. Não há retrato mais fiel do que se convenciona chamar de economia circular.

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Trata-se de um setor cuja tecnologia do parque de reciclagem é de primeira linha e que atualmente funciona com uma capacidade ociosa de 30%. Ou seja, o setor possui condições tecnológicas para reciclar mais quantidade de baterias inservíveis do que o volume que recebe atualmente.

Isso ocorre porque, há anos, este pujante setor produtivo nacional exporta toneladas de baterias novas para diversos países, sem que esteja autorizado pelo governo brasileiro a trazer as baterias inservíveis após uso para reciclagem.

Outro ponto relevante é que alguns desses países, como o Uruguai, sequer dispõem de estrutura para reciclar as baterias de chumbo após o seu uso. Assim, ficam acumulando naquele território, à espera de uma solução por parte de quem majoritariamente as colocou no seu mercado interno (o Brasil).

Impedimento provoca impacto ambiental negativo

Ressalte-se que, mesmo com a possibilidade prevista na Convenção de Basileia, que controla o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, o governo parece fazer vista grossa a essa questão e não demonstra qualquer interesse em modificar o cenário legal no país para cumprir sua obrigação ambiental.

Em nosso sistema jurídico vigora a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que adotou o sistema de logística reversa no país para obrigar os fabricantes de baterias de chumbo a estruturar um sistema para coletar, transportar e encaminhar esses resíduos para reciclagem.

Noutra medida, ao exportar as baterias para outros países, o governo não tem envidado esforços para permitir legalmente que se traga a bateria pós-uso de volta para reciclagem. Deste modo, será que os limites geográficos entre países isentam o Brasil de recolher um resíduo em outro país, mesmo tendo colocado o produto naquele mercado?

Não há motivos razoáveis, como se vê, para o governo fechar os olhos aos impactos negativos causados por este impedimento legal. Ressalte-se que no Brasil, com suas dimensões continentais, os resíduos circulam há décadas com segurança por todo o seu território. Por esse motivo, é possível transportar uma bateria nova e, no mesmo compasso, recolher uma bateria usada.

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Restam inegáveis os impactos ambientais negativos, uma vez que se está deixando de coletar um resíduo perigoso em um país que não tem capacidade tecnológica para reciclagem. No mesmo sentido, a falta de acesso ao chumbo secundário (reciclado) obriga o mercado, muitas vezes, a adquirir chumbo primário (de jazidas e com todos os impactos já conhecidos de uma atividade de mineração).

Também são irrefutáveis os impactos sociais e econômicos, na medida em que há uma capacidade ociosa no parque de reciclagem das nossas empresas que, ressalte-se, é um dos mais modernos do mundo, e poderia gerar novos postos de trabalho.

É preciso, portanto, separar o joio do trigo.

No caso do setor de baterias, é emergencial a aprovação de medidas que se destinem a permitir a importação desses produtos após o uso, na exata medida do que foi vendido no mercado externo. Essa é uma forma de ampliar os limites do bem-sucedido instrumento da logística reversa, de fazer com que o Brasil cumpra sua responsabilidade ambiental global e, ao final, de atender aos anseios do setor e da sociedade.

Não é preciso uma lupa para enxergar a diferença entre o lixo e os resíduos de chumbo, basta corrigir a miopia e imputar aos desiguais um tratamento desigual.

Autores

  • é sócio titular da área de Direito Ambiental e Sustentabilidade de Queiroz Cavalcanti Advocacia, doutorando em sustentabilidade pela USP e Diretor Executivo da Associação Brasileira de Baterias Automotivas e Industriais (Abrabat).

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