DE VOLTA PARA O FUTURO

Reforma adequará Código Civil ao mundo digital, dizem especialistas em evento na FGV

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18 de outubro de 2024, 18h52

O Código Civil de 2002 teve méritos inegáveis, mas ficou ultrapassado em muitos pontos — até porque a primeira versão de seu texto foi elaborada em 1972. E o anteprojeto de reforma do código, apresentado em abril deste ano por uma comissão de juristas criada pelo Senado, vai adequar a norma ao século 21, com especial foco na sociedade digital.

Luis Felipe Salomão, Laura Schertel e Felipe Tartuce em evento na FGV Rio

Essa foi a análise feita nesta sexta-feira (18/10) pelo presidente da comissão de juristas para a reforma do Código Civil, ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça e coordenador do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Justiça.

No primeiro encontro da série “Reforma do Código Civil em Foco”, ocorrido na FGV do Rio de Janeiro, Salomão apontou que o código de 2002 promoveu grandes avanços, como a consagração de princípios relacionados à eticidade e à solidariedade, que ajudaram os juízes a resolver casos em que a solução não estava tão clara na lei.

Porém, já faz mais de 50 anos da elaboração da primeira versão da norma, pelo grupo de juristas coordenado por Miguel Reale, destacou o ministro. E a sociedade mudou muito nesse período. Tanto que o Código Civil já foi alterado 64 vezes, e há outros 50 projetos de lei pendentes de apreciação.

O anteprojeto apresentado pela comissão de juristas promove diversas mudanças na norma, adequando-a à sociedade brasileira do século 21, afirmou Salomão. Entre os principais temas tratados pela proposta estão inteligência artificial, neurodireitos, metaverso e direitos dos animais.

Caráter pedagógico

O advogado Flavio Tartuce, relator-geral da reforma do Código Civil e professor da Escola Paulista de Direito, disse que a mudança mais polêmica é a regulamentação da indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

Atualmente, o sistema de responsabilidade civil é voltado para a reparação do dano. Com a alteração, também haverá o caráter pedagógico das indenizações, de forma a evitar novas violações de direitos, explicou Tartuce.

“Hoje é mais barato para uma empresa descumprir contratos, violar direitos e pagar indenizações do que seguir as regras”, apontou o advogado.

Ele também destacou que as seções de Direito de Família e contratos devem sofrer menos intervenção do Estado, de acordo com as diretrizes da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019). E apontou que o novo sistema de garantias, similar ao da alienação fiduciária, tem potencial de revolucionar o mercado, especialmente o do agronegócio.

Autonomia privada

Laura Schertel, professora de Direito Civil da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), mencionou que é preciso voltar a valorizar a autonomia privada, o grande pilar do Direito Civil.

Não é só concordar com os termos de uso, é preciso que a autonomia privada tenha força material”, disse ela, ressaltando que o mundo digital criou dificuldades para a efetivação desse princípio.

De acordo com a especialista, o avanço da tecnologia gerou três grandes déficits: normativo, institucional e de autorregulação. O primeiro ocorre porque não há normas eficazes para controlar e responsabilizar as big techs e seus usuários. O segundo se dá porque não há um órgão que regule de forma satisfatória o setor de tecnologia. E o terceiro ocorre porque os mecanismos de autorregulação atuais não são suficientes para as relações entre companhias digitais e consumidores.

“No século 21, a grande tensão é como regular relações civis que são regulamentadas muitas vezes não pelo Direito, mas pelas normas das empresas ou regras da internet. Como regular se as normas jurídicas não têm efeito concreto?”, questiona Laura.

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