Opinião

O crime de peculato e seu impacto na economia e na sociedade

Autor

  • Henrique Bondi Pires

    é estagiário criminal na Yuri Gallinari Advogados Associados vice-presidente dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional Professor Osvaldo Serrão de São Paulo (CADEP/SP) Da Abracrim e membro estagiário da Comissão dos Advogados Criminais da OAB/SP.

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18 de outubro de 2024, 20h57

O crime de peculato tem suas raízes remotas no direito romano e caracterizava-se pela subtração de coisas pertencentes ao Estado. Essa infração recebia o nome de peculatos ou depeculatos, oriundo de período anterior à introdução da moeda, quando os animais (bois e carneiros) destinados ao sacrifício em homenagem às divindades consistiam na riqueza pública por excelência.

O direito romano, para definir o crime de peculato, não levou em consideração a qualidade do sujeito ativo, que podia ser funcionário público ou particular, mais sim a titularidade da res, ou seja, o fato de o produto de subtração se do Estado (res publicae) ou ser Sagrado (res sacre).

As Ordenações Filipinas tratam o peculato no Livro V, no Título LXXIV, sobre a rubrica “Officais del Rey”. O Código Criminal de 1830, em seu artigo 170, definiu o crime de peculato. O Código de 1890, por sua vez, incluiu entre os crimes contra a boa ordem e administração pública, omitindo os bens particulares. Nosso Código Penal de 1940, finalmente, na definição de Peculato, não distinguiu bens públicos e particulares.

O que é o peculato

O peculato, nos termos do artigo 312, caput, do Código Penal, constitui o fato de “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de quem tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”.

Trata-se de uma modalidade especial de apropriação indébita cometida por funcionário público. É o delito do sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia em proveito próprio ou de terceiros, coisa móvel que possui em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou a particular.

Quem é o sujeito do delito

Por ser crime próprio, o peculato somente pode ser cometido por funcionário público (aqueles previstos no artigo 327, do Código Penal).

Essa qualidade exigida, configurando elementar do Tipo. Comunica-se em caso de concurso, aos demais particulares, desde que haja ingressado na esfera de seu conhecimento, conforme determinado pelo artigo 30 do Código Penal.

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É indispensável, contudo, que o particular tenha consciência da qualidade especial do funcionário público, sob pena de não responder pelo crime de peculato. Uma vez desconhecido essa condição, o dolo do particular não abrange todos os elementos constitutivos do tipo, configurando-se conhecido o erro de tipo, que afasta a tipicidade da conduta. Responderá, no entanto, por outro crime, consoante o permissivo contido no artigo 29, §2º do Código Penal, que abriga a chamada cooperação dolosamente distinta.

Para fins de conhecimento, são funcionários públicos, segundo o Código Penal:

Art. 327. Considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2º. A Pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Quem é o sujeito passivo

Sujeito passivo, como nos demais crimes, é o titular do bem jurídico ou do interesse penalmente protegido.

Sujeito passivo são os Estados e as demais entidades de direito público relacionadas no artigo 327, §1º, do Código Penal.

Se o bem móvel for particular, na hipótese de peculato- malversação, o proprietário ou possuidor desse bem também será o sujeito passivo.

Quais são os tipos de peculato

A pratica do peculato, doutrinariamente falando, assume-se em quatro tipos diferentes, quais sendo:

  1. Peculato-apropriação: Quando o funcionário Público se apropria de dinheiro ou bem público confiado a sua guarda;
  2. Peculato-desvio: Quando o funcionário público desvia bens ou valores para outros fins que não o interesse público;
  3. Peculato-furto: Ocorre quando o funcionário público, valendo-se de sua posição, comete o furto de bens públicos;
  4. Peculato mediante a erro de outrem: Consiste na conduta do funcionário público apropriar-se de dinheiro ou qualquer outra utilidade mediante aproveitamento ou manutenção do erro de outrem.

Peculato e sua associação a corrupção

Em que pese ambas as tipificações estejam previstas de maneira separada em nosso Código Penal, não é raro identificar o crime de corrupção junto com o peculato.

Inclusive, em sua maioria, principalmente nos casos de peculato-desvio, está envolvido a corrupção passiva do agente público, um exemplo disso é quando o agente público, recebe verba ou faz acordo com o particular, para que favoreça em uma licitação.

Exemplo Prático: Prefeito X entra em contato com empresa de auto peças Y e informa que irá efetuar uma licitação para comprar de peças para manutenções em veículos públicos. Entretanto, para que a empresa Y seja vencedora do certame, ela terá que emitir as notas fiscais do valor da licitação. O prefeito X aprova o pagamento das notas fiscais, porém o particular Y não efetua a manutenção dos veículos, repassando uma parte dessas notas ao prefeito X.

E quais são os impactos econômicos e sociais?

No nosso regime democrático, os reflexos indiretos da corrupção pública sobre os direitos humanos são bastantes evidentes nos casos de desvio de recurso público, a configurar, o crime de peculato.

Isto pois, como já exemplificado, o bem jurídico tutelado é a administração pública, o patrimônio moral e material do Estado. Um dos grandes dilemas envoltos os sobre o tema é a utilização dos recursos públicos, único e exclusivamente para efeito próprio quanto agente público, gerando assim um desfalque ao erário público como um todo.

Estima-se que os custos da corrupção para o Estado, que trazem um montante de recursos que deixa de ser aplicado no país e é desviado para pagamento de práticas contra a administração pública, correspondem a uma média anual de R$ 41,5 bilhões, equivalente a 1,38% do PIB.

Os efeitos deste tipo recaem principalmente sobre os direitos fundamentais da população mais carentes em áreas como a saúde, a educação, o saneamento básico e a habitação, atingindo um número indeterminado de vítimas.

Conclusão

O crime de peculato, com suas raízes históricas profundas e suas diversas modalidades, representa uma grave afronta à administração pública e ao patrimônio do Estado. Seus impactos se estendem para além da esfera econômica, atingindo a sociedade como um todo, especialmente as camadas mais carentes que dependem dos serviços públicos.

A apropriação ou desvio de recursos públicos por parte de funcionários, muitas vezes em conluio com particulares, impede investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e segurança, perpetuando um ciclo de desigualdade e injustiça social.

Combater o peculato exige uma atuação conjunta do Estado e da sociedade. É preciso fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização, garantir a transparência na gestão pública e investir em educação e conscientização para a ética e a cidadania. A punição rigorosa dos envolvidos, tanto agentes públicos quanto particulares, é fundamental para garantir a integridade da administração pública e a justiça social.

Somente com um esforço conjunto para prevenir e reprimir o peculato poderemos garantir uma sociedade mais justa e igualitária, na qual os recursos públicos sejam utilizados em benefício de toda a população.

Autores

  • é estagiário criminal na Yuri Gallinari Advogados Associados, vice-presidente dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional Professor Osvaldo Serrão de São Paulo (CADEP/SP) Da Abracrim e membro estagiário da Comissão dos Advogados Criminais da OAB/SP.

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