Opinião

Equivocada decisão da 8ª Turma do TST sobre IDPJ de sociedade empresária falida

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18 de outubro de 2024, 6h30

No julgamento do RR-0000006-29.2017.5.09.0133 (DEJT 10/10/2024), a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, aplicando o artigo 82-A, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005 (inserido pela Lei nº 14.112/2020), afirmou que na hipótese de “decretação da falência ou de recuperação judicial da empresa executada ocorrida após 23.01.2021, a Justiça do Trabalho não detém competência para processar e julgar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, ou redirecionamento da execução contra as demais empresas componentes do grupo econômico”.

É equivocada essa decisão.

O artigo 82-A, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005

a) não dispõe sobre competência. Apenas dirige comando o juiz da falência para que observe, ao afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os artigos 50 do CC e 133 e ss. do CPC;

Nesse sentido decisões unipessoais do ministro Roberto Barroso e da 5ª Turma do TST:

“Analiso, por fim, o argumento quanto à incidência do art. 82-A, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005. O art. 82-A, incluído pela Lei n. 14.112/2020, proíbe a extensão dos efeitos da falência aos sócios de responsabilidade limitada e estabelece que o meio adequado para o juízo falimentar atingir o patrimônio dos sócios é a desconsideração da personalidade jurídica. A meu ver, o objetivo do dispositivo não é atribuir a competência exclusiva do juízo da falência para determinar a desconsideração, mas explicitar que tal providência apenas poderá ser determinada pelo juízo falimentar com a observância dos requisitos do art. 50 do Código Civil e dos arts. 133 e ss. do CPC [1].

O art. 82-A da Lei n. 11.101/2005, introduzido pela Lei n. 14.112/2020, não tem incidência sobre os pedidos de recuperação judicial ajuizados antes de 23.02.2021 (art. 5º, § 1º, III, da Lei n. 14.112/2020), caso dos autos, em que a recuperação judicial da reclamada foi ajuizada em 09.04.2019. Não bastasse, ao contrário do que se pretende, ele não atribui competência exclusiva ao juízo falimentar para determinar a desconsideração, mas apenas explicita que ela só poderá ser determinada pelo referido juízo com a observância dos requisitos dos arts. 50 do Código Civil e 133 e ss. do CPC. Precedentes do STF, STJ e TST [2].” 

b) não trata da disregard doctrine, mas da extensão (total ou parcial) dos efeitos da falência aos sócios de responsabilidade limitada (que significa que estes também estão falidos), submetendo-os a todas as consequências da decretação desta (g., a arrecadação de todos os bens).

Extensão dos efeitos da falência aos sócios e a disregard doctrine

O afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins de extensão dos efeitos da falência, como destacado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, “objetiva ampliar a responsabilização civil dos sócios e empresas de um mesmo grupo empresarial, incluindo no procedimento falimentar o patrimônio existente no momento do decreto de falência e impondo a eles a suspeição decorrente da fixação judicial do termo legal de falência” [3].

Bábara Cabral/TST
Prédio do TST, sede do Tribunal Superior do Trabalho

Segundo Sacromone, ainda, podendo a “Massa Falida responsabilizar seus controladores e administrações pelos prejuízos que sofreu, conferiu o art. 82-A a possibilidade de que os terceiros prejudicados possam diretamente responsabilizar seus sócios de responsabilidade limitada, os controladores e os administradores da sociedade falida beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso de personalidade jurídica” [4].

Não se deve, então, confundir a extensão dos efeitos da falência aos sócios com a disregard doctrine. A primeira “pressupõe a desconsideração da pessoa jurídica, mas é mais gravosa do que esta. A desconsideração tem efeitos meramente patrimoniais contra o devedor, ao passo que a extensão da falência, além dos efeitos patrimoniais, sujeita o devedor a diversas obrigações de outra natureza, além de diversas restrições de direito” [5].

A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, como procedimento prévio à extensão dos efeitos da falência, portanto, tem finalidade distinta da desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 855-A da CLT e nos artigos 133 a 137 do CPC (disregard).

Spacca

A partir das premissas deduzidas, podemos afirmar que compete:

a) ao juiz da falência processar e julgar o IDPJ da sociedade empresária falida como procedimento prévio à extensão dos efeitos da quebra aos sócios de responsabilidade limitada (Lei nº 11.101/2005, 82-A, parágrafo único);

b) à Justiça do Trabalho processar e julgar o IDPJ da sociedade empresária em recuperação judicial e falida como procedimento prévio para alcançar os bens dos sócios como responsáveis secundários (disregard doctina) de débitos trabalhistas (CLT, 855-A; CPC, 133 a 137 do CPC).

 


[1] STF-CC-8213 e CC-8318, decisões unipessoais do Min. Roberto Barroso, DJes 16.5.2022 e 14.7.2023.

[2] TST-Ag-AIRR-744-64.2019.5.23.0001, 5ª T., Rel. Min. Morgana de Almeida Richa, DEJT 11.9.2023.

[3] STJ-REsp 1455636/GO, 3ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 29.6.2018.

[4] SACROMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 717-8.

[5] CAMPOS, Maria Tereza Vasconcelos. Desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência no processo falimentar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012.

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