Opinião

Ação judicial como ferramenta de investigação: prática a ser combatida

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18 de outubro de 2024, 15h23

A prática de fishing judicial, caracterizada por investigações sem base concreta em ações trabalhistas e coletivas, gera preocupações crescentes para as empresas. Alegações infundadas e reivindicações de adicionais sem dados específicos colocam o empregador em posição de constante defesa. O abuso do processo como ferramenta investigativa eleva os custos e sobrecarrega o Judiciário com litígios vazios e injustificados.

O fenômeno de fishing no Direito do Trabalho, especialmente em ações coletivas ou procedimentos movidos pelo Ministério Público do Trabalho e sindicatos, tem sido uma prática preocupante para as empresas.

Trata-se da busca indiscriminada de informações ou supostas irregularidades sem uma denúncia ou dado específico.

Alguns exemplos comuns são aquelas ações coletivas que reivindicam adicionais de insalubridade, periculosidade ou horas extras sem fundamentação concreta.

O que se vê a partir disso é uma litigância inadequada que transforma o processo judicial em uma verdadeira ferramenta de investigação, um desvio de sua real função.

A crítica aqui é direta: o uso excessivo e sem fundamento do processo como mecanismo de averiguação é um abuso do direito de ação.

A judicialização deve ser baseada em fatos concretos e não em tentativas generalizadas de encontrar possíveis irregularidades. O “estado da arte”, porém, aponta em sentido contrário: empresas são constantemente forçadas a se defender de alegações sem embasamento, o que gera custos elevados e desnecessários, além de sobrecarregar o Judiciário com processos que poderiam ser evitados.

Prática exige postura combativa das empresas

Nesse cenário problemático, enxergamos que a solução para o fenômeno de fishing no Direito do Trabalho exige uma resposta firme tanto das empresas quanto da magistratura.

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Primeiro, as empresas devem investir em prevenção e compliance robusto, documentando cuidadosamente suas práticas internas. Isso as protege contra alegações sem fundamento, enquanto demonstra que atuam dentro dos parâmetros legais. Entretanto, a atuação proativa das empresas não pode parar por aí.

Não basta ter agido corretamente. É preciso que as empresas tenham como comprovar aquilo que são e que fizeram.

Além disso, é essencial que, ao enfrentar litígios baseados em fishing, as empresas adotem uma postura combativa, buscando a improcedência das ações e, mais importante, utilizando os mecanismos legais para reverter essas ações abusivas.

Tribunais precisam adotar postura ativa contra o fishing

A anulação de processos que se configuram como uma “expedição exploratória”, como reconhecido pelo TJ-SP em casos recentes, deve ser uma das estratégias principais.

Spacca

Em um dos casos que analisamos, que naturalmente não envolvia caso trabalhista, a corte destacou que o autor, ao lançar alegações fantasiosas sem fundamentos concretos, busca realizar uma verdadeira pesca aleatória de provas, esperando encontrar algo que sustente sua pretensão.

Segundo o TJ, isso caracteriza uma forma inadequada de utilização do processo judicial, com o que não poderíamos concordar mais.

A realidade é que o processo judicial não deve ser utilizado para fins exploratórios ou para buscar informações indiscriminadamente.

Nesse sentido, o que nos parece necessário é uma mudança na posição dos tribunais perante esse tipo de ação. Além da improcedência, é necessário buscar a imposição de multa por litigância de má-fé, com base no artigo 80 do CPC, punindo de forma exemplar os litigantes que abusam do processo.

Um belo exemplo dessa conduta foi visto em recente caso envolvendo uma propagandista que processou uma farmacêutica, sob o argumento de exisitirem “diferenças a receber de premiações pagas pela empresa”.

Apesar disso, em audiência, a ex-funcionária afirmou que a empresa dispunha de uma política de premiação impressa e assinada, além de registrar em um sistema interno o fluxo de vendas, o gerou contradição sobre sua tese, uma vez que, pelo relato, ela teria, sim, como saber quais eram os parâmetros para a premiação da farmacêutica.

Na decisão, entendemos que corretamente o juiz do Trabalho do caso compreendeu tal ação como “meramente especulativa”, em uma tentativa de ter a procedência dos pedidos na expectativa de que o ônus da prova seja considerado não satisfeito pela Justiça:

“Causa estranheza que a reclamante, ao mesmo tempo, alegue não ser possível apurar se a remuneração variável era paga corretamente e que existem diferenças devidas, além de estimar um valor aleatório para esse fim” (Proc. nº 1000225-52.2024.5.02.0043).

A partir desse entendimento, foi imposta multa de 10% sobre o valor da casa à propagandista.

Fechando essas ideias, nos parece que para além da conduta das partes, cabe à magistratura coibir ativamente essas práticas abusivas, impondo penalidades adequadas e recusando qualquer tipo de ação que se configure como fishing.

Essa é uma medida necessária para que o processo judicial seja respeitado e utilizado com base em fatos concretos, protegendo as empresas de litígios especulativos e promovendo um ambiente mais justo e equilibrado no contencioso trabalhista. Ganham todos: ganha a dignidade da Justiça e ganham as partes.

Autores

  • é mestrando PUC-SP, professor PUC-Campinas, advogado, coordenador da área trabalhista, advogado trabalhista empresarial e labor and employment attorney no Camilotti Castellani Haddad Dellova Crotti Sociedade de Advogados.

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