Opinião

A necessidade de um órgão de supervisão regulatória: OSR no Brasil

Autores

  • Luiz Alberto dos Santos

    é advogado consultor legislativo do Senado mestre em Administração doutor em Ciências Sociais professor colaborador da Ebape/FGV e ex-subchefe de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil-PR (2003-2014)

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  • Jadir Dias Proença

    é economista especialista em políticas públicas e gestão governamental e coordenador-técnico do PRO-REG (2007/2014).

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17 de outubro de 2024, 11h25

No último dia 14 de outubro, a Folha de S.Paulo publicou que o governo do presidente Lula deve analisar a criação de um “órgão regulador” das agências reguladoras, atualizando a Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019).

Como destaca o jornal, “a discussão ocorre em meio às cobranças feitas à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) por causa do apagão que atingiu São Paulo após um forte temporal registrado na sexta-feira (11)”.

Trata-se de um tema que não é novo no debate sobre a melhoria do sistema regulatório no Brasil, e foi abordado em diversos momentos entre 2007 e 2014 pelo Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para a Gestão em Regulação (Proreg), criado em pelo Decreto 6.062, de 16 de março de 2007 e revigorado pelo Decreto 11.738, de 18 de outubro de 2023.

Mesmo durante a tramitação do Projeto de Lei nº 52/2013, que, retomando os debates travados ao longo da tramitação do Projeto de Lei nº 3.337/2004, foi finalmente convertido na Lei 13.848/2019, esse tema foi debatido, com a proposta de inclusão, na Lei Geral das Agências, da previsão da instituição, no âmbito do conselho de governo da Presidência da República, de câmara específica destinada a avaliar e acompanhar assuntos regulatórios, e opinar sobre propostas de edição ou alterações de atos normativos de caráter geral e significativo impacto econômico, social ou concorrencial que lhe sejam submetidas pelas agências reguladoras, bem assim as respectivas análises de impacto regulatório.

Segundo o parecer então aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado:

“Incluímos, ainda, na forma do art. 6º, § 6º, a previsão da criação pelo Poder Executivo, na forma de Câmara do Conselho de Governo, de um órgão de supervisão regulatória, de caráter colegiado e ministerial, à semelhança da Câmara de Comércio Exterior, que seria responsável pela avaliação e acompanhamento de assuntos regulatórios, pela avaliação de atos de caráter geral de significativo impacto e de suas avaliações de impacto regulatório. Assim como o Office of Information and Regulatory Affairs – OIRA, vinculado à Presidência da República dos EUA, e a Comisión Federal de Mejora Regulatória – COFEMER, vinculada à Secretaria de Economia do México, entre outros organismos de supervisão regulatória relevantes, essa Câmara opinaria, por provocação das próprias agências, sobre as propostas de atos de caráter geral que teriam grande impacto social, econômico ou concorrencial, permitindo um exame mais aprofundado e contribuindo para a redução do déficit democrático das decisões das agências.”

Não obstante, essa proposta, do senador Walter Pinheiro, acabou por ser excluída do substitutivo da senadora Simone Tebet, aprovado pelo Senado, por se tratar de tema sujeito a iniciativa privativa do chefe do Executivo.

Com efeito, uma função essencial no âmbito de governo é a de coordenação, e ela é operacionalizada quando o governo tem um órgão de supervisão para gerir iniciativas e políticas regulatórias.

Retomada

A retomada do debate e eventual proposta legislativa para esse fim, portanto, é oportuna e necessária.

Via de regra, as pessoas se referem ao “governo” como um todo; no Brasil existe uma situação peculiar, pois quando se pensa sobre o governo brasileiro, não há tal coisa como “o” governo, uma única unidade institucional: existem o presidente da República, a Casa Civil, os ministérios, as agências federais, as agências estaduais, do Distrito Federal e municipais.

Todos esses órgãos e entidades fazem parte do contexto do governo, mas cada um tem a sua própria agenda, seus modelos de gestão e de tomada de decisão, e, sobretudo, seus próprios interesses.

Dessa conformação ampla de interesses institucionais resulta uma enorme dificuldade de coordenação e de supervisão, que demanda mecanismos institucionais adequados e que assegurem o alinhamento da ação dos organismos governamentais às diretrizes de governo e às políticas legitimamente definidas pelo resultado eleitoral.

Spacca

No âmbito regulatório, que transcende a atuação, apenas, de agências reguladoras, essa necessidade é ainda mais crítica e sujeita a controvérsias diante da atribuição às agências reguladoras e outros órgãos ou entidades dotados de competências de regulação, de atuarem com autonomia e discricionariedade técnica e a possibilidade/necessidade de se criar um órgão de supervisão da regulação (OSR).

A controvérsia resulta do fato de que, em certo sentido, a supervisão regulatória é vista como a função de “regular os reguladores”, e porque o OSR deve ter, entre outras competências, fiscalizar as ações, decisões, processos e, em alguns casos, até mesmo o conteúdo dos atos emanados das agências reguladoras para com os cidadãos e empresas, para verificar a conformidade com leis e regras legais.

Então, e diante de resistências manifestadas diante da possibilidade de criação de um OSR no Brasil, uma pergunta, sobressai: como supervisionar os reguladores?

Entende-se que no contexto brasileiro o que se poderia fazer para melhor clarificar essa nada simples situação seria explicitar, no plano legal, as competências de um OSR, assegurada a sua inserção no mais alto nível de decisão, ou seja, no centro de governo, que tem a função de assegurar a coerência intragovernamental.

E não em âmbito setorial, mais sujeito a pressões de interesses específicos, de forma a respeitar os níveis de autonomia atribuídos a cada agência governamental, e que a existência do OSR não teria por finalidade limitar, questionar ou contestar o que os reguladores estão fazendo no exercício da sua discricionariedade técnica, que é, inclusive, imune a revisão judicial, ou mesmo as políticas regulatórias e prioridades por eles adotadas, mas sim como as estão fazendo, como as regulações vêm sendo preparadas. E, por fim, como parte de uma estratégia ampla de simplificação administrativa, se elas atingem os seus objetivos da maneira menos onerosa para os cidadãos e empresários.

Além disso, entende-se como primordial observar uma outra atividade do OSR que é fornecer treinamento e aconselhamento; porque o problema é que não se pode dizer para um regulador “olha, você não fez o seu trabalho corretamente” se o regulador não sabe exatamente o que é esperado dele.

Assim, a atuação do OSR estabelece uma espécie de diálogo de políticas entre esse órgão enquanto parte do “centro de governo” e os reguladores, e, a partir de então, apresentar diretrizes, guias sobre como, por exemplo, fazer a análise de impacto regulatório (AIR), simplificação administrativa, gestão do estoque regulatório, planejamento estratégico, agenda regulatória, supervisionar a qualidade dos processos de consulta, enfim, promover, de forma consistente e permanente, o uso adequado de ferramentas voltadas para a reforma e a melhoria da qualidade da regulação.

De acordo com Santos [1], a contextualização deve ser situada no âmbito do sistema constitucional brasileiro, na medida em que existem dispositivos que regem na Constituição a organização e o funcionamento da administração pública e particularmente do Poder Executivo, e, especialmente o artigo 174, que é o que direciona de forma mais efetiva a ação regulatória do Estado, inclusive como uma função que lhe é específica e exclusiva.

Assim, tem-se como função de Estado o exercício da regulação, lado a lado com as funções de provisão de bens públicos, redistribuição de renda, particularmente no campo da política econômica e social, do estímulo à atividade econômica e à livre iniciativa, mas essa regulação é vinculada a alguns conceitos, como os de eficácia, eficiência, transparência e accountability, que orientam a ação e a atuação do poder público através de todos os seus agentes.

E vai mais além, para situar que “a natureza jurídica dos entes regulatórios é relevante, sobretudo porque não se trata aqui de imaginar agentes públicos que estejam ao alcance do braço do governo, mas que fazem parte do próprio corpo do governo”; dificuldade, aliás, explicitada acima.

Enfatize-se que “no caso brasileiro, a Constituição é muito clara ao estabelecer os conceitos de administração direta, autárquica e fundacional como parte de um todo que só é separado, na verdade, por razões de natureza operacional ou por conveniência. Todas essas instituições, sejam da administração direta ou indireta, no âmbito do direito público, responsáveis pelas ações exclusivas de Estado, são partes, sim, de um único poder, que é o Executivo.” (Santos, 2015)

Ainda, com vistas a melhor contextualizar a questão, aqui relacionada explicitamente ao OSR, deve-se observar que a supervisão regulatória objetiva aperfeiçoar a função regulatória com redução dos custos envolvidos e transparência do processo.

No entanto, faz-se necessário observar que a atuação do OSR de maneira isolada não é suficiente, mas, agregada a outras ferramentas, tais como a AIR, mecanismos que permitam aprimorar a accountability do processo e a perene capacitação dos quadros técnicos envolvidos com a regulação, para lograr o seu objetivo permitiria uma melhor reforma e melhoria da qualidade da regulação no Brasil.

É importante destacar que, sob a perspectiva constitucional, a supervisão ministerial, ou, acima dela, a capacidade do chefe do poder executivo de exercer a direção superior da administração federal, no caso brasileiro, demanda mecanismos efetivos de exercício dessa competência irrenunciável, sob pena de, no vácuo, a função acabar por ser exercida pelo Poder Legislativo, com fundamento, por exemplo, na capacidade de sustação de atos que exorbitem do poder regulamentar, que não apenas se aplica aos decretos presidenciais, como exercício de função regulatória, suplementando a regulação primária, fixada em leis, mas também os atos praticados por entes reguladores.

Dessa forma, a existência de um OSR atende, sobretudo, à necessidade de assegurar-se o exercício de um poder constitucionalmente instituído, nos seus estritos limites, e, assim, evitar que haja um agravamento dos riscos de interferência indevida oriunda do jogo de pressões que é típico do funcionamento dos parlamentos [2].

Contudo, e observando-se a experiência de países que adotaram de forma exitosa OSR’s, como Reino Unido, EUA e Nova Zelândia, os oficiais governamentais encarregados da supervisão regulatória precisam ser cuidadosos ao ser visíveis e relevantes no mais alto nível político, porém não podem sobrepor-se aos reguladores, adotando um comportamento discreto em termos de comunicação de suas atividades e mantendo relações horizontais cooperativas e respeitosas com as instituições reguladoras. Desse modo, precisam construir uma cooperação baseada em confiança com reguladores e demais órgãos ministeriais, através da parceria e do diálogo [3].

Por fim, trata-se de solução que a OCDE recomenda aos seus países membros. A Resolução do Conselho de Ministros de 2010 é clara ao propor que sejam estabelecidos mecanismos e instituições para supervisionar ativamente os procedimentos da política regulatória e seus objetivos, apoiar e implementar a política regulatória.

E, assim, promover a qualidade regulatória, publicados regularmente relatórios sobre o desempenho da política regulatória, dos programas de reforma, bem como das autoridades públicas responsáveis pela aplicação das regulações, incluindo informações sobre como instrumentos regulatórios.

Para assegurar a efetividade dos sistemas de revisão da legalidade e imparcialidade processual das regulações, bem como das decisões tomadas pelos órgãos competentes na aplicação de sanções regulatórias, deve se aplicar a avaliação de riscos, gestão de riscos e estratégias de comunicação de risco para a concepção e implementação das regulações para garantir que a regulação seja direcionada e efetiva, e  promover a coerência regulatória através de mecanismos de coordenação entre os níveis supranacional, nacional e subnacional do governo [4].

Para tanto, os arranjos de governança adotados, e as instâncias de diálogo para tanto criadas, cumprem papel essencial, propiciando uma supervisão e coordenação baseada em cooperação e não em antagonismo ou hierarquia.

 


[1] Santos. Luiz Alberto dos. Supervisão regulatória na experiência mundial recente. In SALGADO, Lucia Helena; FIUZA, Eduardo (orgs). Marcos Regulatórios no Brasil: Aperfeiçoando a qualidade regulatória. Ipea, 2015.

[2] Ver McCubbins, Mathew D. & Schwartz, Thomas. Congressional Oversight Overlooked: Police Patrols versus Fire Alarms American Journal of Political Science, Volume28, lssue 1 (Feb., 1984), 165-179.

[3] Cfe. OECD Conference, Regulatory Policy at the Crossroads: Towards a New Policy Agenda. Paris, 28 October 2010.

[4] OCDE. RECOMENDAÇÃO DO CONSELHO SOBRE POLÍTICA REGULATÓRIA E GOVERNANÇA. Paris: OECD, 2012. https://www.gov.br/casacivil/pt-br/conteudo-de-regulacao/regulacao/documentos/biblioteca-nacional/2012/recomendacoes-do-conselho-sobre-politica-regulatoria-e-governanca

Autores

  • é advogado, mestre em Administração, doutor em Ciências Sociais, ex-subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil-PR (2003-2014), pofessor Colaborador da Ebape/FGV e sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas públicas.

  • é economista, especialista em políticas públicas e gestão governamental, e coordenador-técnico do PRO-REG (2007/2014).

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