escolha da genitora

Sigilo da adoção garantido por lei se estende ao pai e à família extensa

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16 de outubro de 2024, 14h17

O direito ao sigilo sobre o nascimento e a adoção da criança, quando exercido pela mãe, estende-se também ao suposto pai e à família, que não precisam ser informados e consultados antes da destinação do recém-nascido.

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Mãe tem direito de sigilo sobre nascimento e adoção da criança, segundo o ECA

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que autorizou a entrega de um bebê para adoção sem a consulta da família biológica ou extensa. O tema é inédito na jurisprudência da corte.

O julgamento foi por unanimidade de votos, mas teve importantes diferenças de fundamentação quanto à interpretação dada ao artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O caso concreto trata de uma mulher que engravidou e decidiu entregar o bebê para adoção. Ela concluiu que não poderia cuidar de mais uma criança por conta de sua condição financeira.

O relatório social elaborado indica que seus familiares não teriam condições de assumir essa responsabilidade. Ela diz que a mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos, e que os irmãos têm casamentos ruins e condições financeiras complicadas.

Por entender que a decisão de dar a criança para adoção foi madura, baseada em argumentos lógicos e concretos, o juízo de primeiro grau homologou a renúncia ao poder familiar materno e encaminhou o bebê para adoção.

O Ministério Público de Minas Gerais recorreu por entender que o sigilo garantido por lei não alcança a família extensa da criança, que deve ser previamente buscada, diante da prevalência do direito do menor de a conhecer e de com ela conviver.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais concordou e entendeu que, antes de optar pela adoção, medida excepcional e irrevogável, seria prudente buscar alternativas para que a criança fosse inserida na sua família natural.

O caso chegou ao STJ em recurso da Defensoria Pública de Minas Gerais. Relator, o ministro Moura Ribeiro entendeu que a adoção é possível sem a consulta prévia da família extensa.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva não divergiu da conclusão, mas defendeu que somente em casos excepcionais, em que os familiares não tenham sequer conhecimento da gravidez ou condições de permanecer com a criança, é que se poderá dispensar a busca pela família extensa.

Ministro Moura Ribeiro concluiu que sigilo se estende também ao pai e à família extensa

Direito ao sigilo

Para resolver o recurso, o colegiado deu interpretação ao artigo 19-A do ECA, incluído em 2017 para definir o procedimento de adoção voluntária. A norma dá segurança à gestante e evita alternativas drásticas como aborto clandestino ou abandono em vias públicas.

O procedimento é de que a mulher que manifeste interesse em entregar o filho para adoção deve ser encaminhada à respectiva Vara da Infância e da Juventude para ser entrevistada por equipe interprofissional, com elaboração de um relatório.

O parágrafo 3º da norma diz que a busca à família extensa será feita em, no máximo, 90 dias, prorrogáveis por igual prazo. Já o parágrafo 5º diz que, após o nascimento, a vontade da mãe ou de ambos os genitores (se houver pai indicado) deve ser manifestada em audiência, garantindo-se o sigilo sobre a entrega para adoção.

O nono parágrafo garante à mãe o sigilo sobre o nascimento da criança, a qual terá o direito de conhecer sua origem biológica e os detalhes de sua adoção quando completar 18 anos, como prevê o próprio ECA.

Escolha da mãe

Diante desse cenário, a conclusão do ministro Moura Ribeiro é que a legislação assegura à gestante o direito de entregar o seu filho para adoção sem que haja permissão do genitor, tratando-se de um direito subjetivo dela.

Para ele, a interpretação mais razoável é a de que, uma vez exercido o direito da gestante ao sigilo sobre o nascimento da criança (parágrafo 9º do artigo 19-A do ECA), fique dispensada a busca à família extensa (parágrafo 3º do mesmo artigo).

Ricardo Villas Bôas Cueva 2024

Ministro Cueva defendeu que apenas em casos excepcionais seja dispensada a busca pela família extensa da criança a ser adotada

Se o legislador assegurou o sigilo sobre o ato de vontade da genitora, impor a busca da família externa tornaria essa previsão ineficaz.

O relator defendeu em seu voto que o sigilo seja priorizado por permitir que a mulher faça a escolha da adoção de maneira livre, segura, refletida e responsável, tendo sua intimidade, privacidade e direitos plenamente preservados.

A conclusão foi orientada ainda pela Resolução 485/2023 do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual o sigilo do nascimento, e da própria entrega para adoção, estende-se para o genitor e para a família extensa.

“No que tange ao direito do suposto pai de conviver com o filho, não há dúvidas sobre a igualdade entre os genitores, mas tudo leva a crer que o legislador elegeu o processo gestacional da mulher, a sua liberdade de planejamento familiar e de autodeterminação, legitimando-a ao exercício ou não do parto sigiloso, de modo que, optando pelo exercício de tal direito, deixa de ter relevância a vontade da figura paterna.”

Situação excepcional

Em seu voto, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva concordou com o resultado do julgamento, mas fez ressalvas.

Para ele, não se pode afirmar que o direito da mãe ao sigilo na entrega do recém-nascido para adoção se sobreponha ao direito de a criança conviver com a família extensa, quando as circunstâncias do caso assim recomendarem.

“Somente em casos excepcionais, em que os familiares não tenham sequer conhecimento da gravidez ou condições de permanecer com a criança é que se poderá dispensar a busca pela família extensa”, destacou ele.

O ministro Cueva reconheceu que, na grande maioria dos casos, mães nessa situação não têm suposto pai a indicar, e os estudos psicossociais possivelmente apontarão a impossibilidade de entregar a criança à família extensa. Assim, caberá a adoção.

“O que não se pode, ao meu ver, é conferir interpretação ao artigo 19-A, parágrafo 9º, do ECA que afaste o direito da criança a conviver com a família extensa e que dispense a anuência do genitor quanto à adoção, se houver pai registral ou pai indicado.”

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REsp 2.086.404

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É justo que a mãe tenha o direito de entregar a criança para adoção sem consultar o pai?

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