Opinião

Necessidade de repensar o direito de arrependimento previsto no CDC

Autor

  • Bruno Fuga

    é advogado professor doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020) pós-doutorando pela USP membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina (PR) mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil) pós-graduado em Processo Civil (2009) pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011) coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB Londrina membro do IBPD e IAP conselheiro da OAB Londrina e editor-chefe da Editora Thoth.

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16 de outubro de 2024, 9h12

Maria deseja comprar uma bolsa para usar em sua formatura. Ela visita uma famosa loja no shopping de sua cidade, olha, analisa, mas no momento decide não comprar. No mesmo dia entra no site dessa famosa loja, analisa a mesma bolsa e, inclusive, visualiza a possibilidade de personalizar pequenos detalhes na bolsa. Ela então compra pelo site. A bolsa chega no prazo adequado, um dia antes da sua formatura. Ela usa, adora o produto, mas no outro dia decide exercer o direito de arrependimento previsto no CDC para compras fora do estabelecimento comercial (CDC, artigo 49). A empresa, com isso, deverá devolver à Maria todos os valores pagos, devidamente atualizados, e, inclusive, o valor pago pelo frete com entrega rápida.

João gosta de ler livros. Recentemente comprou um famoso aparelho leitor de livros online. Com ele agora é possível ler livro sem a necessidade de ser impresso. Pelo leitor de livros, João acessa a versão online dessa famosa loja e compra um bestseller recém-lançado. O livro é disponibilizado de forma imediata no aparelho eletrônico para João na compra online. O livro tem excelente conteúdo e João termina a leitura em cinco dias. No outro dia João se lembra do direito de arrependimento previsto no CDC para compras fora do estabelecimento comercial (CDC, artigo 49). Como ele raramente lê um livro duas vezes, decide exercer o direito de arrependimento, e o livro é devolvido eletronicamente à empresa sem nenhum custo para o consumidor.

Pois bem. O direito de arrependimento tem previsão expressa no CDC, assim fazendo constar:

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.

 

Não há no direito de arrependimento exceções. É, como mencionado no dispositivo legal, um prazo de reflexão, mas discordamos desse caráter quase absoluto de arrependimento.

Spacca

Como descrito nos dois exemplos iniciais, há certos produtos que não deveriam comportar o direito de arrependimento, e o livro, por exemplo, é um deles. Do contrário, basta pensar, poderia o leitor comprar quantos livros quisesse, de qualquer valor, para ler em sete dias ou digitalizá-los ao chegar em casa e, antes dos sete dias, devolvê-los.

Veja que o direito ao arrependimento não deveria ser absoluto (nada é absoluto, diga-se), não deveria incluir, por exemplo, produtos perecíveis, personalizados sob encomenda, arquivos digitais de som, imagens e textos [1]. Há, nesse sentido, cursos hoje disponibilizados em versão online, altamente complexos e caros – o interessado comprador poderia, por exemplo, adquirir o curso, assistir a ele completo e estudar, ao final, exercer o direito de arrependimento a seu bel-prazer?

Imagine um arquivo de som, no qual o usuário pode receber, gravar o conteúdo e devolver; não se aplicaria o direito de arrependimento. O mesmo se aplica a imagens, produtos personalizados e textos.

Outro exemplo pertinente seria o setor de turismo que vende pacotes de viagens. Os valores dos produtos são calculados no período determinado da venda, mas o comprador pode desejar exercer o direito de arrependimento no final do prazo de sete dias. Ocorre que após esse prazo os preços das passagens podem mudar significativamente de valor, causando prejuízo para as empresas.

Impacto nas empresas

Nesse sentido, há produtos de consumo imediato, como filmes, vídeos, imagens adquiridas e livros virtuais [2]. Podemos refletir sobre qual a diferença entre adquirir um DVD ou livro (físico ou digital) pelo site ou no estabelecimento físico? Em ambos os casos, o consumidor terá o pleno acesso às características e informações essenciais dos produtos, podendo ainda pela internet comparar preços de produtos com maior agilidade [3].

Possibilitamos, assim, a compra de produtos para uso momentâneo e de maneira oportunista, afetando diretamente e com maior impacto pequenas empresas. Para grandes empresas esses custos causados por condutas abusivas são devidamente calculados e, com isso, há um impacto inflacionário no preço final do produto.

Assim, embora seja o direito de arrependimento uma ferramenta essencial para a proteção do consumidor em compras fora do estabelecimento comercial, seu uso indiscriminado causa prejuízo para a economia. É necessário maior rigor legislativo para restringir alguns tipos de produtos como não permitidos ao direito de arrependimento.

 


[1] Nesse sentido em “https://www.consumidormoderno.com.br”.

[2] https://ligiavasconcelos.jusbrasil.com.br/artigos/460733580/os-limites-ao-direito-de-arrependimento

[3] Citando esse argumento, https://www.conjur.com.br/2015-fev-21/direito-arrependimento-nao-vale-toda-compra-internet

Autores

  • é advogado e professor, doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020), pós-doutorando pela USP, membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina, mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil), pós-graduado em Processo Civil (2009) e em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011), ex-coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB-Londrina (PR), ex-coordenador da pós-graduação em Processo Civil do IDCC Londrina (2018-2022), membro do IBPD, IAP e IPDP, conselheiro da OAB Londrina e editor chefe da Editora Thoth.

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