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Fundos bilionários cercam governo para influenciar decisões judiciais

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16 de outubro de 2024, 15h26

A década de 70 do século passado ungiu os militares como mandarins da República. Na década de 80, os tecnocratas tomaram seu lugar. Mas com a nova Constituição Federal em vigor, delegou-se ao Supremo Tribunal Federal o papel que tem hoje: o de principal protagonista do cenário nacional. O STF como expressão do Judiciário brasileiro.

Lula e o presidente italiano Sergio Mattarella durante encontro em Brasília

Uma visão alienígena estrábica, contudo, parece crer que o Poder Executivo — hipertrofiado no curso da história — tem ascendência sobre a Justiça do país. Não é uma influência nula, claro. Mas bem menor do que se sonha.

Mas os fundos de investimentos bilionários, que atuam por trás de quase todas as guerras comerciais que trafegam na Justiça, movem montanhas. E não hesitam em mobilizar governos para entrincheirar o Judiciário.

O presidente italiano Sergio Mattarella veio ao Brasil em julho deste ano para conversar com seu homólogo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foi a primeira visita de um presidente italiano em 24 anos.

Na semana passada, foi a vez do vice-primeiro-ministro italiano Antonio Tajani fazer carga. Ele se comprometeu com memorandos de cooperação para o aprofundamento das relações entre Brasil e Itália.

Em um encontro na Fiesp, do qual participou o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Tajani aventou a possibilidade de parcerias em energia nuclear, além de joint ventures entre empresas italianas e brasileiras, visando, inclusive, o mercado africano.

Disse também que a Itália está trabalhando para remover os “poucos obstáculos” que restam para chegar mais rápido a uma conclusão positiva do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Parecia candidato em busca de votos.

Interferência indevida

O pano de fundo de tanta diplomacia, contudo, não são os 150 anos da imigração italiana para o Brasil, mas a disputa que trava o grupo ítalo-argentino Ternium com a Companhia Siderúrgica Nacional pelo comando da Usiminas. Um negócio da ordem de muitos bilhões, com potencial para outros tantos a longo e curto prazo.

Não é uma dedução. O vice-premiê cobrou em público uma posição da Fiesp a favor da empresa de seu país. Tajani atacou a decisão mais recente do Superior Tribunal de Justiça a favor da CSN. “Um absurdo”, disse. Josué Gomes, presidente da Fiesp, discordou e reagiu contra o lobby para interferir na Justiça pela via da política.

A Ternium quer reverter decisão judicial que condena o grupo italiano a pagar R$ 5 bilhões à CSN e outros minoritários pelo fato de a companhia ter adquirido o bloco de controle da siderúrgica brasileira sem ter feito a oferta pública de ações ordinárias (OPA) prevista em lei.

Embora esteja no controle da Usiminas, a Ternium nega que tenha adquirido esse controle. O Superior Tribunal de Justiça, de início, entendeu que a estrangeira não precisava ter dado aos minoritários a oportunidade de vender suas ações nas mesmas condições da aquisição do controle.

O STJ mudou de opinião quando a Ternium publicou o que se chama de “fato relevante”, informando ao mercado que assumira o comando da Usiminas. No entanto, a companhia segue afirmando que não assumiu o controle que admitiu deter publicamente. Foi disso que o presidente e o vice-primeiro-ministro da Itália vieram tratar no Brasil.

Laboratório de pernadas

As grandes guerras comerciais, conforme descreveu Douglas Ramsey no livro Os Guerreiros dos Negócios (Record), comportam todo tipo de pernadas. Em outra grande disputa, essa entre a J&F de Joesley Batista e a indonésia Paper Excellence, a manobra foi diferente.

Comitiva da Suprema Corte da Indonésia visitou o Superior Tribunal Militar em agosto

Este ano, o presidente da Suprema Corte da Indonésia, Muhammad Syarifuddin, acompanhado de um grupo de juízes daquele país e do embaixador da Indonésia no Brasil, Edi Yusup, visitou os tribunais superiores de Brasília. Ofereceram diversos acordos de cooperação para capacitação de recursos humanos, intercâmbio de informações e estudo comparativo de jurisprudência entre as Cortes.

Antes disso, no encontro da cúpula estendida do G7, em Hiroshima, no Japão, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, procurou Lula para um encontro de meia hora.

O pretexto foram os 70 anos de relações diplomáticas entre os dois países, que têm uma parceria estratégica com acordos em áreas como agricultura, sistemas bancários, educação, energia e mineração, erradicação da pobreza, comércio e investimentos.

Com a mão do gato

Esses truques centrados em guerras comerciais têm jurisprudência firmada. Em 2008, eleito presidente da Coreia do Sul, Myung-bak, ex-alto executivo da Hyundai, para eximir-se de um desfalque monumental na empresa, alegou que o desvio ocorrera no Brasil.

A empresa autorizara um aumento de capital da joint venture criada no Brasil para implantar uma fábrica de carros em Camaçari (Bahia), na década de 1990, que nunca saiu do papel. A matriz comprometeu-se com o governo brasileiro a construir a fábrica, mas deixou de remeter a parte do dinheiro que devia.

Deram um calote nos sócios brasileiros e no governo brasileiro, que havia subsidiado o projeto. E alegaram que a empresa foi à lona na Coreia por causa de “desvios” no Brasil. A saída foi culpar um sócio da então denominada Asia Motors no Brasil, Chong Jin Jeon.

O governo coreano jogou todo seu peso político na extradição de Jeon, que vivia há décadas no país, com família brasileira. O governo empenhou-se de corpo e alma para atender o presidente coreano e Jeon foi extraditado. Com isso, Myung-bak absolveu-se, com a ajuda do governo e do Judiciário brasileiros.

À medida em que a Justiça participa mais da vida da sociedade, existe também o movimento em sentido contrário. Mas casos como o do rompimento da barragem de Mariana mostram o quanto a magistratura brasileira está exposta a chuvas e trovoadas. A justiça britânica resolveu substituir-se à do Brasil para decidir lá o que aconteceu aqui. Onde isso vai chegar, só aguardando os próximos capítulos.

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