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STJ define conceito de ato de governo local para cabimento de recurso especial

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15 de outubro de 2024, 13h53

Para o cabimento de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça por ato de governo local contestado em face de lei federal, é preciso que a ação seja caracterizada por um comando geral e abstrato dirigido a uma coletividade indeterminada.

Paulo Sérgio Domingues 2024

Paulo Sérgio Domingues analisou jurisprudência e propôs interpretação restritiva sobre ato de governo local

A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu de recursos especiais ajuizados pelo estado de Santa Catarina e pelas Centrais Elétricas de Santa Catarina contra atos relacionados ao serviço de fornecimento de gás encanado.

O caso trata de alterações promovidas no estatuto social da Companhia de Gás de Santa Catarina (SCGás), que resultaram na mudança da proporção do capital social da empresa em acordo com seus acionistas.

Essas medidas teriam retirado do controle do estado uma empresa de economia mista que presta o serviço em regime de monopólio. Para os recorrentes, houve ofensa a dispositivos do Código Civil, da Lei das Sociedades por Ações e do Decreto-Lei 200/1967.

Os recorrentes ajuizaram recurso especial com base no artigo 105, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal. Ele prevê que o STJ julgue recursos contra decisões de segunda instância que consideraram válido o ato de governo local contestado em face de lei federal.

São raros os recursos com base nesse permissivo que têm o mérito analisado no STJ. Quase sempre defeitos de prequestionamento ou fundamentação impedem que sejam conhecidos.

Com isso, o tribunal teve poucas oportunidades de se debruçar e o conceito de “ato de governo local” que daria ensejo ao recurso especial pela alínea “b”. E a jurisprudência sobre o tema no STJ e no Supremo Tribunal Federal mostra que nunca houve um consenso.

Conceito pouco discutido

Por unanimidade, a 1ª Turma do STJ aderiu à proposta do ministro Paulo Sérgio Domingues, que ofereceu interpretação mais restritiva para o que seria “ato de governo local”.

Com base na doutrina de Pontes de Miranda, ele defendeu que esses atos têm de ter imperium, ou seja, que seja um ato normativo caracterizado por um comando geral e abstrato dirigido indistintamente a uma coletividade indeterminada de cidadãos submetidos à autoridade do estado ou do município.

Em sua interpretação, o objetivo do permissivo da alínea “b” é preservar a integridade da União por meio da garantia da observância da lei federal pelos estados e municípios. Assim, se um deles edita um ato geral e abstrato, é necessário que ele seja submetido a controle do STJ, ainda mais quando validado por instância judiciária estadual, embora contestado em face de lei federal.

“Nessas circunstâncias, inexistindo controle externo aos lindes estaduais, é grande o risco de ferimento ao pacto federativo pela potencial corrosão da aplicação uniforme da legislação federal no território dos estados”, avaliou.

Não é qualquer ato

A alternativa para essa interpretação seria concluir que o ato de governo local significa corresponde a qualquer ato administrativo estadual ou municipal, ainda que individualizado e de efeitos concretos.

Nesse caso, seria possível usar o permissivo da alínea “b” para contestar inscrições na dívida ativa, ato de nomeação, aposentadoria, demissão de servidor público ou qualquer ato praticado pelo ente estadual ou municipal.

“Seria redundante admiti-lo também por (alínea)“b”, elastecendo desnecessariamente o campo de aplicação deste último preceito constitucional, em circunstâncias concretas dissociadas das razões históricas que justificam a existência da norma garantidora da integridade da União”, disse o relator.

Ato do governo local

No caso concreto, os estatutos sociais de sociedade empresarial e o acordo de acionistas contestados em face de leis federais não podem ser considerados ato de governo local, de modo a justificar a interposição do recurso.

“Não consinto que tais atos jurídicos, que não são normativos e não produzem efeitos para além dos partícipes desses atos, possam ser enquadrados no conceito de ‘ato de governo local’”, disse o ministro Domingues.

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REsp 1.851.431

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