MURO ALTO DEMAIS

STJ confirma multa de R$ 10 milhões por decisão descumprida em briga de vizinhos

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15 de outubro de 2024, 15h53

Se a multa por descumprimento de decisão judicial foi estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la posteriormente alegando que a quantia final é muito alta, pois ela decorre da recalcitrância do réu.

Briga de vizinhos e multa tratam de muro que impedia vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro

Com essa conclusão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação ao pagamento de R$ 10 milhões em multa pelo descumprimento de uma obrigação fixada no âmbito de uma briga entre vizinhos por conta da altura de um muro.

O resultado, por maioria de votos, decorre do rigor acentuado que o tribunal adotou ao julgar casos em que esse tipo de multa, chamada de astreinte (multa diária imposta por uma condenação judicial ), só alcança valores muito altos em decorrência do não cumprimento da obrigação.

A própria 3ª Turma tem precedente segundo o qual a multa diária não deve ser reduzida se decorrer do descaso do devedor. E a Corte Especial vetou, em abril, a ocorrência de sucessivas revisões do valor, sob pena de desestimular que o devedor cumpra a obrigação.

Muro muito alto

O caso remonta à 1983, quando um casal ajuizou ação contra seu vizinho, que construiu muro de 9,5 metros de altura, impedindo a aeração, insolação e a vista panorâmica da famosa Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.

As partes chegaram a um acordo em 1985, estabelecendo altura máxima de 2 metros para a divisa entre os imóveis. Acima disso, só seria permitido colocação de elementos vazados que não impactassem a circulação de ar, incidência do sol e a vista.

O acordo foi descumprido pelo vizinho anos depois, quando ergueu um aramado e criou um “paredão verde” para instalação de plantas trepadeiras, além de árvores mais altas que o muro.

Com isso, foi ajuizado novo processo, em 1998, em que o juiz fixou a obrigação de podar as árvores e plantas, limitando sua altura à do muro, no prazo de dez dias, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, obrigação confirmada pelo próprio STJ em 2008.

Os vizinhos condenados descumpriram a ordem judicial em dois períodos. Foram intimados da decisão em 18 de fevereiro de 2009, mas só fizeram a primeira poda em 19 de outubro daquele ano, acumulando 243 dias de multa.

Já a segunda poda foi feita apenas em 10 de setembro de 2014, 1.422 dias depois. Com isso, o valor atualizado das multas alcançou R$ 20 milhões e acabou reduzido para R$ 10 milhões pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com base no princípio da razoabilidade.

Ao STJ, os vizinhos condenados — agora representados pelo espólio — alegaram que o valor da condenação é maior do que o da própria servidão paisagística e apontaram que haveria enriquecimento sem causa na execução da multa.

Nancy Andrighi 2024

Andrighi aplicou jurisprudência do STJ sobre multa por descumprimento de ordem judicial

Basta cumprir a ordem

Relatora, a ministra Nancy Andrighi votou contra a revisão do valor acumulado. Ela aplicou a jurisprudência segundo a qual cabe ao Judiciário analisar se o valor inicial da astreinte foi fixado de forma proporcional à obrigação imposta.

“Se a única causa para a exorbitância do valor total das astreintes foi o descaso do devedor, não é possível, em regra, reduzi-las”, resumiu a ministra.

Em sua análise, os réus na ação agiram de maneira negligente ao não cumprir a obrigação de podar as árvores e liberar a vista, a circulação de ar e a incidência de sol na casa vizinha. Portanto, não há espaço para discutir o valor acumulado da multa.

“Conquanto não se deva conferir à multa periódica caráter punitivo ou reparatório, não se pode deixar de considerar, no exame da questão, o bem jurídico tutelado e as consequências, ainda que potenciais ou dedutíveis, do descumprimento de ordem judicial”, disse.

O voto foi acompanhado pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Humberto Martins.

Valor abusivo

Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Moura Ribeiro, que votou por reduzir a multa por descumprimento de decisão judicial para R$ 500 mil.

Em sua análise, a multa deve ser arbitrada com a expectativa fiel de que seja suficiente e compatível para obter do executado o cumprimento em tempo razoável da obrigação de fazer ou não fazer desejado.

“Se tal não se dá, não pode, nem sequer há razão plausível para a multa perdurar e se estender indefinidamente, gerando apenas o efeito perverso de atingir um valor absurdo, desproporcional com a obrigação perseguida”, disse.

Ou seja, se a multa não foi capaz de fazer o vizinho podar as árvores até a altura do muro, deveria ser substituída por outra medida de apoio que fosse capaz de cumprir esse objetivo.

“Seguindo apenas a multa até o atual valor estratosférico e fora de qualquer razoabilidade, é certo que ela não pode prevalecer, a despeito de o executado ter permanecido omisso e sido o principal responsável pela elevação do seu valor”, afirmou.

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REsp 2.097.457

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