Em busca da pacificação

Embate sobre relatórios financeiros exige critérios do Supremo, afirma presidente do Coaf

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15 de outubro de 2024, 20h39

Depende do Supremo Tribunal Federal a pacificação do embate sobre a produção de relatórios de inteligência financeira (RIFs) pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido de investigações policiais e do Ministério Público.

ricardo liáo

Presidente do Coaf falou sobre a produção de RIFs em congresso da Febraban

Quem faz essa avaliação é o presidente do Coaf, Ricardo Liáo, que tratou do tema em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

“O que talvez trouxesse um ponto final a esse debate é o Supremo conseguir estabelecer objetivamente quais seriam os requisitos mínimos, máximos ou básicos a serem observados nas demandas oriundas das autoridades de investigação, quer seja alguma das polícias, o Ministério Público ou outro órgão de controle, que (o Supremo) definisse quais precedentes deveriam ser necessariamente observados para que a demanda fosse atendida, caso houvesse informações disponíveis no Coaf envolvendo essas pessoas físicas ou jurídicas”, afirmou ele.

“Isso colocaria um ponto final na discussão sobre ter de haver ou não um inquérito, se pode ser um procedimento investigativo preliminar, ou a partir de uma simples suspeição. Ou seja, sai dessa discussão pontual de cada caso e estabelece um referência para quando o Coaf for provocado.”

Controvérsias sobre RIFs

Em 2019, o STF julgou constitucional o compartilhamento, de ofício, de informações sigilosas pelo Coaf e pela Receita Federal para fins penais, sem autorização judicial prévia. Já o caminho inverso, ou seja, quando ambos os órgãos são provocados, carece de pacificação.

Conforme mostrou a ConJur, a produção de RIFs pelo Coaf por demanda de órgãos de persecução penal aumentou 1.339,4% em uma década. Em 2014, foram produzidos 1.035 relatórios a pedido dessas instituições. Em 2023, o número chegou a 13.863, um recorde.

Reportagens anteriores também evidenciaram a cizânia na jurisprudência sobre o tema, com contradições sobre a altura em que o pedido ao Coaf pode ser feito e a necessidade de supervisão judicial. No Supremo, a 1ª Turma passou a validar a requisição de RIFs ao Coaf sem aval prévio de um magistrado, enquanto a 2ª Turma disse que não é possível pedir esses dados sigilosos sem antes obter uma autorização judicial.

Já no Superior Tribunal de Justiça, em julgamento no último mês, a 5ª Turma acolheu embargos de declaração com efeitos infringentes para anular um acórdão e, assim, tornar inválido o compartilhamento de relatório pelo Coaf antes da instauração do inquérito.

A controvérsia sobre os RFIs pautou, por exemplo, a denúncia arquivada de suspeita de “rachadinha” pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A investigação do caso partiu de um relatório pedido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro ao órgão de inteligência. O documento do Coaf acabou, no entanto, anulado pelo STF, já que foi produzido quando Flávio sequer era suspeito em procedimento investigatório.

Liáo diz que, na ausência de um entendimento consolidado, o Coaf tem exigido, na maioria dos casos, que o pedido de relatório tenha referência a um inquérito já instaurado e conte com a descrição do fundado indício que o motivou. “Esses são dois requisitos mínimos que, pela referência das decisões anteriores, a gente tem observado para disseminar esses relatórios de intercâmbio.”

Prevenção à lavagem de dinheiro

O presidente do Coaf falou à ConJur durante sua participação no 14º Congresso de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT), promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) entre esta terça (15/10) e quarta-feira (16/10), em São Paulo.

Liáo também comentou brevemente o tema no palco do congresso, ao conduzir palestra junto de Jérôme Beaumont, secretário-executivo do Grupo de Egmont, entidade que reúne unidades de inteligência financeira (UIFs) — equivalentes ao Coaf — de diversos países. Para o presidente da UIF brasileira, a discussão ocorrida no Brasil também pauta investigações e processos judiciais no exterior.

“O nosso modelo de UIF é administrativo. Existem países, como o Peru e a Argentina, com modelo policial, em que a própria UIF é que promove a denúncia ao Ministério Público. No nosso caso, não temos poder de investigação, nem exercitamos essa competência de denúncia. Nós só compartilhamos as informações de inteligência financeira com fortes indícios do cometimento do crime de lavagem. Essa é a nossa função básica. Então, vai depender de cada país a melhor experiência, mas todos eles têm problemas dessa natureza, em que as defesas buscam muito mais discutir questões de forma do que do mérito eventualmente envolvido nos casos disseminados”, afirmou ele.

O congresso com participação de Ricardo Liáo conta, principalmente, com um público de operadores do sistema bancário, identificados pelos especialistas como a porta de entrada de toda uma cadeia de combate à lavagem de dinheiro e aos crimes relacionados à prática. São desses profissionais que partem diariamente cerca de 35 mil comunicações ao Coaf sobre indícios de atividades ilícitas nas transações dos clientes.

Entre os temas também discutidos no evento, estiveram a preocupação com a qualificação dessas comunicações e as estratégias para o tratamento do alto volume de informações financeiras, a partir, por exemplo, do uso de inteligência artificial.

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