Opinião

Acordo extrajudicial homologado pela Justiça do Trabalho: Resolução 586/2024 do CNJ

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho titular da cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor universitário. Advogado.

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15 de outubro de 2024, 17h18

A Resolução 586, de 30 de setembro de 2024, do Conselho Nacional de Justiça dispõe sobre métodos consensuais de solução de disputas na Justiça do Trabalho.

O Conselho Nacional de Justiça é órgão do Poder Judiciário (artigo 92, inciso I-A, da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004). Compõe-se de 15 membros com mandato de dois anos, admitida uma recondução, na forma do artigo 103-B da Constituição da República.

Compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências (artigo 103-B, § 4º, inciso I, da Constituição de 1988, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004).

O Conselho Nacional de Justiça, assim, apesar de integrar o Poder Judiciário, exerce função administrativa [1] e, para isso, pratica atos administrativos. Estes podem ser atos gerais ou regulamentares, os quais têm finalidade normativa [2], como portarias, resoluções, instruções e regimentos [3].

A Resolução 586/2024 do CNJ é ato administrativo normativo, regulamentar ou de execução, pois tem como objetivo explicitar as previsões da lei para a sua aplicação, no caso, os artigos 855-B a 855-E da CLT (incluídos pela Lei 13.467/2017), que dispõem sobre o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial.

Logo, no Estado Democrático de Direito, o referido ato normativo derivado deve observar a Constituição e a lei [4]. Trata-se de ato normativo de caráter não legislativo, produzido no exercício de função normativa, e não legislativa [5].

Entende-se que o acordo a ser levado à homologação pela Justiça do Trabalho pode resultar de negociação direta entre as partes ou de mediação pré-processual. Quanto a esse último aspecto, a Resolução 377/2024 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho dispõe sobre a regulamentação das mediações pré-processuais individuais e coletivas no âmbito da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus.

Quitação ampla, petição, representação e vícios

Os acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho terão efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, nos termos da legislação em vigor, sempre que observadas as seguintes condições: I – previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável no acordo homologado; II – assistência das partes por advogado(s) devidamente constituído(s) ou sindicato, vedada a constituição de advogado comum; III – assistência pelos pais, curadores ou tutores legais, em se tratando de trabalhador(a) menor de 16 anos ou incapaz; e IV – a inocorrência de quaisquer dos vícios de vontade ou defeitos dos negócios jurídicos de que cuidam os artigos 138 a 184 do Código Civil, que não podem ser presumidos ante a mera hipossuficiência do trabalhador (artigo 1º da Resolução 586/2024 do CNJ).

A previsão do artigo 1º da Resolução 586/2024 está em consonância com o artigo 855-B da CLT, ao estabelecer que o processo de homologação de acordo extrajudicial tem início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

Spacca

As partes não podem ser representadas por advogado comum (artigo 855-B, § 1º, da CLT). Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria (artigo 855-B, § 2º, da CLT).

A quitação ampla, geral e irrevogável tem como um dos requisitos a previsão expressa desse efeito no acordo homologado, o que já era reconhecido pela jurisprudência [6].

Os artigos 138 a 165 do Código Civil versam sobre defeitos do negócio jurídico (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores). Os artigos 166 a 184 do Código Civil dispõem sobre invalidade do negócio jurídico (nulidade e anulabilidade).

A transação é anulável por dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa (artigo 849 do Código Civil). Na verdade, como a transação é contrato, pode ser invalidada por qualquer das causas de anulação do negócio jurídico [7].

A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes (artigo 849, parágrafo único, do Código Civil). A transação é anulável por erro de fato, ou seja, vício da vontade sobre circunstância de fato do negócio jurídico a respeito da pessoa ou coisa controversa.

A quitação prevista no artigo 1º da Resolução 586/2024 não abrange: I – pretensões relacionadas a sequelas acidentárias ou doenças ocupacionais que sejam ignoradas ou que não estejam referidas especificamente no ajuste entre as partes ao tempo da celebração do negócio jurídico; II – pretensões relacionadas a fatos e/ou direitos em relação aos quais os titulares não tinham condições de conhecimento ao tempo da celebração do negócio jurídico; III – pretensões de partes não representadas ou substituídas no acordo; e IV – títulos e valores expressos e especificadamente ressalvados.

Eficácia restrita, multa, análise e prazo prescricional

Os acordos que não observarem as condições previstas no artigo 1º da Resolução 586/2024 têm eficácia liberatória restrita aos títulos e valores expressamente consignados no respectivo instrumento, ressalvados os casos de nulidade (artigo 2º da Resolução 586/2024 do CNJ).

O disposto nos artigos 855-B a 855-E da CLT não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do artigo 477 da CLT (sobre pagamento das verbas rescisórias) e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8º do artigo 477 do mesmo diploma legal (artigo 855-C da CLT).

No prazo de 15 dias a contar da distribuição da petição, o juiz deve analisar o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença (artigo 855-D da CLT).

Entende-se que não se impõe ao juiz a obrigatoriedade de homologar todo e qualquer acordo extrajudicial, cabendo verificar a presença dos requisitos formais e de concessões recíprocas, bem como a ausência de vício de vontade, de fraude e de violação a normas de ordem pública [8].

Pode-se defender a aplicação ao caso do entendimento constante na Súmula 418 do TST, com a seguinte redação: “Mandado de segurança visando à homologação de acordo. A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”.

A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados (artigo 855-E da CLT).

O prazo prescricional volta a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo (artigo 855-E, parágrafo único, da CLT).

Em consonância com o exposto, o artigo 652, f, da CLT estabelece que compete às Varas do Trabalho decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho [9].

Caso a sentença rejeite (no todo ou em parte) a homologação do acordo extrajudicial, é cabível recurso ordinário (artigo 724 do CPC e artigo 895, inciso I, da CLT), a ser julgado pelo TRT.

Se houver homologação (integral) do acordo extrajudicial pela Vara do Trabalho, aplicando-se o artigo 831, parágrafo único, da CLT, a decisão é irrecorrível, salvo para a União quanto às contribuições previdenciárias que lhe forem devidas. Sendo assim, em consonância com a Súmula 259 do TST: “Só por ação rescisória é impugnável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da CLT” [10].

No entanto, cabe mencionar o entendimento de que como o termo de conciliação em jurisdição contenciosa (artigo 831, parágrafo único, da CLT) não se confunde com o acordo extrajudicial homologado em juízo (artigos 855-B a 855-E da CLT), para a desconstituição deste é cabível ação anulatória (artigo 966, § 4º, do CPC) [11].

Além disso, entende-se que a União deve ser intimada das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, facultada a interposição de recurso (no caso, ordinário) relativo aos tributos que lhe forem devidos (artigo 832, § 4º, da CLT).

Nupemecs e Cejuscs

A homologação de acordos celebrados em âmbito extraprocessual depende da provocação espontânea dos interessados, ou seus substitutos processuais legitimados, aos órgãos judiciários legais ou regimentalmente competentes, incluindo os Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas da Justiça do Trabalho (Cujuscs-JT), em conformidade com as resoluções editadas pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (artigo 3º da Resolução 586/2024 do CNJ).

Quanto ao tema, a Resolução 174/2016 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho dispõe sobre a política judiciária nacional de tratamento adequado das disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista. Nesse contexto, os Tribunais Regionais do Trabalho devem instituir um Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Nupemec-JT), assim como Centro(s) Judiciário(s) de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc-JT).

Na hipótese do artigo 3º da Resolução 586/2024, a provocação pode se dar por iniciativa de qualquer dos interessados ou seus substitutos processuais legitimados, ou de comum acordo.

No contexto das mediações pré-processuais trabalhistas envolvendo interesses individuais homogêneos, coletivos ou difusos, faculta-se aos Cejuscs-JT e aos demais órgãos judiciários, legal ou regimentalmente competentes, chamar à mediação o Ministério Público do Trabalho e as entidades sindicais representativas que estiverem ausentes.

Trata-se de faculdade que se fundamenta na legitimidade do Ministério Público do Trabalho e das entidades sindicais para a defesa dos interesses metaindividuais, em consonância com os artigos 129, inciso III, e 8º, inciso III, da Constituição de 1988.

É vedada a homologação apenas parcial de acordos celebrados (artigo 3º, § 3º, da Resolução 586/2024 do CNJ).

Apesar de haver entendimento de que essa previsão teria inovado no ordenamento jurídico, em verdade, de acordo com o princípio da indivisibilidade, a transação, por ser resultante da vontade das partes, apresenta-se como um todo harmônico [12].

De maneira a aferir o impacto sobre o volume de trabalho dos órgãos competentes, as normas da Resolução 586/2024, nos primeiros seis meses de vigência (iniciada em 01.10.2024), só se aplicam aos acordos superiores ao valor total equivalente a 40 salários mínimos na data da sua celebração (art. 4º da Resolução 586/2024 do CNJ).

Cabe, assim, acompanhar os impactos da Resolução 586/2024 do CNJ nos processos de homologação de acordo extrajudicial pela Justiça do Trabalho.

 


[1] “4. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra ‘r’, e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito” (STF, Pleno, ADI 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 22.09.2006).

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 155.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 233.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 344.

[5] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 185: “quando o Executivo e o Judiciário emanam atos normativos de caráter não legislativo – regulamentos e regimentos, respectivamente –, não o fazem no exercício de função legislativa, mas sim no desenvolvimento de função normativa” (destaques do original).

[6] “Recurso de revista. Processo de jurisdição voluntária. Homologação de acordo extrajudicial. Quitação. Alcance. Arts. 855-B e seguintes da CLT. Não havendo, nos autos, registro de descumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico e dos requisitos formais previstos no art. 855-B da CLT ou, ainda, indícios de lide simulada ou de desvirtuamento do instituto da transação, não há óbice à homologação integral do acordo firmado entre partes, com quitação integral do contrato de trabalho extinto. Recurso de revista conhecido e provido” (TST, 3ª T., RR-1000129-18.2019.5.02.0009, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 25.06.2021).

[7] MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil: direito das obrigações, 2ª parte. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 5. p. 457-459.

[8] TST, 2ª T., RR-20287-08.2020.5.04.0305, Rel. Min. Maria Helena Mallmann, DEJT 09.04.2021.

[9] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. p. 880-882.

[10] TST, 6ª T., RR-764-64.2021.5.17.0191, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 29.09.2023. TST, 6ª T., Ag-RR-760-27.2021.5.17.0191, Rel. Des. Conv. Paulo Régis Machado Botelho, DEJT 03.05.2024.

[11] TST, 4ª T., Ag-RR-762-94.2021.5.17.0191, Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 10.05.2024.

[12] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3. p. 370.

Autores

  • é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pós-doutorado em Direito e especialista em Direito pela Universidade de Sevilla, membro pesquisador do IBDSCJ, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, titular da cadeira 27, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, professor universitário e advogado.

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